Eu acho engraçado quando ouço as pessoas, no Brasil, darem atributos de “horrível”, “impossível”, ou “a pior coisa” ao trânsito brasileiro. Sabem de nada, inocentes. O trânsito brasileiro é uma sinfonia de Mozart quando comparado ao indiano. Aqui na Índia em geral não há sinais de trânsito, as pessoas não param de buzinar, as ruas em geral não têm acostamento nem calçada, e o nível de pânico que junta tuk-tuks, motos, ciclo-táxis, carros, ônibus lançando fumaça preta no ar, e ainda as ocasionais vacas no caminho, cria nada menos que um pandemônio urbano.
O metrô de Délhi, criado em 2002 (e em constante expansão, já com o triplo da extensão do de São Paulo), amenizou as coisas mas ainda não leva a todo lugar. Inevitavelmente, como visitante, você precisará recorrer aos afamados tuk-tuks se quiser chegar a todas as áreas de interesse.

Andar de tuk-tuk em Délhi é sempre emocionante. Esses tiozinhos motoristas de tuk-tuk aaaaaamam turistas. Claro, turista nunca sabe o preço de uma corrida, e eles aproveitam pra cobrar o dobro do que normalmente seria. Deixa eu explicar. O tuk-tuk tem um taxímetro (ou “tuk-tukímetro”, como queira), mas aí é que entra o dilema: se você exige ir pelo medidor, eles fazem uma “circular” com você e pegam o caminho mais longo. A outra opção é, a que eles preferem, negociar o preço. Só que como negociar se você não faz idéia do preço justo?
Para quando eu fui ao Templo de Lótus do post anterior, Tio Bhalla havia me prevenido: “Bote ele pra ir pelo medidor e diga que vá por não-sei-aonde“. E assim foi. O cara esperneou, tentou botar o preço, disse que o medidor estava com defeito, eu disse que então ia pegar outro tuk-tuk, e de repente o medidor ficou bom.
Olha aí ó, novinho até. No caminho passamos por um bocado de lugares diferentes. Barracos, avenidas, vi um grupo de vacas…


O interior do tuk-tuk lembra um pouco táxi brasileiro. Em vez de uma imagem de Nossa Senhora, tem adesivo de Krishna, ou imagenzinha de Lord Ganesha, etc. O cidadão normalmente dirige descalço (aliás, aqui eles fazem quase tudo descalço), e de dois em dois minutos dá uma cusparada pra fora — às vezes daquelas densas em que o cuspe custa a desprender. (Em parte é porque aqui no norte da Índia eles fumam pouco, mas mascam muito tabaco, o que produz um cuspe grosso cor de telha.) E como tudo é aberto, de vez em quando você toma umas salpicadas de água de poça também.
Quando eu saí do Templo de Lótus (como também quando saí do Qutub Minar, e os motoristas de tuk-tuk já ficam ali na botija aguardando os turistas saírem), me senti um pedaço de carne. No momento que eu passei do portão já vieram uns 3 ou 4 tuk-tukeiros pra cima de mim. “Ei ei ei!”, não-sei-o-que, vambóra! vambóra! Tentei usar toda a minha serenidade recém-polida no templo da lótus. Eu disse que queria ir pra uma estação de metrô que eu sabia ser perto, eles não gostaram. Na verdade, eles detestam o metrô. Antigamente eles cruzavam a cidade, nesse tráfego que leva horas pra se ir de um ponto a outro; hoje em dia o passageiro só pede pra ir até o metrô, e pimba.
Aí vem eles com aquela cara de que quer o seu dinheiro e o olho de quem está bolando alguma coisa criativa pra lhe dizer. O indivíduo me solta: “É o dia final do Ramadã, é festa, eu lhe levo pra fazer umas compras e depois lhe deixo no metrô“. Eu: “Que compras o quê meu amigo, eu quero ir pro metrô e pronto“.
Não deu jeito, nenhum deles aceitou que eu não estivesse interessado em compras. (Há centenas de bazares onde eles recebem comissão pra levar turista, e onde tudo custa o olho da cara).
Mas eu sou revoltado pra esse tipo de coisa, e meio extremo. Saí dali a pé, andando mesmo, pra a descrença deles. Andei mais um pouco e acabei achando um tuk-tukeiro que me levasse. Aí você acerta um que aceite levar pelo medidor, e senta crente que a batalha acabou. No meio da corrida, a surpresa: “Eu vou lhe levar a uma outra estação de metrô que é mais perto“. Poutz.
— “Não, não, não, eu quero a que eu lhe disse“.
— “Nessa estação que eu vou te levar você vai economizar 20 rúpias na passagem do metrô“. (Ele não diz quantas mais eu vou ter que pagar a ele.)
Eu aprendi que aqui na Índia a coisa é o tipo o estereótipo que fazem de respostas femininas: “Talvez” quer dizer “Sim“, e “Não” quer dizer “talvez“. Me disseram que pra dizer não mesmo, você tem de ignorar. Como eu respondi, ele tomou isso como um talvez e acabou me levando pra a tal outra estação. Acabou sendo mais perto mesmo, mas a história de economizar 20 rúpias estava aumentada. Enfim, deixei ele ficar com o troco, já que são miúdos mesmo.
É como um fulano me disse outro dia: “Eles fazem com os ocidentais em pequena escala o que o Ocidente faz com a gente em grande escala“. Claro que não adiantaria dizer que eu, brasileiro, não estou envolvido nisso. Mas enfim, acho que no fundo é verdade, embora não ache que justifique.