O interior rural da Indonésia é algo que a maioria dos turistas não vê. Lembra o ambiente do interior tropical do Brasil, só que diferente. Pessoas diferentes, cultura diferente, comidas diferentes, mas carências iguais, e uma simplicidade quase idêntica. Foi das experiências de que mais gostei neste período de trabalho aqui.
Eram 6h da manhã de domingo quando eu ainda me revirava na cama, em Jambi. Acordei ao som de música, talvez o último tipo de música que eu esperaria ouvir num país muçulmano: canto de música evangélica. O que é isso? Pensei que ainda estava sonhando. O som vinha alto e animado lá do térreo. Eu ainda estava no hotel, e seria dia de partir para o interiorzão brabo entrevistar agricultores.
Às 6:20, religiosamente, me bateu à porta o café da manhã. Ao contrário da vez anterior, ele não me acordou. Comi o engana-estômago que eles dão e me arrumei para descer. Chegando lá embaixo, a maior fuzarca com vendinhas de santinhos de Jesus, quadro, e a cantoria mais poderosa do que nunca no salão de convenções do hotel. Enquanto os muçulmanos têm como dia especial a sexta-feira, a minoria cristã da Indonésia — aqui em Sumatra quase toda protestante, embora haja regiões católicas no país — faz a festa aos domingos. (Já num outro dia, eu acordei foi com o som empolgado de ginástica feminina nos arredores do meu alojamento, com uma senhora empolgada ao microfone e as mamães, de véu, esticando as pernas igual àqueles projetos “Verão saúde” de prefeitura).
Ao som da música evangélica, fui tomar café, encontrar-me com Jubi, minha amiga-intérprete, e fazer o check-out do hotel. Cedo veio o carro nos pegar pra levar à primeira vila que visitaríamos, Muara Jambi.
A estrada até boa, caí na besteira de dizer. Depois parecia a lua. Aquele barro vermelho maravilhoso e cheio de buracos. “São os caminhões das minas de carvão que passam por aqui e fazem isso“, me disse o rapaz que dirigia.

Muara Jambi: A hospitalidade indonésia
Reuni-me com vários agricultores na primeira vila, o que seria uma experiência curiosa. Chegamos à casa do chefe da vila, com quem tínhamos contato, e lá ele juntou um povão. Só homem, e como (quase) todo homem na Indonésia fuma, estávamos conversando numa nuvem de fumaça. Pelo menos afastava os mosquitos.
A dona da casa nos trouxe banana frita, outros quitutes caseiros e — demonstrando certa sofisticação — donuts. (Pra quem não está familiarizado, são aquelas roscas de pão branco açucaradas que se veem muito em filme americano). Veio também o café, carregado de açúcar. Na Sumatra eles põem açúcar é com a colher de sopa. Não estou brincando, vi muita gente fazer isso, principalmente os mais pobres.
A minha comunicação com eles era basicamente na base de gestos e sorriso. Jubi deu conta de toda a conversa. Para eles eu era o “Mister“, como me chamavam. E quando descobriram meu sobrenome, Lima, que na língua indonésia quer dizer 5, aí pronto, foi a diversão e eu virei “Mister 5“. (Daí pra “Mairon 5” e pra “Maroon 5″ é um pulo).
Ficamos lá para a noite e, apesar do lugar remoto, tinha até televisão. O menino da casa, Bima, era o que mais assistia (talvez até demais). Nessa de quererem dar à criança a tecnologia que não tiveram, correm o risco de passar um pouco do ponto, mas enfim.

As casas dos agricultores quase sempre têm essas varandinhas, e você tira o sapato ao entrar. Do lado de dentro, contudo, não há mesas. As refeições são feitas sentado no chão. Foi o mesmo quando dali fomos a Muaro Bungo, uma outra vila mais distante. Pra essa eram 7 horas de viagem num microônibus, e o lugar não pegava nem sinal de celular. A eletricidade era a gerador, e só por algumas horas.
Se por um lado os moradores ressentem a perda de alguns recursos da floresta (coisa básica, tipo água limpa), por outro têm esses plantios como a única perspectiva real de aumento de renda e melhoria da infraestrutura precária.
Muaro Bungo: A natureza
Muaro Bungo se revelaria um lugar de lindas paisagens tropicais, mas chegar até lá foi uma maçada. As 7h de microônibus não seriam tão terríveis não fosse o gosto musical do motorista por vozes de taquara rachada em alto volume. Os vídeos abaixos capturam a sensação.
A chegada lá, no entanto, compensou. Ficamos num agradável hotel na cidadezinha de Muara Bungo e, no dia seguinte, seguimos para os povoados rurais nas estradas circundadas de verde. Aqui ainda não havia sido tudo convertido em plantação de óleo de palma.




De um desses povoados, tomamos uma carona com dois motoqueiros zona rural adentro. Nunca dantes havia eu passado por pinguelas tão estreitas, tábuas de madeira sobre córregos, de mochilão e tudo na carona da moto.
Na casa do chefe desta vila, jantamos batatas no molho de pimenta com arroz branco, recebemos a visita do sogro dele (o qual demorou uma era, e de acordo com a etiqueta indonésia não podíamos pedir “com licença” para ir dormir enquanto ele não decidisse ir embora), e no dia seguinte pudemos ir de casa em casa conversar com agricultores(as), ver a secagem do arroz (alimento mais importante daqui), e um córrego bucólico. Tudo isso, em meio aos coqueirais, era de uma tranquilidade idílica. (A chuva equatorial que tombou de madrugada sobre os telhados de folha de alumínio que aumentavam a sua sonoridade, não.)




À hora do almoço, serviram-nos arroz (claro) com mais legumes na pimenta, e em seguida um mingau (bubur) de gelatina verde (dessas de supermercado) com leite de coco. Estava na hora de zarpar rumo à última vila que visitaríamos, Tanjung Jabung. Outras 7h de viagem em microônibus com aquelas músicas maravilhosas.
Tanjung Jabung: Desafios e prazeres
Nesta mesma noite, perguntei a um oficial de governo que me comentasse sobre as implicações da substituição do cultivo tradicional de arroz por óleo de palma aqui em Sumatra. Ele teve a cara-de-pau de dizer na minha cara que isso não estava acontecendo, embora eu tivesse o visto com os próprios olhos na estrada. (E você fique aí achando que certas coisas só acontecem no Brasil.)
Há problemas de extração ilegal de madeiras em Tanjung Jabung, disputas de terras etc., mas o meu contato com “madeira” foi mais — para usar as palavras de um amigo meu — escatológico. No lugar onde almoçamos no dia seguinte eu me deparei com um “banheiro” igual àquele do filme Quem quer ser um milionário?. Basicamente, a localidade era essa aí das fotos abaixo, na beira de um rio. Eu perguntei ao cara onde era o banheiro e ele me apontou pra ir pra o fundo do restaurante. Eu já não sabia mais pra onde caminhar, sem encontrar o tal do banheiro, até que ele me apontou o dito cujo. Apetece?



Entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Por sorte foi n.1, o uso do banheiro.
Ao menos, apesar do desafio, a comida no restaurante foi um prazer — o que é uma síntese razoável de toda esta experiência no interior rural da Indonésia. Desafios, mas eternas memórias prazerosas. Voltamos a Jambi para, dali, retornar a Java, onde minhas andanças continuariam.

É. Muito parecida com a realidade da Amazonia brasileira, em particular no Pará. Os mesmos problemas porem com plantios diferentes e os mesmos banheiros Romeu e Julieta apos pinguelas e palafitas e semelhantes ao filme que tambem assisti.
As comilanças pelo menos s]ao melhores que na Amazonia. Belos pratos. Que bom essas hospitalidade. O povo simples costuma ser hospitaleiro.
Coitado do senhor, meu jovem com esse musical maravilhoso hahaha Ossos do ofício haha O musical do Marrocco era mais interessante hahaha
Bela natureza. Linda e gostosa corredeira. Interessante essa secagem do arroz.