Era uma manhã quieta e cinzenta de domingo em Mumbai quando chegou o meu longo trem de 24h desde Chennai, na costa do outro lado da Índia. Mumbai é a maior cidade da Índia, com 18 milhões de habitantes em sua região metropolitana. (Pode parecer pouco para um país de 1.2 bilhão de habitantes e só um terço da área do Brasil, mas a questão da Índia é que tudo parece urbanizado. Viajando entre as cidades, você não para de ver gente por onde quer que passe.)
Eram cinco e pouca da manhã, e nós havíamos passado a noite mal dormida no trem. Eu, ainda sonolento, com o sol só começando a iluminar cinzento por detrás das nuvens, vi irem embora sem muita despedida as moças indianas que haviam conversado comigo no trem. As indianas, via de regra, não dão muita conversa a homens e me parecem um tanto calculistas. Não necessariamente em detrimento do outro; mas, nesta sociedade segregada, suas interações com o mundo masculino me parecem ter muito pouco de espontaneidade. As palavras são sempre bem escolhidas; os modos, bem planejados. A coisa é sempre calculada, e você percebe.
Eu, por conta, fui procurar na mega-estação de trem de Mumbai um lugar onde deixar a bagagem. Eu teria apenas o dia na cidade; à noite, um outro trem rumo à cidade de Agra me esperava (sim, uma segunda noite consecutiva em trem).

(Os indianos comumente fazem uso do chão de rodoviárias e estações de trem sem grandes preocupações.)
Achei um guarda-volumes onde trabalhava um tio carrancudo, e saí da estação para ver algo. Mumbai Central não fica exatamente no lado interessante da cidade, então procurei um transporte que me levasse até lá. Qual foi aí a minha surpresa ao descobrir que os onipresentes tuk-tuks indianos são banidos do perímetro urbano de Mumbai. Em seu lugar, táxis em preto-e-amarelo que fazem você se sentir numa certa Nova York colonial.

Naturalmente, o taxista indiano quis me passar a perna. Foi logo perguntando aonde eu queria ir e dizendo “Vamos, vamos” enquanto já se dirigia à porta do seu carro estacionado na estação. Eu, por meu turno, naturalmente quis saber o preço antes de entrar. “500 rúpias“, disse ele casualmente como quem anuncia uma pechincha. Não era. 10 dólares na Índia pra cruzar uns poucos quilômetros era exploração. Revoltado como sou com esses figuras, larguei ele lá e resolvi ir a pé.
Mumbai estava ainda acordando sob aquele céu de chumbo.


Mumbai é há séculos um importante centro econômico na Índia. Seu nome advém da língua Marathi, uma das 22 línguas oficiais da Índia, a falada neste estado (Maharashtra). Nessa língua, Mumbai significa “Mãe Mumba”, em referência a uma das deusas do hinduísmo regional daqui.
O português Gaspar Correia é o primeiro a grafar, no século XVI no seu clássico Lendas da Índia, o nome como “Bombaim”. Embora também grafada “Mombaim”, sua versão com “B” prevaleceu e foi de onde os ingleses tirariam o seu Bombay, nome da cidade até os indianos oficialmente mudarem para a grafia para Mumbai em 1995. (“Bollywood“, contudo, continua sendo o apelido da indústria de cinema daqui: Bombay + Hollywood.)
Quando eu segui a pé para o centro naquele domingo de manhã, alguns indianos de classe média com ar de executivo júnior faziam exercícios na “orla” da Marine Drive da foto acima.
Já outros, mais adiante, jogavam cricket (o esporte mais popular da Índia, comparável ao que é o futebol no Brasil) num campo de grama.





A temperatura estava aquele mesmo calor úmido habitual do Brasil — só me faltava um banho, mas este teria que aguardar mais um pouco. Detive-me num restaurante agradável que acabava de abrir e tomei um café da manhã bom. (Verdade seja dita, bom mesmo foi poder ir a um banheiro digno depois da noite no trem.)
Mais adiante, conforme eu andava pelo centro vendo seus prédios e me aproximando do bairro de Colaba (onde tirei essas fotos acima), almocei algo genérico indiano e fui ver o principal monumento de Mumbai, no extremo da península: o Gateway to India, um portal comemorativo erigido pelos ingleses em 1911. Em frente a ele, o magnífico Hotel Taj Mahal Palace & Tower (onde, talvez alguns lembrem, ocorreram ataques terroristas em 2008).


Às 17h eu já tinha o meu trem de seguimento até Agra. Tive apenas doze horas em Mumbai, uma breve passagem. Mais uma noite num trem me aguardava — 14h de viagem desta vez, que me entregariam à cidade de Agra, bem mais ao norte, já a poucas horas de Nova Délhi, ao raiar do dia seguinte. Ao menos, desta vez eu iria em 2ª Classe (com ar condicionado e refeições inclusas) no lendário Rajdhani Express, que faz esse trajeto mais velozmente que os trens comuns (os quais podem levar mais de 20h no pinga-pinga).
Se foi por inconscientemente estar me sentindo fedido ou não, eu não sei, mas passei numa bela loja indiana de perfumes antes de sair de Colaba. Dali — sem comprar nada — segui de volta para resgatar a minha bagagem e embarcar no próximo trem. Lá em Agra, aguardava-me a atração turística máxima de toda a Índia: o Taj Mahal.
