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India

Conhecendo Sarnath (Índia), onde o Budismo começou

Siddhartha Gautama nasceu em Lumbini, hoje no Nepal, em meio às montanhas dos Himalayas, em 563 a.C. Esse príncipe de família nobre, ao ver o sofrimento humano dos pobres acometidos por doenças, pela velhice e pela morte, abandonaria sua herança material para dedicar-se à busca espiritual e tornar-se o Buddha (na língua pali, “o desperto”).

O Buddha teve um papel fundamental na religiosidade mundial por ter sido o primeiro a fazer o ser humano olhar para dentro de si, em vez de para deuses lá fora, na busca pela transcendência espiritual. Numa época em que todos preocupavam-se sobremaneira com rituais, formalismos, e deuses extrâneos que estariam lá afetando a condição humana a partir de planos superiores (ou inferiores), Siddhartha disse que a chave estava dentro de si.

Aos 29 anos ele abandonou o palácio e aos 35, dizem, atingiu a iluminação. Após praticar um ascetismo extremo, de privações materiais, como já faziam os sacerdotes hindus nessa época, Buddha percebeu que o segredo não estava nem na automortificação nem na autoindulgência, mas no caminho do meio

E foi aqui, em Sarnath, na Índia, que debaixo de uma árvore (uma Ficus religiosa) ele ensinou pela primeira vez sobre o dharma, traduzido literalmente como “lei natural”, ou o caminho correto.

Sarnath fica a 13km de Varanasi, e eu fui de tuk-tuk. Após um trânsito que deixaria até o próprio Buddha louco, tomamos a estrada.

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O movimento de pessoas na saída de Varanasi.

Sarnath é um lugar pequeno, então é visita de um turno. Eu fui pela manhã, no dia seguinte ao aniversário em que eu parti à confluência dos rios sagrados para um banho no Ganges em Allahabad.

Você chega em coisa de 30 minutos. Há templos belos, muitas barracas de souvenirs, e — o que achei mais interessante — a “neta” da árvore original debaixo da qual o Buddha ensinou o dharma pela primeira vez. (“Neta” aqui no sentido de que, segundo me disseram, há ainda no Sri Lanka uma árvore que é descendente direta da original, e esta que está aqui em Sarnath é reproduzida dessa do Sri Lanka.)

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Os templos budistas em Sarnath. Há uma área boa por onde você pode caminhar.
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Réplica do que foi o Buddha ensinando aos seus discípulos, debaixo da árvore.
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Esta é a árvore “neta” da original. (Ela fica cercada para ser protegida de qualquer vandalismo.) A Ficus religiosa, que recebeu esse nome científico exatamente por causa do budismo, é conhecida popularmente como figueira, embora não a mesma que dá figos. 
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Área por onde se pode caminhar na visita.

Foi em Sarnath que o Buddha falou pela primeira vez das Quatro Nobres Verdades, cerne do dharma. Elas são:

  1. A verdade do sofrimento (dukka). A vida nunca é ideal; ela está sempre sujeita a decepções e insatisfações. Há prazeres, mas eles passam, ou caem na monotonia. Somos insaciáveis, e isso cria uma insatisfação permanente com o que se tem ou com o que se é.
  2.  A origem do sofrimento (samudaya). A raiz de todo o sofrimento está no constante desejo. Mais especificamente, a palavra tanha em pali (a língua falada pelo Buddha) refere-se a desejos descabidos. Aqui ele classificou três “venenos”: a ganância ou o “sempre querer mais”; a ignorância; e os anseios destrutivos causados pelo ódio.
  3. A cessação do sofrimento (nirodha). A forma de extinguir esses desejos descabidos é o desapego. Isso não significa alienação e isolamento, mas apreciar as coisas do jeito que elas são, sem se deixar controlar por elas nem ser embaraçado emocionalmente pelos fatos.
  4. O caminho para a cessação do sofrimento (magga). Esta é a parte principal, O Caminho do Meio. Esse ele elaborou em oito pontos, o chamado Nobre Caminho Óctuplo, que inclui: Compreensão correta; Intenção correta; Fala correta; Ação correta; Meio de vida correto; Esforço correto; Atenção correta; e Concentração correta.    

Estudar os detalhes desse caminho óctuplo e das quatro nobres verdades é tarefa dos praticantes do budismo. Eu pessoalmente acho muito interessante, embora alerte que — como também no caso do cristianismo — a teoria é uma e a prática das pessoas muitas vezes é outra. Não ache que vai encontrar aqui na Índia uma prática pura, irretocável do budismo (ou do hinduísmo), como às vezes se costuma caricaturar no Ocidente. Os indianos são gente como a gente.

Eu mesmo, após visitar os templos e o parque nos arredores, fiquei a procurar uma saída. Crianças com bugigangas na mão me seguiam tentando empurrar produtos, com falas decoradas em inglês. Um garoto de seus 8 anos, já se escolando na malandragem comercial típica indiana, só falava: “Ok, sir, X rúpias.”, e ia abaixando o valor. Não importava o que eu lhe dissesse, ele só falava isso.

A única outra coisa em inglês que ele falou foi pra dizer que o portão de saída ao qual eu me dirigia estava trancado, e que eu teria que dar a volta inteira para eu sair — o que lhe era conveniente, para dar-lhe tempo de insistir mais e, quem sabe, me vender. Foi aí que dois outros garotos da idade dele, que estavam ali parados nos olhando, me disseram que era mentira, que o portão ali estava aberto e era mesmo uma saída. Pra quê? O vendedorzinho mentiroso ficou fulo, e partiu pra cima dos outros dois, que se riam de ter desmanchado o engodo dele. Entraram naqueles tapas e agarra-agarra de briga de menino.

Passei um sermão no moleque dizendo que não comprava na mão de mentiroso, que pareceu ter entrado por um ouvido e saído pelo outro.

Fui embora. Meu caminho era um só: de volta a Varanasi e ainda naquela tarde um trem de volta a Nova Délhi. Outras coisas na Índia me aguardavam.

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Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

3 thoughts on “Conhecendo Sarnath (Índia), onde o Budismo começou

  1. Tenho lido alguns de seus textos, gosto bastante da forma como escreve. Pretendo fazer uma viagem assim no ano que vem, vou sozinha e seus relatos estão ajudando bastante. Obrigada.

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