Essa imagem acima poderia ser do Brasil, mas não é. Estamos na Índia, em Goa, nas terras costeiras desta Ásia que por séculos foram uma colônia portuguesa.
O pequenino estado indiano de Goa (¼ da área do estado de Sergipe), que até 1961 foi colônia de Portugal, em muitos aspectos se parece mais com a Bahia que com o restante da Índia. As pessoas, é claro, são indianas, mas a arquitetura e o aspecto de igrejas coloniais e azulejos portugueses por entre os coqueiros dão a impressão de que você está mesmo é no Brasil. Só que não.





Eu havia chegado de ônibus, numa viagem de 14h desde Bangalore e que me trouxe a Panaji, capital de Goa, pela manhã. Instalei-me então num hotel-pousada tipo casa colonial cheio de charme. Parecia que eu estava me hospedando n’alguma casa grande aristocrática portuguesa.



Espichei-me ali lidando com o calor tropical e observando as telas que impediam os mosquitos de entrar. Nada de ventilador ou ar condicionado — eu me sentia mesmo na época do Brasil colônia. Ou da Índia colônia, melhor dizendo.
Os portugueses chegaram aqui antes de chegar ao Brasil. Em 1498, Vasco da Gama aportava em Calicute, um pouco mais ao sul de onde estamos. Ele foi o primeiro europeu a chegar aqui contornado a África, e abriria um período de grande glória para Portugal.
Goa na época era governada por muçulmanos (como muito da Índia). Em 1510, os portugueses brigaram e tomaram Goa — que era considerada um dos melhores portos da época — com a ajuda de corsários hindus. Derrubaram, com isso, a dinastia árabe egípcia muçulmana que comerciava com os muçulmanos daqui para vender à Europa através do porto de Alexandria a Veneza (que também havia ficado rico nessa história). Não é à toa que são os navegadores genoveses, rivais históricos dos venezianos, que prestam-se a participar das expedições marítimas patrocinadas pelas coroas portuguesa e espanhola.

Os portugueses, que já eram os mais intrépidos navegadores da Europa, os que haviam ousado navegar à costa tropical da África — onde diziam que o calor aumentada até o ponto de ferver o mar —, consolidariam um comércio de especiarias direto com as Índias que os fariam ricos. O Brasil, a princípio, nada mais era que um entreposto onde deter-se para coletar madeira (ou umas especiarias extras: açúcar) na viagem entre Índia e Europa.
A Índia também ficou muito rica (como presenciariam os ingleses depois) em grande parte graças ao Brasil, com as riquezas americanas de metais preciosos sendo usadas cá para comprar especiarias aos montes pra abastecer o mercado europeu. Ganhou a Europa — disso todo mundo sabe —, mas ganharam também os mercadores e governantes indianos com essa súbita ascensão mercantil. A partir daí viria o capital para os suntuosos palácios que vemos pela Índia a partir dos idos de 1600, mausoléus luxuosos como o Taj Mahal, etc. (Os ingleses depois viriam e roubariam muito dessa riqueza.)


Fui dar uma volta por Panaji, nome indiano atual da antiga Nova Goa, e em reconhecendo a familiaridade daqueles ambientes, só me desapontei ao constatar que quase ninguém mais aqui fala português — só alguns idosos. Fontainhas, área histórica de Panaji, é como uma Porto Seguro habitada por indianos.
Circulei vendo casas coloniais e, na praça principal, deparei-me com a igreja que já mostrei acima. O agito das ruas é aquele típico da Índia, mas me pareceu haver um pouco mais de ordem e asseio aqui em Goa. Num restaurante recoberto de azulejos, almocei um peixe assado que me fez sentir saudades das moquecas baianas (muito melhores, pois eles aqui não usam azeite de dendê). Pelas ruas, muitas lojas de souvenirs com temáticas marinhas (conchas etc.) que você avista enquanto sente a brisa vinda do mar ao longe. Embora não haja propriamente praias aqui em Panaji, elas não estão longe.




O nome de Nova Goa, como você há de deduzir, significa que havia uma “Goa” anterior, que passou então a ser chamada de Goa Velha. A troca de capital só ocorreu formalmente em 1843, mas o então vilarejo de Taleigão (que viria a se tornar Nova Goa) cresceu em importância desde que em 1759 o vice-rei de Portugal fixou residência aqui.
Isso é revelador da importância que Portugal adscrevia às suas várias colônias: o Brasil nunca teve um vice-rei. Já o Estado da Índia português, sediado aqui em Goa, teve vice-reis desde D. Francisco de Almeida em 1505. Isso até quase o começo do século XX.
Goa Velha ainda é visitável, e eu lá iria conhecer os resquícios do início dessa presença portuguesa aqui. Hoje, praticamente não há uma cidade de verdade em Goa Velha, mas sim conventos e basílicas da época colonial. Todo o lugar é Patrimônio Mundial da Humanidade tombado pela UNESCO.











Pra quem não sabe, a temática central de Os Lusíadas, o maior épico em língua portuguesa, do poeta Luís de Camões, é exatamente sobre a viagem dos portugueses até aqui. Sem dúvida, foi um dos atos mais importante para a formação do espírito da nação portuguesa como ele veio a ser. Assim estabeleceram um domínio de 450 anos, e mantiveram esta parte mesmo quando o restante da Índia caiu sob domínio inglês. Só em 1961 é que Goa foi anexada à República da Índia (surgida com Gandhi em 1949).
Um dos resultados dessa colonização portuguesa é que Goa se tornou uma área muito menos conservadora que o restante da Índia. Aí, pronto, virou o ponto da libertinagem de turistas indianos e estrangeiros interessados em festa na beira da praia, bebida (e outras droguinhas a mais…). Você pergunta numa loja por camisa e o cara já pergunta se você fuma.
Há várias praias próximas de Panaji que são notórias pelos seus frequentadores hippies e pelas suas festas de música eletrônica trance. (As Goa trance parties de Ano Novo são particularmente famosas.) Cheguei a conferir uma delas (dá pra ir de tuk tuk), embora não tenha me interessado pelas noitadas. São bonitas; peguei um belo pôr-do-sol na Praia de Anjuna; mas, modéstia à parte, acho as praias brasileiras melhores.




EPÍLOGO
Depois de um par de dias aqui, era hora de partir. Vai chegando aqui pro sul, eu tenho a impressão de que os indianos vão ficando mais simpáticos e descolados. Como me diria um tio no trem: “No norte o povo é muito trapaceiro, e também conservador demais. As mulheres nem chamam o marido pelo nome. Aqui não, a gente está acostumado a lidar com estrangeiros há 5.000 anos e há muito mais mistura“. As mulheres aqui também falam com você e sorriem, finalmente.
Uma, Sakeena, numa loja, no entanto foi trapaceira (sim senhor) e me disse que a estação de trem ficava do lado oposto só porque eu não comprei dela. Ainda estamos na Índia afinal. A sorte foi que senti a malandragem no olhar dela e questionei a outra pessoa, que me revelou. Malandra.
Já anoitecia quando eu cheguei à estação de Magdaon, que fica meio fora da cidade. Eu estava tão suado por carregar a mochila que comprei uma camisa nova e a vesti ali mesmo na estação. Eu seguiria agora mais ao sul, para a cidade histórica costeira de Cochim, no estado de Kerala. Um trem noturno na 4ª classe me esperava. As minhas viagens de trem a partir de agora se tornariam mais “populares”, mais povo. Vejo vocês em Kerala.
Goa nunca foi “Colónia”.
Era parte do Estado Português da Índia, que por sua vez era parte de Portugal.
Os seus cidadãos tinham os mesmos direitos.
Obrigado
Depende da sua definição de colônia, Mário. Sua definição legal não é a única. Por esse argumento, a Argélia também nunca foi colônia da França, já que era considerada parte da própria França. As coisas são mais nuanceadas que essas definições simples. Agradecido.
As casas não era coloniais. Eram e são GOESAS
São designações que se complementam. Goesas, sem dúvida. Você tem razão. Mas também coloniais, pois foram características da colonização portuguesa na Índia.