Essa é a vista “básica” pela janela do ônibus, de Chania a Rethymno, numa manhã na Ilha de Creta.
No final daquela mesma manhã em que cheguei a Chania, meu ônibus chegou a Rethymno [RÉ-thymno], uma cidade maior, do oeste de Creta, a 1h de distância de Chania. Lá um almoço em família já me aguardava — não da minha própria família, mas quem viaja sempre tem muitas famílias.
Rethymno, como muitas cidades gregas, é aquela mistura de asfalto e pedra, aquelas pedras cor de areia que reluzem sob o sol e doem a vista. O suor já me descia pelas têmporas quando saí da rodoviária (pequena, mas decente) à procura da amiga grega que eu reencontraria e que me albergaria aqui na ilha.
Depois de uns 10 minutos, nos encontramos e fomos até o carro dela. Momento nostalgia: aquele abafo, tão conhecido de nós brasileiros, de quando se deixa o carro estacionado debaixo o sol, e aquele papelão de pára-brisa pra a luz não entrar e não esquentar demais. Nunca tinha visto isso na Europa. Mas na Grécia eles fazem, ainda mais em Creta. O calor estava de matar.
Pelo menos depois de iniciado o carro vem aquela brisa maravilhosa com a janela aberta, e fomos subindo a verdadeira serra que é a área onde ela mora.

Chegando na casa, conheci a família. O irmão não estava, mas conheci o pai, Seu Stéphano, um sujeito simples nos seus 50 e poucos anos, bigode, chinelão no pé, parecendo aquele típico cidadão brasileiro que gosta do seu futebolzinho e às vezes de um pileque, a quem a mulher chama a cada 10 minutos e que ouve calado a mulher reclamar. Já a mãe da minha amiga, o tipo que reclama com o marido a cada 10 minutos. Ela era uma mistura curiosa de dona-de-casa-de-novela-das-sete com personagem de filme do Cinema em Casa do SBT. Olhava pra você com aquele olhar de que está te investigando, meio emocionalmente instável (às vezes dava uns pitís), e abria aquele sorriso pra complementar. E lá estava eu.
Almoçamos na varanda, a mãe (que falava um pouco de inglês) ocasionalmente me perguntando coisas tipo o que é que os meus pais faziam, etc. Peraê, minha tia, calma.
Na mesa, arroz com espinafre, peixe, salada de tomate, azeite e queijo feta, e tzatziki (se houvesse um Asterix versão asteca, acho que o nome seria esse). Pra quem não conhece, o tzatziki é um molho feito com iogurte de leite de cabra, pepino batido, alho, sal e azeite, e que se usa como se fosse um creme, no lugar de maionese. Recomendo. Esse a tia caprichou no alho. Ou, como disse a minha amiga: “bomba“, que é a gíria daqui pra quando a coisa está mesmo forte. Na sobremesa, pirão de suco de uva, e iogurte de cabra com compotas caseiras (excelentes! Já o pirão é meio “assim”).
Aproveitando a deixa, posso logo descrever o café grego que tomaríamos depois.
Trata-se de um café diferente do que estamos habituados no Ocidente. Aqui coloca-se o pó de café na água já junto com o açúcar num fogareiro, e não se coa. Você toma o café com o pó dentro. Ele desce sozinho para o fundo da xícara, então você nunca bebe o último dedo do café (a menos que queira comer o pó).
É uma maneira mais tradicional que a nossa de fazer café. Cada país aqui desta região diz que é seu: na Turquia chamam de “café turco”, na Bósnia é “café bósnio”, e assim vai, mas se trata da mesma coisa. Era o jeito de fazer café no Império Turco Otomano, do qual todos estes países fizeram parte por séculos. Foi daí que depois o café foi introduzido na Europa. (Mais sobre a história do café neste post aqui.)
Ainda bem que alguém em algum momento da História teve a ideia de coar, porque aqui às vezes dá pra sentir o pó na boca, o que (pra quem não está habituado) é meio estranho. E o café grego já tem um sabor ligeiramente diferente. É difícil explicar sabor, mas recomendo experimentar. O chato só é que você tem que saber já de antemão o quanto vai querer de açúcar, antes mesmo de provar, pois se colocar mais e mexer, aí mexe com pó com tudo e tem que esperar um tempo até o pó descer de novo.
Daí é que vem aquela história de ler a sorte na borra do café. Você vira a xícara num pires, o pó restante cai sobre ele, e as formas que ele tomar dirão o seu futuro. Chama-se cafeomancia. Eu e minha amiga fizemos só de esculhambação, mas tem as tias experientes nisso. (Não, eu não pedi para a mãe dela ler, antes que ela “visse” alguma coisa).

Bem, descansado o almoço, fomos circular pela cidade.
A cidade é muito bonitinha e fácil de andar. O centro de Rethymno lembra aquelas cidades de video game tipo Zelda, com as ruelas e becos em pedra, as lojinhas, uma fonte aqui, uma fortaleza ali.
E nisso esbarraríamos numa série conhecidos da minha amiga. Sair aqui é tipo sair com gente da cidade no interior (bem, aqui é interior; e nisso a Grécia é bem parecida com o Brasil, se bobear com famílias ainda mais “ajuntadas”). Os papos aqui iam assim:
— “Aquela ali era minha prima“, disse minha amiga.
— “É sobrinha da sua mãe ou do seu pai?“, pergunto eu.
— “Não, ela é filha da prima da minha avó.“
— …



A noite ia caindo, e a cidade ficando mais bonita. Mesinhas do lado de fora e gente na rua.




Terminamos a noite com alguns drinks com uns amigos. Alguns tiveram certa dificuldade com o meu nome. De Mairon eu havia virado Ryan para a mãe da minha amiga, e para os amigos dela o meu sobrenome foi de Bastos Lima para “Bratislava” (a capital da Eslováquia). Codinome Ryan Bratislava, prazer. (R&B para os íntimos.)
Para o dia seguinte estávamos com curta viagem marcada ao sul da Ilha de Creta, pra ver o mar do outro lado da ilha, com alguns mosteiros ortodoxos, montanhas e praia — eu, minha amiga, e a mãe dela.
Deixo vocês com um pouco da rebétika, a música tradicional grega, muito tocada aqui em Creta, com o buzuki (instrumento de cordas que parece um bandolim). Note que isso tem pouco — ou nada — a ver com a Grécia Antiga, a qual se costuma sempre imaginar, e muito com a Grécia dos últimos 500 anos, irmanada que esteve com turcos, albaneses, eslavos dos Bálcãs, entre outros povos desta região. Todos hoje têm ritmos musicais semelhantes. Eis a rebetika grega.
