Estou indo embora de Nova Délhi. Finalmente!
Neste momento, os indianos estão numa mistura de euforia e stress. Esse domingo, dia 3, começam os Commonwealth Games em Nova Délhi (tipo um “Jogos Pan-americanos” entre as ex-colônias da Inglaterra). A cidade, que já é surtada com medo de ataque terrorista, duplicou a segurança e resolveu decretar estado de alerta. Resultado: as ruas estão parecendo um canteiro de obras militarizado. (Ah, claro, as obras não acabaram a tempo e agora eles estão correndo contra o relógio… essa semana teve pedaço de estádio caindo e tudo o mais…).
Sem brincadeira, há verdadeiras trincheiras na rua, sacos de areia empilhados ao redor de soldados — que habitualmente já carregam fuzis pela cidade como em metrô da zona norte do Rio de Janeiro. A vida em Nova Délhi, em termos de segurança, já é uma realidade saturante. Não é crime de rua, é medo de terrorismo. Então parece aeroporto, todo dia. Você entra no metrô, detector de metal, aí o soldado tem que também abrir a bagagem que você está carregando, vistoriar, etc. A mesma coisa pra entrar em qualquer shopping. Somado a isso, lojas, qualquer uma que seja um pouco mais arrumadinha tem segurança que controla sua entrada e saída e o que você está levando. Isso é o normal. Agora em estado de alerta eles ficaram ainda mais chatos. Agora às vezes põem dois soldados pra verificar você, um depois o outro, caso o primeiro tenha sido descuidado na averiguação. Andando na rua em alguns lugares parece que tem mais militar do que civil. Não quero nem ver quando os jogos começarem… Hora de dar o fora.
Além disso, Seu Bhalla, o meu anfitrião, se revelou cada vez mais um treteiro, e tentou me passar a perna. Quando chegou o dia de pagar a primeira metade da minha estadia na casa dele, ele simplesmente me mostrou um valor na calculadora e voltou-se outra vez para o computador. “This is the amount“, declarou ele impessoal (“Este é o montante”). Safado. Eu percebi que não tinha como ser tudo aquilo. Ele não apenas estava cobrando diárias mais caras que o acertado como também me cobrava a tarifa de dupla ocupação (como se tivesse sido duas pessoas ocupando o quarto).
—”Esse valor está errado“, disse eu me contendo. “Você está me cobrando diárias mais altas do que o que nós acertamos.”
— “Não“, respondeu ele tranquilo e na maior cara de pau. “Vamos ver“, prosseguiu, e abriu o site de sua acomodação para me mostrar no computador.
Abriu lá me mostrou os valores (todos mais altos), na maior cara lavada. Por sorte, eu já havia verificado a atualização mais recente do site, que havia sido há apenas poucos dias atrás, portanto depois do nosso acerto.
— “Você atualizou o site e aumentou os valores depois do nosso acerto. Nosso acerto não foi com esses valores. E, além do mais, você está me cobrando a diária de duas pessoas no quarto.“, disse eu já sem paciência.
Ele fez como se nada demais houvesse acontecido.
— “No problem, dinheiro não é a questão. A questão é você estar satisfeito, e pronto.“
Bobeeie com esses indianos. Não lhe assaltam, mas levam todo o seu dinheiro se você deixar.
Seu Bhalla ficou menos simpático desde então, já pouco interessado em me agradar. Ainda assim, depois, à mesa dum café da manhã, teve a cara de pau de me propor que eu desse uma contribuição a ele para a reforma da casa. Eu desconversei.
Não me vejo livre dele completamente ainda, pois estava deixando uma mala de coisas aqui e não levaria tudo ao Rajastão. (Eu preciso voltar a Délhi ainda a trabalho depois.) Mas pelo menos escapo por umas boas semanas.
Vamos ao Rajastão, o “estado desértico” da Índia, no noroeste do país, fazendo fronteira com o Paquistão. É por onde passavam as caravanas de especiarias rumo à Pérsia e ao ocidente nos tempos de antigamente. (Ah! Foi lá também que se passou a novela Caminho da Índias, nesse estado)
São algo como 6h de viagem de Delhi até Jaipur, a capital do Rajastão. Eu podia muito bem ir de trem com ar condicionado, mas achei que seria impessoal demais. Resolvi pegar o ônibus “povão”. Seis reais a passagem, hehehe. Seu Bhalla me botou no tuk-tuk e lá fui eu à “estação” de ônibus, que se revelou ser um acostamento na pista onde tem o tiozinho gritando “Jaipur, Jaipur, Jaipur!!“.

Fui entrando e lá vamos nós. Ônibus até confortável, preciso dizer. Mas aí o povão é aquela muvuca. Primeiro, a música alta que foi um verdadeiro batidão dentro do ônibus, aqueles “techno-místico” à là indiana. Segundo, a farofada, só que em vez de galinha é prantha e grão-de-bico no molho (pra passar no pão), etc. Aí depois lambe os dedos sujos de óleo e depois limpa na poltrona (ou vice-versa), as moscas passeando… E terceiro, é igual ônibus barato no interior aí no Brasil: vai gente em pé, a galera vendendo coisa no corredor do ônibus, pela janela… hehe, aquela coisa.
Estes pequenos vídeos que gravei dão a noção. (O som não fui eu que pus, estava lá mesmo.) Neste primeiro ainda estávamos deixando Nova Délhi, mas você já sente o clima.
Meu assento estava confortável, mas como nada é perfeito, na última hora de viagem entrou uma tia, rodou virou, e chega pra mim e fala: tmzepidm cjslkdpo jkcsa. Algo em hindi (ou Marwari, que é o que eles falam no Rajastão). Eu faço aquela cara de “Oi?”. Ela fala em inglês: “Eu quero sentar aqui“. O que é que você faz? A tia já meio pesada, carregando coisa, eu “ah, vai”, pensei. Eu ia levantando para dar lugar, afinal estava perto de chegar. Mas aí ela me volta para a cadeira. “Não não, você pode ficar aí. Cabem os dois“. Pronto. Pelos próximos 60 minutos eu fui espremido entre a tia pesada e a janela. Mas pelo menos deu pra trocar um papo e pegar umas informações sobre a cidade.
Como acabei de chegar, estou ainda para descobrir as coisas. Mas posso dizer que as ruas de Jaipur são dotadas de incrível fauna: cabra, cachorro, cavalo, camelo, vaca e porco do mato. Tudo isso no meio do povo. Deixo vocês com o segundo vídeo, de uma parada à beira da estrada onde havia vendedores pela janela e no corredor do ônibus.