A maior parte dos monumentos Mayas permanecem desconhecidos do nosso imaginário. No entanto, estão entre as ruínas mais fabulosas do mundo. Há algumas na Guatemala e muitas aqui pela Península de Yucatán, no México.
De todas as ruínas mayas que eu visitei no México, Uxmal é provavelmente a mais bonita. Ela é menos famosa que Chichén Itzá (aqui), pois fica mais longe de Cancún e assim recebe menos turistas, mas é bem mais impressionante. Uxmal, que em maya quer significa “três vezes construída”, foi uma cidade habitada entre 500-1100 d.C.. Ao final deste período sofreu uma forte invasão tolteca (outro povo indígena, do centro do México) e uma persistente crise de falta d’água. As ruínas, no entanto, ainda guardam a magnífica Pirâmide do Adivinho, um belo Palácio do Governador, e outras estruturas. De quebra, há um show de luz e som à noite que lhe permite ver a pirâmide à luz da lua e as estrelas. Impressionante.
A minha jornada até Uxmal foi num destes grupos de turismo que saem numa van com um guia e o motorista. Eram quase todos mexicanos, exceto por duas peruanas. Estávamos, portanto, num ambiente hispanofônico. O nosso guia, Jorge, era uma mistura de Roberto Bolaños (o Chaves) e Agildo Ribeiro, o comediante. Era já um senhor de idade, risonho, com olhos de quem está atento a tudo o que você diz pra ver o que pode ser convertido em alguma piada. Aquele sorriso meio safado. E era meio pesado, daqueles cuja barriga é sustentada pelo cinto da calça.
O motorista era Guillermo, que atendia pelo apelido de “Memo”. Era também já um senhor, moreno escuro gordo, com rosto meio de sapo e um beição caído que permitia ver os dentes de baixo. Era simpático, apesar de muito feio. Os dois pareciam que já trabalhavam juntos há muito tempo, pois não paravam de fazer gozação um do outro. E o pior é que eram engraçados.
A nossa primeira parada foi num lugar onde haviam filmado a novela (mexicana, obviamente) Abismo de Pasion. Era, realmente, um abismo, de onde os antigos mayas tiravam água. Tal qual São Paulo, as cidades mayas tinham dificuldade de abastecimento hídrico. E da mesma forma que no Brasil alguns apelam a São Pedro, os mayas antigos oravam a Chaac, o deus da chuva. Só que, ao contrário dos paulistas, os mayas não tinham (e não têm) rios.
Não há rios aqui na Península de Yucatán. Todo o suprimento de água doce depende de chuvas ou dos amplos lençóis freáticos da região, que chegam à superfície na forma de cenotes — como se chamam aqui os muitos olhos de água. É num desses cenotes que filmaram a tal novela Abismo de Pasion, uma bela área de caverna e água cristalina escondida em meio à floresta.



Jorge não aprendeu o meu nome, então começou me chamando de “do Nascimento”, em alusão a Pelé (por eu ser brasileiro). Depois aprendeu o meu último sobrenome (Lima), e nisso ficou. Engraçado foi quando chegamos numa região produtora de lima, e começou na van a história capciosa de quem queria comer lima. “Mas lima não se come; se chupa“, anunciou ele às coroas do grupo, sorrindo de uma orelha a outra.
Depois descobrimos que Jorge era diácono da igreja. “Eu me transformo completamente“, disse ele. Disse que certa vez alguém lhe disse que jamais tomaria a comunhão em sua mão. “E o que é que tem o corpo de Cristo a ver com isso?“, disse ele que respondeu. Uma senhora do nosso grupo concordou, rindo, que também não tomaria. De fato, era difícil imaginar aquele velho piadista celebrando missa. Mas ele sabia um monte de coisa sobre a Igreja, então não acho que era mentira. Logo quando demos partida ele havia feito o sinal da cruz e perguntado se éramos todos católicos. Eu nem abri a minha boca e todos já estavam respondendo em uníssono: “Si, claro!“. “Como não!“, disse uma senhora ao meu lado. Assim são os mexicanos: descontraídos, mas tradicionais na religião.
Almoçamos e visitamos uma caverna antes de seguir a Uxmal. O almoço foi um dos mais básicos que já tive, numa das casas mais pobres que já visitei. Ficava à beira da pista. Era o que podia-se chamar de uma oca: uma casa de pau e palha, de um só vão, com duas aberturas e uma rede de dormir dentro. Ali se cozinhava e fazia tudo (exceto banheiro, no mato). A senhora, no entanto, era extremamente gentil, e fazia-nos umas tortilhas (ver aqui) com o automatismo de décadas de prática.




Na saída, ainda comi um copo de côco verde com limão, sal e pimenta — à maneira mexicana. O limão até que cai bem, mas o sal e a pimenta acabam com o côco. Ao menos tirei uma foto com a mocinha.

Retornando à van, acostei-me com Dona Imelda, que ia ao meu lado no fundão. Era a mãe da moça mais jovem do grupo, que por sua vez ia à frente, entre Jorge e Memo (tadinha). “Você dá conta aí da sogra, Lima”, dizia-me Jorge lá da frente. Nem pensar, é óbvio. Dona Imelda estava longe de ser um pitel.
Seguimos rumo até Kabáh, uma outra cidade maya em ruínas já nas proximidades de Uxmal. Kabah foi habitada do século III a.C. até pouco depois de 1000 d.C.. O mais notável são as paredes de templos revestidas de máscaras do deus Chaac, da chuva, que era narigudo. Vejam as protuberâncias (sim, aquele “pilar” ali suspenso era o nariz do deus).







Do alto dessa pirâmide o líder espiritual da cidade fazia as suas previsões e preces — e, é claro, acompanhava o movimento dos astros, parte muito importante da espiritualidade dos mayas. Não distante dali ficavam também as casas da nobreza, que é quem vivia em construções de pedra — o povão vivia em casas de madeira nos arredores, mais pra perto da floresta.


Não era à toa que o deus Chaac, da chuva, era um dos mais reverenciados. Acredita-se que antes do ano 1000 d.C. os mayas começaram a sofrer intensas e crescentes crises de abastecimento hídrico, e o resultado foi abandonar o que haviam construído e migrar para o interior do continente, fora da Península de Yucatán, para onde hoje estão Guatemala e Honduras na América Central. As populações mayas continuaram a existir, mas em números bem menores e sem o esplendor do seu período clássico. Quando aqui chegaram os espanhóis nos idos de 1500, os mayas já eram grupos menores, mais pobres, mas ainda assim guerreiros. Somente em 1697 (preste bem atenção, 200 anos depois) é que os espanhóis conquistaram a última das cidades-estado mayas independentes, Nojpetén, na atual Guatemala.
Como era de se esperar para a época, mas infelizmente, os espanhóis queimaram quase todas as obras escritas dos mayas, que eram altamente pictográficas e cheios de desenhos que os espanhóis consideraram demoníacos. Sobraram apenas três códices, todos eles hoje guardados em museus europeus: Madrid, Paris, e Dresden (Alemanha). São os últimos livros pré-colombianos originais dos mayas. No mais, ficou o conhecimento passado de geração em geração (afinal, os mayas hoje ainda são milhões de indivíduos no sul do México e na América Central, e falam seus próprios idiomas — sim, são vários), e há os relatos dos freis que mandaram queimar a bibliografia maya. Seguem vivos, porém, para encontrarem seu devido lugar na cultura e na política dos estados modernos daquela região, e que até hoje tão pouca atenção dão a eles. O colonialismo acabou, mas não acabou.
Esperemos que aqueles que sofrem de crise hídrica hoje levem a sério. Senão, a História já mostrou o que acontece.
Deixo vocês com algumas fotos de Uxmal à noite e Kabáh ao entardecer.



