Kyoto, a lendária capital imperial japonesa. A cidade foi o coração do poder e da tradição deste país de 794 a 1868, portanto por mais de 1000 anos. Apenas a Restauração Meiji no século XIX mudou a capital para Tóquio, no processo de modernização japonês. Tudo que há de mais tradicional no Japão, portanto, está aqui em Kyoto. Aí incluem-se as gueixas, as tradições zen-budistas, e muito mais.
Mas um alerta: Você que, como eu, é fã da cultura japonesa deve imaginar Kyoto sendo aquela cidadezinha tradicional, bucólica, pequena e só mesmo com coisas históricas. Ledo engano. Kyoto hoje é uma cidade moderna e reluzente, mas que guarda suas áreas tradicionais. A estação de trem onde desembarquei, por exemplo, é um verdadeiro complexo de aço e vidro de 16 andares que mais parece um shopping center.



Perceba que não há calçada. Em Kyoto você sai de casa e já está literalmente na rua (altas vezes eu quase fui atropelado por alguma bicicleta ao sair do albergue).
Kyoto é uma das mais antigas cidades do mundo a ter urbanismo em forma de grade (ruas que se cruzam perpendicularmente umas com as outras). Perceba que nem toda cidade antiga é assim — mais comum é ver aquelas ruas curvas e becos por toda parte, como nas muitas cidades medievais europeias ou coloniais no Brasil. Na Ásia isso foi desenvolvido pela Dinastia Tang (618-907 d.C.) na China, e foi das muitas ideias que os japoneses adotaram daquele país. Uma pena que tenha se esquecido de pôr calçadas quando modernizaram e asfaltaram isso aqui.

É bem com essa cara o bairro de Gion, tradicional reduto das gueixas.
As gueixas, antes que pensem que são prostitutas, são artistas. (Há, obviamente, mulheres arrumadas dedicadas à prostituição, mas o ofício das gueixas não é esse.) As gueixas são entretedoras extremamente treinadas nas artes do canto, da dança tradicional, e da companhia. Tradicionalmente, dedicavam-se uma vida para isso, para prestarem serviços de acompanhante a dignatários e homens de posses. Hoje já quase desapareceram, pois dependem de generosos patrões que as banquem.
Ainda assim, eu esbarrei numa gueixa em Gion. (Tecnicamente, pode ter sido uma maiko, nome dado às aprendizes, mas ponhamos essas tecnicidades de lado aqui.) A que eu vi caminhava pela rua com o celular, em toda a sua indumentária tradicional que você conhece, tomando aquele chuvisco noturno de inverno junto comigo na rua quieta. Parecia arranjar um encontro; e logo o seu alguém apareceu, um coroa de terno que desceu de um carro e veio pegá-la com o guarda-chuva. Parecia cena de filme.
Achei interessante que o cara dizia-lhe algo, obviamente em japonês, e ela ria de forma afetada que me pareceu artificial. (Como diria o meu amigo no albergue depois, “provavelmente nem era engraçado o que ele estava dizendo, e rir devia fazia parte do serviço dela“.)
Eu não quis ser muito tonhão, batendo flash na cara da gueixa pra tirar uma foto que certamente ia sair borrada, já que eles não estavam parados e nem iam parar. Mas, pra quem quiser, na verdade há a possibilidade de arranjar jantar com gueixas em Kyoto — por algumas centenas de dólares, naturalmente. A experiência é certamente única, mas acredito que só vá ter graça se você souber falar japonês.

Andei bastante por ali. Não vou negar que há um ar de “distrito da luz vermelha”, e não foi uma e nem duas vezes somente que vi mulheres com cara de funcionárias da noite e homens de terno me convidando pra dar uma chegadinha mais. Então, na prática, tenha certeza de que rola um comércio além do business das gueixas, certamente aproveitando-se de toda a “atmosfera cultural” que a presença das gueixas neste distrito cria.
Apesar do chuvisco, o ar da noite estava gostoso. Havia alguns templos desertos a esta hora por ver, e que mostro a vocês.
Veja a seguir:
Indo ao Monte Kurama e ao banho nu nas fontes termais
Kyoto, Japão (Parte 1): Jardins Zen, O Caminho Do Filósofo, E O Pavilhão De Prata (Ginkaku-Ji)