Delhi 8 10
India

Comidas na Índia: Características gerais e algumas curiosidades

(Picolé vendido em embalagem de papelão. Garanto que você nunca tinha visto. A especialidade da Índia parece ser mostrar coisas que você nunca tinha visto.)

A comida é sempre uma parte marcante de qualquer cultura. E, em viagens, é uma coisa que eu pessoalmente adoro verificar. Na Europa eu sempre digo a eles que o Brasil é um “universo alimentar” diferente do deles — outras frutas, outros doces, outras receitas. (Eles às vezes custam a sacar isso). Na Índia, o “universo alimentar” deles aqui é riquíssimo. Em algumas coisas, parece com o nosso — no que se refere a certas frutas tropicais, por exemplo. Em outras, é completamente exótico.


Em posts anteriores eu já falei do chai, dos prantha, e do hábito de comer com bastante açúcar e pimenta. Em resumo, aqui é a terra de gostos acentuados e temperos fortes. Definitivamente não é a terra do purê de batata. 

Vamos começar pelo simples. A Índia toda adora leite. Hoje fui informado por Dona Bhalla que são 5 litros de leite diários para a casa. Sem contar iogurte e queijo (aqui chamado de paneer [lê-se panir], cubinhos parecendo ricota que podem até ser sem gosto sozinhos, mas que nunca poderão ser acusados disso dentro de um forte molho indiano).


Quanto à base dos “comes” que acompanham o leite, vou exemplificar com uma história. Outro dia num chai com o Tio Bhalla, ele em seu jeito todo pensativo, daqueles que não está lhe dizendo nem 20% do que está pensando, me pega um biscoitinho e suspende na direção da luz da lâmpada, como se estivesse examinando uma jóia, e começa, pausadamente: “Este biscoito…“. (E eu já crente que ele ia dizer que era de nata, pra eu responder que no Brasil também se faz). “… é de farinha de trigo“. Fãs de animê podem imaginar a super gota na minha cara. Aquela cara de dããããã, grande novidade biscoito de farinha de trigo.

Mas em defesa do Tio Bhalla eu explico: O norte da Índia, onde eu estou, funciona à base de trigo; o sul funciona à base de arroz. Por isso os milhares de prantha que estou comendo, além desses biscoitos e outras coisas. Lá no sul, pelo que me dizem, se fazem biscoitinhos com farinha de arroz, daí a necessidade que o Sr. Bhalla sentiu de me dizer que aquele que estávamos comendo era de farinha de trigo.


Assim sendo, as refeições aqui (feitas normalmente com as mãos) sempre acompanham um pãozinho chato no norte da Índia, como na foto abaixo. (A propósito, esse foi meu almoço hoje). Atenção: esses pãezinhos não são prantha, pois são apenas massa. Lembrem-se que prantha tem planta dentro, hehe. Esses só de massa se chamam chapati (lê-se como se tivesse um T no começo da palavra).

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Meu almoço de hoje, uma refeição simples: chapatis, esses pãezinhos feitos de massa de farinha de trigo, uma sopinha de verduras, e o molho apimentado ali abaixo. Nesse molho há bastante pimenta, daqueles que vem até os carocinhos da pimenta dentro. Vem dentro também pedaços de verdura tipo cenoura, ou de fruta tipo manga e limão, imersos no molho apimentado (em inglês costumam chamar esse tipo de molho indiano com pedaços de chutney). No copo, lassi, que é tipo um iogurte batido, que pode ser bebido com açúcar ou com sal, e que ajuda a cortar a pimenta.

Não se iludam achando que é pouco. É, sim, uma refeição simples sem grandes coisas, mas em termos de quantidade os chapatis são acrescentados ali naquele pratinho à frente mais rapidamente do que você come. E a sopinha também vem mais. (Até o lassi teve um refill, na verdade. Um re-enchimento do copo). Como eu comentei, as mulheres não se sentaram à mesa comigo até hoje — ficam só na cozinha mandando mais comida pra a mesa. Depois que já não precisa trazer mais comida, aí sim elas pegam algo pra si e se sentem em algum lugar pra comer, depois que acabaram de servir.

O mais comum como turista, entretanto, será ser servido chapatis (ou arroz) junto com algum curry, que aqui é usado como um nome genérico pra qualquer molho. Como os hindus não comem carne de boi e a minoria muçulmana não come porco, o mais comum de ver na Índia é frango, cordeiro ou, muitas vezes, curries vegetarianos.

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Sea-buckthorns, fruta da Ásia Central.

Mas nem só de pão vive o homem. Aqui e ali eu resolvi descobrir uns suquinhos e as frutas daqui. Pra minha nostalgia, tomei suco de laranja-lima, que talvez alguns de vocês nem conheçam, mas que no Nordeste é conhecido e eu já não tomava há algum tempo. Achei aqui também um suco da fruta lichia, que talvez alguns de vocês já tenham provado. A fruta é daqui da Ásia, eu já tinha tomado dela tanto no Canadá quanto na Holanda em restaurante asiático, mas o que tomei aqui é mais forte. Mas o campeão até o momento é o suco de sea-buckthorn, uma fruta que não tem nem nome em português. Essa amarelinha aí da foto.

Com que frequência você bebe suco que é oleoso? Pois é, o suco dessas amarelinhas aí é oleoso, pois as danadinhas tem óleo na polpa. Dá até pra ver as várias “fases” na garrafa que comprei. Aí você dá aquela sacodida e, que nem eu, abre a garrafa pra cheirar. Quase caio de costas. É bebível, azedinho, mas o cheiro lembra uma mistura de suco de maracujá com lubrificante de camisinha.

No Dilli Haat, uma feira cultural permanente aqui em Délhi, é possível experimentar pratos indianos das várias partes do país (sim, eles são diferentes). E eu aproveitei pra checar um pouco de como é a comida do sul, à base de arroz. Comi um típico e delicioso risotto (que, obviamente, não se chama risotto), uma espécie de arroz temperado e misturado aos mais diversos companheiros, desde o queijo paneer mencionado acima até legumes, ovo, o que for. No meu, até cravo-da-índia veio dentro.

Chama-se biryani, e é um nome genérico que descreve esses mil-e-um tipos de arroz temperado. É de origem persa, mas hoje em dia já está incorporado na culinária indiana com variedades bem apreciadas. Segue abaixo o que eu comi. Dizem que os melhores são os da cidade de Hyderabad, no sul, que eu pretendo visitar. (No extremo norte, na região da Caxemira, há o pulao, que é semelhante, mas temperado com manteiga e, frequentemente, pedaços de frutas no meio. Também é delicioso.)

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Um biryani vegetariano, com mil-e-um temperos. Ali, acompanhando, uma porção de cebola roxa, um caldinho de gengibre (o verde), e uma pequena porção de coalhada, que ajuda a cortar a pimenta se necessário.

Pra finalizar esta sessão, que talvez já tenha deixado alguns de vocês com fome, algo mais que eu experimentei nessa feira de cultura e que é comum por várias partes da Índia. Esses aí abaixo na foto são legumes e verduras passados na farinha de grão-de-bico e fritos. Muito comum por toda a Índia, e se faz com diferentes vegetais, de batata a berinjela. É gostosinho. Chama-se pakorá. É bom mesmo “pakorá” meses e meses de comida ruim lá na Holanda. No copo, shikanji, a nossa velha garapa (água, limão e açúcar).

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No copo, shikanji, a nossa conhecida garapa. No prato, pakorá, tipo uns pedaços de vegetais fritos com massa ao redor. No meio, como não podia deixar de ser, o molho picante.

E, na Índia, a refeição sempre termina com erva-doce e açúcar, para a digestão.  

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Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

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