Embora quase todos os turistas ocidentais imaginem a Índia sobretudo em termos de espiritualidade, cultura e monumentos, o país tem praias muito simpáticas também. OK, pode não ser o Brasil ou o Caribe, mas aqui não faltam sol, areias claras, ondas nem coqueiros. De quebra, só na Índia você vê mulheres entrando no mar de sari e tudo.
Kovalam, no extremo sul do Estado de Kerala (e, portanto, no extremo sul da Índia) é a principal rival de Goa em termos de praia. Calorzão, palmeiras, um povoado simpático nos arredores, e pratos de frutos-do-mar bem regados a leite de coco dão o tom.
Você pega um trem para a capital do estado, a pronunciável Thiruvanamthapuram (às vezes abreviada como “Trivandrum”, pois os keraleses falam rápido como um raio e são capazes de sintetizar palavras enormes em poucas sílabas), e de lá um tuk-tuk o traz a Kovalam. Eu cheguei numa manhã quieta, ainda antes de os turistas darem as caras.

Eu ainda tentando me orientar de mochila e tudo, um cidadão coroa logo me aborda, perguntando do que eu precisava.
— “Hotel?“, ofereceu ele ensaiando empolgação.
— “Não, obrigado, eu já tenho reserva.“, respondi.
—”Onde?“, perguntou ele sem cerimônia, como fazem os indianos com essas coisas.
— “Pra que você quer saber?“, fui logo perguntando com a cara descarada, quebrando a formalidade a que eles estão habituados com os turistas gringos.
— “Eu posso lhe ajudar a achar. Qual é o hotel?“, disse ele muito prestimoso.
A esta altura, já há 2 meses na Índia, eu sabia muito bem que nenhum favor aqui sai de graça. Não é como na América Latina, onde as pessoas o ajudam por pura boa vontade.
Eu informei o nome da pousada, mas fui logo alertando. “Não precisa vir comigo, não“, já querendo escapar do pedido de dinheiro ao final, “basta me dizer o caminho“.
“Não, eu lhe mostro”, insistiu. “Venha comigo. Você não precisa me dar nada, não.”, garantiu ele.
Eu, claro, fiquei com o pé atrás. “Você está avisado. Está vindo comigo porque quer.“, lhe disse. Seguimos, achamos a pousada e, é claro, ele quis dinheiro. Eu lhe falei que tinha palavra e manteria a minha. Sorry. (Detesto esse mercenarismo.)

Instalei-me. O primeiro dia, porém, não deu praia. Caiu o maior pé d’água — trovoada com ventos fortes e as ondas quebrando. Também teve o seu sabor, foi interessante. Mais interessante ainda foi ver que os indianos não saem da praia só porque começou a chover. Os firanghis estrangeiros todos bateram em retirada quando a água começou a cair, mas a indianada toda continuou lá.
E não eram só os jovens não; a trovoada braba e as mamães a fazer o maior promenade na beira da praia. Uns com guarda-chuva, outros não; os homens às vezes de calção ou sunga, às vezes até com roupa de escritório. E, sim, todas as mulheres de roupa até o tornozelo. A maior comédia é vê-las suspendendo o sari pra ir molhar as pernas na água. Aí vem aquela onda e enchaaaarca tudo.



Como bom brasileiro, achei logo o meu point numa barraca. De lá foi que notei uma figura inusitada no meio do povão: o salva-vidas.
Esqueça o gostoso malhadão de filme americano ou de novela da Globo. Esse salva-vidas indiano era um fulano franzino, de bigodinho, barriga saliente, e vestido de camisa azul-polícia, chinelo e boné. Esqueça também aquelas torres de observação; o salva-vidas aqui fica numa cadeira dessas de plástico debaixo dum sombreiro na areia com uma garrafinha d’água do lado.
Ah, e o apito. O apito é importantíssimo. Ele é que preenche o sentimento que o homem indiano tem de ter e mostrar autoridade. O salva-vidas aqui apita por tudo, mais do que árbitro de futebol. E aquela bandeira vermelha que às vezes fica fincada na areia quando a maré não está pra nado, ele pega e sacode e gesticula igual manifestante de partido comunista.
O mais legal é quando rola “desacato à autoridade”, ou seja, quando o Crispim na água nao dá ouvidos ao apito ou finge que não viu as bandeiradas. Aí o salva-vidas levanta nervoso (com uma mão segurando uma toalhinha pra cobrir a cabeca da chuva igual a minha avó quando vai abrir o portão no chuvisco). A combinação de pouco físico e pose de autoridade me lembraram o jardineiro lá de casa, Seu Nilson, sujeito franzino, de poucos dentes, que fala errado, mas que consegue ter a auto-confiança de um capitão do exército quando fala. É engraçado. O salva-vida que eu vi aqui tem a mesma pose.
E é pontual: deu 5h da tarde ele botou todo mundo pra fora d’água.

No segundo dia eu finalmente caí no mar. Água meio traiçoeira, mas boa. Nada como um bom relax na beira da praia, umas frutas tropicais… aaahhh maravilha. Nesse segundo dia estava um solzão. Dessa vez o salva-vidas foi pra dentro d´água controlar o pessoal de lá, hehe. Fazia pose matando as ondas no peito (nem sempre dava certo, o que era o mais engraçado).




Num dos dias, cheguei até a cogitar buscar uma massagem ayurvédica, da tradição medicinal indiana que é muito popular aqui em Kerala. No entanto, sei muito bem que os indianos são mestres em passar gato por lebre. No lugar onde entrei, um tio barbudo me falou que estava disponível (e lá estava eu achando que haveria alguma indiana simpática para me massagear); puxou um óleo caseiro numa garrafa plástica e perguntou-me se eu queria ali e na hora. Mas não tive coragem; não assim “caseirão” sem fazer a mínima ideia do que aquilo era.
…
Uma diferença crucial com a maioria das praias brasileiras é que aqui não tem música. As barracas não tem som, e não tem ninguém com o som do carro ligado tocando o último batidão. Por um lado é bom, dá pra ouvir o mar. Por outro, às vezes dava vontade de ouvir uma música animada indiana pra entrar no clima de que eu estava na Índia, e não tinha.
De todo jeito, valeram esses dias de sombra e água fresca. Ia precisar. Duas longas viagens de trem na classe popular me esperavam: 17h de Thiruvanamthapuram a Chennai, e dali 24h de Chennai a Mumbai. Pra revolucionar os meus conceitos de o que é uma viagem longa. Are baba.