Chegou a hora de me despedir do Irã, mas não sem antes, é claro, falar da mais bela cidade que há no país, Isfahan. (Você vai encontrar escrito “Esfahan” também, mas esta é a transliteração pro inglês, onde E tem som de I). Estes foram os últimos dias desta minha aventura em terras persas, fechada aqui com chave de ouro. Isfahan foi a capital do Irã durante a maior parte do período da Dinastia Safávida (1501-1736), e portanto tem muitos palácios, praças orientalescas, mesquitas, pontes de pedra dos séculos XVI e XVII, etc. Hoje ela é a terceira maior cidade do Irã, e linda.
Eu cheguei a Isfahan de ônibus desde Yazd. Enquanto Yazd é bastante seca e poeirenta, pois está no meio do deserto, Isfahan tem muito mais verde e um rio caudaloso (o Zayandeh) cruzando-a. E ao contrário da espelunca onde fiquei hospedado em Yazd, aqui minha amiga e eu resolvemos pagar um pouco mais e ficar num lugar mais confortável. Era uma casa reformada do século XVII e transformada recentemente em pousada. Cheia de personalidade — muito melhor que os impessoais hotéis.
Visitamos a Praça Imã com a linda Mesquita Sheikh Lotfollah (1619) e o Palácio Real Ali Qapu (1597). Além disso vimos no centro o Palácio dos Oito Paraísos (Hasht Behesht), o Boulevard Chaharbagh, e no sul da cidade as pontes de pedra do século XVII e a Catedral de Vank, cristã da minoria armênia que vive aqui há séculos, e mais. Portanto, preparem os olhos, e para definitivamente terem uma ideia mais verdadeira do Irã e suas belezas, diferente do que nos é apresentado no dia-dia pela mídia.


Isfahan é muito mais aprazível que a louca Teerã com suas motos sobre a calçada. Há aqui em Isfahan ainda um quê de poluição no ar, mas há mais árvores e calçadas onde se pode caminhar, além de ônibus tomáveis e muito a ver. Portanto, é fácil circular pela cidade.
A esplendorosa Praça Imã foi nossa primeira visita. Ela é a segunda mais larga praça do mundo, atrás apenas de Tiananmen, a Praça da Paz Celestial em Pequim (onde houve o massacre de estudantes em 1989, da famosa cena do estudante pondo-se à frente do tanque de guerra). Ainda não conheço Tiananmen, mas é difícil superar a Praça Imã em beleza. São 160m de largura por 560m de comprimento repletos de flores, chafarizes, gramados, e arcadas persas sobre lojas em todo o redor.







Do outro lado da praça, defronte à mesquita, fica o Palácio Ali Qapu (“Grande Porta”). Estava em reforma, mas posso mostrar-lhes outros palácios da mesma época, de textura parecida, quiçá ainda mais bonitos, e que merecem ser visitados aqui no centro de Isfahan.
Abaixo, após o Ali Qapu, estão os palácios Chehel Sotun (“Quarenta Colunas”) e Hasht Behesht (“Oito Paraísos”). Confiram.









Todo esse verde que rodeia os palácios fica no centro da cidade. A artéria principal é o Boulevard Chaharbargh, duas longas pistas separadas por um largo calçadão arborizado no meio.


Isfahan tem o mesmo problema das outras cidades do Irã: quase não há restaurantes. Você circula, vê lojas, mais lojas, e nada de lugar onde comer — a não ser birosca vendendo suco e fritura engana-estômago. Lugar onde sentar-se para comer de garfo e faca, é difícil. Não me perguntem por que.
Por sorte, Isfahan é ligeiramente mais turística que as demais cidades iranianas (não é à toa), então há um restaurante ou outro nas proximidades dos monumentos e da Praça Imã. Tivemos que voltar o caminho inteiro até o restaurante que havíamos visto lá no começo.
Já tratei das comidas no Irã aqui.
Mas não falei ainda das mercadorias. Se você é como a maioria dos turistas brasileiros, que passa grande parte da viagem ao exterior fazendo compras, vai se esbaldar aqui no Irã. Isfahan então, tem das melhores coisas. No entanto, cuidado, pois tudo nas imediações da Praça Imã é mais caro, e barganhar é preciso.
Os tapetes de Isfahan são dos mais famosos da história persa. Há lindas artesanias em cobre pintadas de azul, e impressionantes miniaturas e caixinhas de jóias talhadas em osso de camelo e pintadas a mão com motivos florais. Tudo muito bonito e de bom gosto, mas os preços são salgados.






Venha com uma mala vazia, se estiver pretendendo fazer muitas compras. Tentado você ficará, mas prepare também o bolso. Um tapete desses custa facilmente mais de mil reais — o que não quer dizer que não valha a pena.
– “Tá querendo uma dessas?”, perguntou-me a minha amiga quando me viu admirando por um tempo umas miniaturas.
– “Querendo, sim. Disposto a comprar, não.“
– “Vai fazer o que então, roubar?“
E demos risada. Aí o vendedor, sentado à porta da loja com um jornal na mão, nos dá aquela olhada breve de canto de olho. Depois o ouvimos falar com uma turista e nos demos conta de que ele entendia inglês. Ops.
Passado o almoço, fomos parar numa birosca aos fundos do bazar onde havia café. Sentado no chão, o bem-vestido homem de meia idade, pintor e dono da cafeteria, acendia um cigarro para continuar o seu ofício, pincelando aqui e ali, com uma cafeteira também junto a si. Há uma sutil seriedade profunda nesses homens iranianos mais velhos acostumados a um viver tradicional e tão diferente da nossa irreverência ocidental.

Já outros mais novos puxam uma conversa mais parecida ao que estamos acostumados. Certa vez estávamos buscando café e só encontramos na casa desse chapa aí abaixo, boa praça. (E o café era bom. É raro, mas em áreas turísticas se acha).

Um outro, jovem vendedor de seus 35 anos, começou a nos falar de política.
– “Esses clérigos embolsam com o dinheiro todo. É cada um mais rico que o outro. E pra a gente ficou ainda pior depois do baixinho.“
– “Baixinho? Quem? Ahmadinejad?“
– “É. Ele é miúdo assim“, e fez com a mão a altura do que me pareceu um metro e meio. (Depois eu viria a descobrir que a altura do ex-presidente iraniano é 1,57m). “Agora com Rouhani [presidente do Irã desde 2013] está melhor.“
Eu ri.
– “E aí, vai levar algo?“, perguntou ele sossegado, sem fazer pressão. Ao contrário do que experimentei no Marrocos ou na Turquia, aqui os vendedores lhe deixam na maior paz. Não ficam pressionando.
– “Deixa a gente procurar um pouquinho mais”.
Aqui no Irã, se a outra pessoa falar inglês, você facilmente puxa conversa, algo que me faz falta na Europa. Apertamos as mãos e seguimos.
Seguindo-se dali ao sul da cidade, cruza-se o caudaloso Rio Zayandeh por uma de suas magníficas pontes até chegar-se à área mais moderna da cidade e ao bairro cristão armênio.
São várias as pontes erigidas no século XVII e ainda presentes aqui. São pontes exclusivas a pedestres. Quase todas elas têm lindas arcadas persas que se iluminam à noite. Às margens do rio, jardins e calçadas por onde caminhar.





E, pra completar este passeio, do outro lado do rio você se depara com algo pouco comum aqui no Irã: arte cristã.
Durante os séculos XVI e XVII, a dinastia persa Safávida tinha um império que se estendia do atual Paquistão ao leste da Turquia e incluía o que são hoje a Armênia e a Geórgia no Cáucaso. Para reduzir movimentos autonomistas, os xás (como eram chamados os monarcas persas) da época promoviam migrações forçadas e reassentavam populações inteiras em outras partes do império. Muitos armênios foram trazidos cá para Isfahan, então capital do império, e fundaram o bairro de Jolfa, uma espécie de gueto cristão. A religião cristã era aceita porque partilhava da mesma origem do Islã. (Para o islamismo, Jesus não é filho de Deus mas é um profeta, como Moisés e outros. Maomé é, na visão deles, o último e mais importante profeta. Mais sobre o islamismo no Irã aqui).
Os armênios foram a primeira nação a se converter oficialmente ao cristianismo, no ano 301. Portanto são bastante religiosos e tradicionais nesse sentido. Fundaram aqui belas igrejas que podem ser vistas até hoje, como a Catedral de Vank. Ela é cheia de afrescos religiosos nas paredes.



Como acho que já ficou mais que evidente, o Irã tem, sim, muitas belezas a serem vistas. As imagens que nos são fornecidas pela grande mídia são ínfimas, são um nada se comparadas ao que se pode ver aqui, e ainda nos passam uma impressão errônea de que o Irã é um país atrasado, tacanho e sem beleza. Longíssimo da verdade. Isfahan é, a meu ver, a parada obrigatória a quem vem aqui.
