Are baba, cheguei à Índia!
País chocante. Se você acha que o Brasil é esculhambado, não sabe de nada, inocente. A Índia muda todos os seus parâmetros. Definitivamente, um país desafiador. Ao mesmo tempo, é um país riquíssimo em cultura, cheio de particularidades, e desde 2009 muito curioso aos olhos dos brasileiros após a novela global Caminho das Índias. Eu estarei aqui pelos 3 próximos meses, e compartilharei com vocês as minhas impressões conforme minhas andanças pelo país.
Meu primeiro pit-stop é Nova Délhi, a capital, cidade de nada menos que 22 milhões de habitantes. Esse pandemônio que você vê ali na foto. (Coloquialmente, ela aqui sempre é apenas “Délhi”, já que não existe uma “Velha Délhi” pra confundir. A alcunha de “nova” é porque aqui, neste mesmo lugar, já existiram sete cidades anteriores a serem construídas e destruídas. A atual “Nova Délhi” é, portanto, a sétima versão. Mais sobre isso nos próximos posts.)

Este post trata das minhas primeiras 12 horas na cidade. Eu cheguei logo de manhãzinha. Aterrissei de madrugada, havia reservado acomodação com uma família local, e o tio disse que iria me buscar no aeroporto.
O que eu não imaginei foi que os famosos truques indianos de passar-você-pra-trás já começariam tão cedo, em pleno saguão do aeroporto. Fui lá eu comprar uma água mineral – as histórias de horror sobre a água da torneira de Nova Délhi são famosas, e reza a lenda que os turistas aqui escovam dente com água mineral ou com cerveja, porque até as gotas da água da torneira que você engolir por acidente já te levam para o trono. Sendo assim, fui atrás da água e vi uma promoção: 20 rúpias e você leva uma garrafa d’água com um jornal do dia (isso dá uns 75 centavos, 30 rúpias dá mais ou menos 1 real). “Beleza”, o baixinho sorridente e cheio de maneiras educadas “Yes, sir“, enquanto sorria, pega a garrafa da minha mão pra escanear o código de barra atrás do caixa, e nisso pega o troco também, e num golpe de destreza de bater qualquer mágico de circo, o FÊ-LA-DA-**** trocou a garrafa por uma enchida com água de bebedouro, de torneira, ou sabe-se-lá de onde.
Só fui notar depois, quando peguei pra beber, e percebi que curiosamente não estava cheia até a borda — ao contrário de todas as da prateleira. Tarde demais pra reclamar, pois eu já havia aberto, mas pelo menos saquei o golpe antes de beber.
Pois é, aqui os truques já vem receber a gente na chegada do aeroporto. Índia requer olho vivo, como eu continuei a descobrir.
Encontrei o Tio na saída do aeroporto e, às 5:30 da manhã, saímos pra o que seria o meu primeiro dia em Délhi. Cheguei à casa dele ainda mal havia amanhecido. Àquela hora já havia certo tráfego nas ruas. O que mais se vê nas ruas são os tuk-tuks, ou auto-riquixás, como o desse tiozinho aí na foto.

Quer imaginar Nova Délhi? Primeiro de tudo, esqueça a ambientação da novela — que supostamente se dava numa cidade menor e mais tradicional. Imagine, em vez disso, o Morro da Rocinha. Agora multiplique a extensão para kilômetros e mais kilômetros de casas construídas umas sobre as outras, becos, lamaçal, buraco, barracos e lixões… Pronto, agora basta imaginar que essa muvuca toda é hinduísta (roupas características, incenso nas barracas, imagens de Shiva aqui e ali, etc.).
Nova Délhi se parece com uma grande favela, feia, mas pontuada aqui e ali por monumentos e paragens que são belíssimas — de disputar com (e algumas vezes, em minha opinião, superar) lugares mais famosos na Europa. Além disso, Délhi tem a grande vantagem de não ser nem de longe violenta como os subúrbios latino-americanos. Aqui eu ando pra lá e pra cá, às vezes você vê casas com portas abertas, sem grande criminalidade. Pelo menos isso!



Eu ainda me preparava para o meu primeiro dia. Na família: o tio da casa, a tia, a assistente que ajuda a cortar os temperos, e dois garotinhos muito simpáticos de 6 e 9 anos. Estava em meu quarto arrumando a bagagem, e fazendo hora pra tomar o café da manhã (que está incluso no que eu pago a eles), quando ouvi sininhos badalando na cozinha. “Nossa, que chique eles, parece hotel”, e fui animado saindo em direção à cozinha. Só que o sininho não era pra mim, era pra Lord Krishna. Em bom estilo Opash, estava lá a dona da casa balançando o sininho e acendendo incenso antes de “abrir” a cozinha — auspícios para o dia.
Não muito tempo depois, o café estava servido. Digo, o chai. Já vem adoçado, então se você é daqueles(as) que pede “o meu com pouco açúcar por favor”, se deu mal. Aliás, aqui em termos de comida já vão lhe dando, ninguém pergunta se você quer não (é igual avó aí no Brasil). Mas o chai é gostoso: leite e chá preto, adoçado. No fim parece um café com leite, só que com gosto de chá. Além disso, comemos uma espécie de pão fino redondo, do diâmetro de um palmo. Ele é esquentado na chapa com óleo, e vem quente. Pra ficar mais gorduroso, adicione manteiga à vontade, que derrete. Adicione também um molho picante daqueles de fazer você correr pra um gole de chai e queimar a língua. Bem, pra quem é baiano ou acostumado a pimenta, não há problema, só basta se acostumar a ter isso no café da manhã. Ah! O pãozinho chato se chama Prantha, e vem com legumes e alho amassados dentro. (Fácil de lembrar o nome, né? Basta lembrar da sua empregada se referindo ao seu jardim, e lembrar que o pãozinho vem com planta dentro).
Acho que comi uns cinco “prantha” só nesse primeiro dia. O tiozinho não queria me deixar parar de comer, não. E a servente (do estado de Bengala do Oeste, fala Hindi e Bengali) cooperava gentilmente trazendo mais e mais. Eu já tava começando a tomar fôlego pra mastigar, e o tiozinho apontando com a mão e dizendo “Por favor” com aquela cara prestativa, e eu sem querer fazer desfeita.
Meia hora depois estava eu zonzo de tanto prantha, descendo a escada com o tio, que disse que ia me mostrar o caminho pra a estação de metrô. Pensei que íamos a pé, naquele labirinto de lamaçal, buraco e gente passando. Mas não, vamos de moto. Capacete, pra quê? Ah, eu acho que ainda não mencionei o nome do tiozinho: Mr. Bhalla. Nome muito auspicioso pra uma rodada de moto sem capacete nas ruas de Nova Délhi.
Chegamos sãos e salvos, embora muitas vezes eu achei que fôssemos bater ou que eu ia virar e cair de cara numa daquelas poças de lama multi-doença. Depois de memorizar e passar de trás pra frente e de frente pra trás a rota com o tiozinho, segui. (Os indianos, pelo que tenho visto, adoram conversar com você como se fossem seu professor, fazem você completar a frase, etc.). Graças a Deus, o metrô é ótimo. Vai sempre cheio, mas não chega a ser “lata de sardinha”. Tem ar condicionado e é relativamente barato (não para os indianos pobres, mas pra nós de fora, é.). O chato é ter que formar fila e passar por detecção de metais à là aeroporto todas as vezes que entra na estação de metrô. Gasta-se um tempo danado, sobretudo se você for homem, pois as filas são separadas por gênero e a masculina é sempre maior.
Neste primeiro dia eu fui visitar o Templo de Akshardham, da foto abaixo.


A entrada é gratuita, mas não é permitido entrar no complexo com câmera ou celular. Há todo um esquema de segurança onde você deposita seus pertences antes de entrar e os pega na saída.
Akshardham é todo um complexo em torno de um templo hinduísta de fazer você arregalar os olhos. Muito bonito por dentro e muito bem construído, com áreas informativas, cinema com exibição de “documentários” sobre o hinduísmo, passeio de barco por um “brinquedo” daqueles tipo de parque de diversão, numa área fechada e que você vai vendo os arredores, com narrador, só que sobre História e cultura da Índia, etc.. Parece uma Disney hindu. E no templo em si você só entra descalço, como é habitual nos templos hinduístas ou budistas. O interior do templo é limpo a ponto de você não sentir um grão de poeira no seu pé (mesmo ele sendo cheio de grandes pórticos e aberturas). Recomendadíssimo.
Delhi é assim, um mar de favela e sujeira, mas com “ilhas” de beleza monumental. E, o que é interessante no meu ponto de vista: nem sempre se tratam de monumentos antigos. Esse mesmo aí é de 2005. Ao contrário da Europa, onde as igrejas viraram atrações turísticas, e as obras de impressionar e artes em geral são uma coisa de épocas passadas, muito diferentes do hoje em dia europeu, aqui na Índia não é assim. O hinduísmo é vivido claramente no dia dia, e os monumentos refletem uma cultura muito atual. A gente vai conversando disso um pouco mais nas semanas a seguir.
Mairon, parabéns! Senti-me voltando ao ano passado quando visitei a Índia. Só que desta vez morrendo de rir!
Parabéns pela forma lúdica com a qual transmite sua experiência,