Quem quiser conhecer o Marrocos de verdade, sem as distrações para turista, deve vir a Rabat. A capital é uma das poucas cidades de porte a oferecer o autêntico dia-dia marroquino, antigo e moderno. Se Marrakech e Fez têm hordas de europeus e demais estrangeiros, aqui eles são raros. Em Rabat você assiste “à vida como ela é” no Marrocos.
A cidade é relativamente pequena e arrumadinha. Você passeia na maior tranquilidade. Mas nem por isso ela deixa de ter atrações interessantes: a imponente Torre Hassan, o Mausoléu de Mohammed V (avô do atual rei), as ruínas da necrópole romana de Chellah e a praia. Chequei todos, debaixo dum calor parecendo que eu estava no Piauí.
Chegamos de trem, minha mãe e eu. A estação de Rabat está bem acomodada no centro da cidade, à beira de uma larga avenida arborizada com palmeiras, e com bancos e prédios oficiais de um lado e do outro. Esqueça aquela visão das medinas de becos estreitos — ao menos por enquanto. Era começo de tarde, e a primeira missão era encontrar o nosso riad (pousadas tradicionais ao estilo árabe).
Rabat pode ser dividida em duas partes: a medina, murada, preservando as estruturas da cidade antiga, e a cidade moderna que cresceu ao redor, e que hoje em dia é bem maior. Nosso riad ficava dentro da medina, pra ter mais sabor. Na parte moderna, afora as palmeiras e as mulheres de véu, Rabat se parece muito com qualquer metrópole brasileira: vendedores de revista na calçada, lanchonetes movimentadas, pedintes, etc.



Desnecessário dizer que aqui as coisas são também bem mais baratas que nos centros turísticos de Fez ou Marrakech. Por uns 4 reais você toma um bom suco ou uma boa vitamina numa lanchonete dessas.
Já chegando à medina, atravessa-se o tempo. Não vou dizer que se retorna à Idade Média — a medina de Rabat não tem ares de Idade Média —, mas sim aos anos de 1960 ou algo assim, com feiras livres, “a mercearia do seu fulaninho”, vendinhas de balas e doces, etc. De quebra, você vê alguns meninos jogando arcade/fliperama do mesmo jeito que eu via há 20 anos atrás no Brasil.




Bem, transeando por estas vias chegamos ao riad. Tratava-se de uma bela casa moura, com três andares e um vão no meio. Os quartos eram amplos e mais pareciam aposentos requintados de algum palácio nababesco.


Tínhamos uma tarde e mais um dia inteiro em Rabat, e resolvemos começar pela tal Torre Hassan. Ela fica junto ao Mausoléu de Mohammed V, então seriam dois em um. Mas que hora errada escolhemos fazer isso… bem às 3h da tarde, com aquele calor de verão do Brasil. Vixe. O sol nesse dia estava de queimar o juízo, daquele que — caso você nunca tenha sentido — faz você andar rente ao muro pra aproveitar qualquer bocadinho de sombra que ele ofereça.
Tudo aqui é relativamente perto, e dá pra ser feito a pé. Como a torre é alta, dá pra se orientar por ela. A Torre Hassan começou a ser construída em 1195 para ser a maior do mundo, numa época em que a civilização árabe era talvez a mais avançada do globo, com seus expoentes na matemática, filosofia, astronomia e outros campos. A torre, no entanto, nunca terminou de ser construída. O sultão marroquino da época morreu quatro anos depois, e a torre ficou apenas com 44m. (A meta, pelo que se conta, era que ela chegasse a 86m, uma altura notável para a época).

A torre hoje forma um complexo com o mausoléu onde o antigo rei marroquino Mohammed V está enterrado. A estrutura do mausoléu é toda em mármore branco, e é de encher os olhos. O mármore frio é também um relento no calorão. Lá ficam guardas paramentados e postados, dois a cavalo na entrada do complexo e outros no mausoléu em si. Você fica com pena daquelas pessoas cheias de roupas, até com luva, num calor daqueles.





Demoramos mais tempo pra chegar ao lugar do que visitando. Não há muito o que fazer lá: é “viu, achou bonito, tirou foto, pronto”. Só que, claro, aproveitamos pra tomar uma brisa sentados no mármore frio e descansar. O que faltava era água. O caminho de volta, como sempre, é mais rápido, mas mesmo assim resolvemos tomar uma providência.
Avistamos um hotel 5 estrelas no caminho. Sabe, às vezes é útil se parecer com os nativos, mas às vezes não. Neste caso, não era. Estávamos prestes a entrar no hotel fingindo ser hóspedes, e nessa hora a lourice da minha mãe veio bem a calhar. Tentei também jogar uma linguagem corporal mais metida, de rico, ao contrário do andar desleixado que às vezes adoto nos centros de cidade (isso me foi ensinado anos atrás, por um indiano). Rumamos direto aos elevadores sem longos cumprimentos à recepção. Chegamos à cobertura, à piscina, e tomamos um refresco com vista para a cidade. (Se estivesse com calção de banho, era capaz de eu ter entrado na piscina).

Naquele dia simplesmente retornamos à medina, e aproveitamos pra fazer algumas compras a preços camaradas (o Marrocos é ótimo pra se comprar tecidos e tapetes, e as coisas em Rabat são baratas). Já no dia seguinte fomos às ruínas fenícias e romanas de Chellah, depois convertida em necrópole (um cemitério mais elaborado). Saímos pela manhã, pra evitar o pior do sol, mas ainda assim estava quente.
Cartagineses, fenícios e romanos tiveram povoados aqui na antiguidade. Este era um dos poucos entrepostos dos romanos no atlântico, na pronvíncia chamada de Mauretania Tingitana em latim. Era o extremo oeste do império. Fundaram aqui a cidade de Sala Colonia, cujos vestígios podem ainda ser vistos em meio aos mausoléus que os árabes viriam a construir séculos depois. Com o tempo, a área foi abandonada e transformada numa necrópole, uma cidade dos mortos. Hoje, ela é um tranquilo parque com árvores, pássaros e ninhos de cegonhas.



Por fim, a praia. Do outro lado de Rabat, na desembocadura do rio, fica uma área chamada Kasbah dos Udayas, uma cidadela construída na mesma época em que Chellah foi abandonada e transformada em necrópole. Essa foi a ocasião da conquista desta região nos idos de 1100 pela dinastia árabe dos Almôadas, que depuseram os Almorávidas (também árabes). Como de costume, abandonaram o que os antecessores haviam feito e construíram algo novo.
Os arredores é são uma coisa esquisita, pois logo ali você tem um cemitério, e a praia.

Na época, claro, o cemitério ficava devidamente fora da cidade — fora das muralhas. Já hoje ele fica bem no caminho de quem vai ao mar.
Pra quem está acostumado ao Brasil, esta praia daqui é uma coisa sofrível. O mar é até bonito, azul e cheio de ondas, mas a areia é escura e cheia de lixo. Exceto por alguns rapazes de calção, todo mundo se banha cheio de roupa, especialmente as mulheres. Na maioria das vezes, contudo, elas ficam limitadas a olhar.


Depois de um breve bordejo, demos meia volta e entramos na cidadela propriamente dita. Na prática, ela é igual à medina, só que um pouco mais turística. Há algumas lojas de cosméticos artesanais para europeu ver, e gente oferecendo acesso a partes privilegiadas para ver o pôr do sol (certamente a um preço). Já estava caindo a tarde, e a fome chegando, mas não havia restaurantes no lugar.
Foi aí que eu tomei um suco de laranja na rua que me deixou embrulhado até o dia seguinte. Olha aí a cara do maledeto.

Gradualmente fomos fazendo o caminho de volta ao riad. No caminho de volta, para me atiçar ainda mais o estômago, passamos por vendedores de peixe fresco e de churrasquinho, inclusive uns que exibiam cabeças de carneiro assadas. O jeito foi depois disso ir jantar pizza, algo bem sussa, com chá e sopa.




Deixo vocês com o pôr do sol em Rabat, visto do alto do meu riad.
