Esse aí na foto é o singelo vulcão Merapi. Não, eu não tirei a foto pessoalmente. Ele explodiu em dezembro de 2010, mas sempre volta a ficar quietinho — até quando, não se sabe. As pessoas aqui de Java Central já se acostumaram a viver com um vulcão por perto.
Mas o centro de Java reserva mais que um vulcão temperamental. Na verdade, apesar de Jakarta (no oeste da ilha) ser a capital, as belezas culturais e as tradições javanesas estão em sua maior parte no centro da ilha. Não sei qual é a noção de vocês sobre o tamanho de Java, mas a ilha tem basicamente a forma de um retângulo com aproximadamente 100Km de norte a sul e 1000Km de leste a oeste. É bastante chão.
Levei 10h para chegar de trem desde Bogor até Yogyakarta, considerada o coração da cultura javanesa — lá pertinho do Merapi. A viagem de trem foi um martírio, mas valeu a pena.

O nosso plano foi passar um fim de semana em Yogyakarta, onde Jubi (a minha intérprete de trabalho e já amiga aqui na Indonésia) tinha passado seus anos de universidade.
Coitada de Jubi. Voluntariou-se para me apresentar aquela região de Java, mas demoramos muito a comprar as passagens. Depois que retornamos de Sumatra houve muito pouco tempo, e os voos subiram a preços astronômicos. A solução então foi ir de trem. (Trens na Indonésia não são os trens da Europa.) Já deram umas risadas da minha cara aqui no escritório, na sala de Pá Harry, e Jubi ficou desesperada com a perspectiva da viagem longa.
Sexta à noite, tomamos o nosso rumo no trem metropolitano (que parece um enorme metrô) até Jakarta, para de lá tomar o trem. As passagens não se esgotam, mas os assentos, sim. A única categoria disponível era a classe “povão”, e viajando em pé. Nessa categoria, mesmo depois de lotar eles continuam vendendo passagem, e você que se vire lá sem assento. Jubi quis abandonar os planos e retornar a Bogor, mas eu não queria perder a oportunidade. Fomos comprar jornal, pois viria aí uma noite no chão do trem.
Primeiro, tentei dormir sentado no chão do corredor, com as costas na lateral de um dos assentos e as pernas estiradas cortando o corredor. Não prestou. Quando passou o primeiro baleiro, parecia que eu estava pagando um boquete. Decidi me espichar de vez, com as costas no chão em cima do jornal. Em tempo lotou de gente no corredor, e poucas horas dali já estava eu quase dormindo “de conchinha” com uma tia. E os vendedores passando a passos de garça para não pisar no povo. Foi memorável.
Em alguma religião, deve ser ritual de humildade você ter vendedores sujos, pobres e de pés descalços passando sobre você. Dez, vinte… Confesso, não me pisaram nenhuma vez, mas os gritos de venda durante a noite inteira davam nos nervos. Você lutando pra cair no sono (obs: as luzes vão acesas a noite inteira) e o indivíduo prum lado e pro outro gritando kópiiiiiiiiii (café), tahuuuuuuu (tofu), mie ayaaaaaam (macarrão com galinha). Mas aí você para e pensa: “Putz, o cara está aqui vendendo café à meia-noite pra tentar arranjar um trocado de nada e sobreviver. E eu reclamando porque às vezes estou no batente até depois das 6…”.
Enfim, quando os raios da manhã já iluminavam as lindas paisagens rurais do centro de Java, chegamos a Yogyakarta.


Quando chegamos mal-dormidos, eu perguntando a Jubi “E aí?” diante de sua cara de sono, aguardando na movimentada estação pela chegada de Iqbal, seu amigo que nos albergaria pelo fim de semana.
Estávamos finalmente em Yogyakarta. Para entender a significação deste lugar, voltemos rapidamente no tempo. Nos séculos VIII a X, quando a Indonésia ainda era um mosaico de diferentes reinos independentes, o hinduísmo e o budismo eram as religiões dominantes, combinadas à espiritualidade tradicional daqui (reverência às montanhas, etc.). (O Islã, religião hoje dominante na Indonésia, só chegaria aqui a partir do século XIII, trazido por mercadores árabes.) Yogyakarta já era então um dos mais importantes centros da urbanos ilha de Java.
Tradições aqui se desenvolveram por séculos, como a arte batik javanesa de pintura em tecido.


Em 1575 estas terras se tornam um sultanato (já islâmico), mas é só com a chegada dos holandeses em 1602 que a atual Indonésia começa a experimentar algum tipo de unidade como país. Embora os portugueses tenham sido os primeiros europeus a estabelecer relações comerciais aqui, eles seriam substituídos rapidamente pelo holandeses no século XVII, que aqui permaneceriam como capatazes dos indonésios até a Segunda Guerra Mundial.


Vocês podem perceber que eu já estou com umas muambas na mão…
Quando chegamos à estação naquela manhã e enquanto esperávamos Iqbal, eu perguntei a Jubi há quanto tempo eles não se viam. “Desde que eu terminei a universidade. Faz uns anos.” Imaginei que eles se dariam um grande abraço de reencontro, o que comentei com ela. Jubi riu como se eu lhe tivesse contado a piada do dia. “O que foi?“, perguntei, de repente curioso. “Eu abraçando Iqbal?“. Ela não parava de rir. Aqui os homens e mulheres mais conservadores não se abraçam.

Aqui em Yogyakarta eu finalmente via, pela primeira vez, a Indonésia turística. Um lugar bom de passear, com suas grandes lojas de produtos culturais típicos na Jalan Malioboro (Rua Malioboro), onipresentes vendedores de rua nas calçadas, motos estacionadas às centenas, e um tempo quente tropical.
Paramos em esquinas despretensiosas para tomar suco de graviola bem grosso (a fruta se chama sirsak na língua indonésia, para quem quiser experimentar), e para almoçar do prato mais típico aqui de Yogyakarta: gudeg, um preparado de jaca verde no leite de côco com pimenta, acompanhado de arroz. Coisa divina.


Demos umas deliciosas voltas suadas pela cidade. O calor não é diferente daquele de uma boa caminhada pelo centro do Rio de Janeiro ou de qualquer uma das capitais do Norte ou Nordeste no Brasil, mas aqui com aromas diferentes. Aromas de pimenta, óleos fritos, comidas de rua, escapamentos de motocicleta, e da ocasional fruta tropical à venda. Pode parecer tenso — ou denso, ou intenso —, mas na verdade é parte inerente à experiência de estar aqui. Ao final das contas, vale a pena.
À tarde do primeiro dia, iríamos a Prambanan, um belo complexo de tempos hindus de mais de mil anos, semelhante em estilo ao Angkor Wat, no Camboja. Fica para o post seguinte.
Bem bonita essa região ai. Linda natureza, bela vegetação. Este belo vulcão se parece com o Misti na magnifica Cordilheira dos Andes, aqui na América do Sul em Arequipa, no Perú.
Coitado do senhor e da moça, meu jovem viajante, 10 horas em pé e dormir no chão do trem, ninguém merece. Mas, como diziam os antigos, ‘ mais vale um gosto do que 15 vintens’ certamente era um dinheiro alto hahaha . Bom para nós que certamente veremos mais belezas nessas paragens equatoriais.
Essas comilanças parecem ótimas.
haha essas onipresentes motos do SE asiático, nossa……, estao em toda parte e em enooooorrme quantidade. hahah
Linda essa arquitetura colonial. E essas javanesas, como se chamavam aqui, são belíssimas. Uma riqueza de criatividade e beleza, particularmente na seda. Ótima postagem.