A Baía de Kotor, também conhecida por “Boka“, é um dos lugares mais lindos que já vi na Europa, e acho que o maior destino do pequeno país de Montenegro.
Calma, não se resume a esse cenário aí acima com ar de “Idade das Trevas”. Montenegro é um país humilde, separado da Sérvia em 2006, pobre, sem luxos, sem nem moeda própria, onde as estruturas portanto estão assim mais “cruas” (o que tem seu lado positivo pela autenticidade…), mas ultra-barato e de lindas paisagens naturais. Abaixo a Baía propriamente dita, onde fica este antigo vilarejo de Kotor.
Aqui me meti para esta viagem relâmpago a Montenegro.

Montenegro hoje é um país independente, mas fala a mesma língua serbo-croata dos vizinhos. Era o Principado da Montanha Negra (Crna Gora [Tsrnagóra] na língua local), chamado de Monte Negro pelos mercadores venezianos ao longo dos séculos. Compuseram a antiga Iugoslávia a partir de 1918, até se tornarem independentes mais uma vez, em 2006.
Os montenegrinos são cristãos ortodoxos como os sérvios, e estão ainda fora da União Europeia. Usam o euro informalmente — não tem moeda própria, mas tampouco participam formalmente do Eurogrupo ou das reuniões que definem política monetária europeia. Enfim, usam o euro “na xêpa”, por praticidade.
As relações comerciais e diplomáticas com a vizinha Croácia continuam abaladas desde a Guerra dos Bálcãs dos anos 1990 (quando os montenegrinos atacaram Dubrovnik a canhão). Então embora Kotor fique apenas a 2h de distância daquela linda cidade croata, não há serviços de ferries, apenas ônibus. Você irá concordar comigo que é um desperdício. A viagem de barco de lá até aqui, por essas águas e vistas para as montanhas ao fundo, deve ser fascinante.


Quem não tem cão, caça com gato. Na ausência de um ferry, tomamos então o ônibus, eu e e minha amiga turca, e chegamos à ambiciosa rodoviária de Kotor, um deslumbre da arquitetura iugoslava.

A nossa primeira meta foi achar a casa onde havíamos feito uma reserva. “Casa” porque, como na Croácia, o mais comum aqui é alugarem quartos em casas de família — não há muitos hoteis ou albergues comerciais. Havíamos planejado chegar antes, mas subestimamos a quantidade de gente viajando de Dubrovnik pra cá e lotando os ônibus (no verão, compre com antecipação de um dia ou dois!). Chegamos então já no final da tarde, e dentro de algumas horas escureceria.
Kotor é pequena, mas você pode se perder. Perder-se dentro de seu centro histórico murado é uma coisa, é charmoso, é perder-se no tempo antigo. Já perder-se na parte “moderna” tem menos graça, é perder-se na época iugoslava de prédios quadrados de concreto velho.





Homem quase sempre evita pedir informação, então foi a minha amiga turca quem insistiu que deveríamos começar a perguntar às pessoas.
Não que houvesse muita gente nas ruas. Vimos alguns garotos jogando bola (que seguramente não saberiam uma única frase de inglês), e avistamos algumas pessoas em suas varandas. Encontramos um homem que disse-nos que estávamos na rua errada, que a rua procurada (elas não tinham placa com o nome escrito) era a rua de baixo. E “baixo” aqui inclui literalmente o eixo da altura, como você pode ver pelas fotos.
Até que finalmente alguém na varanda do segundo andar numa rua conhecia a acomodação que estávamos procurando, os “Quartos de Nensi”. (Eu sei, nome de brega se fosse no Brasil, mas respeito com a mulher, que era mãe de família).
Nensi — provavelmente originalmente “Nancy”, mas com a grafia adaptada, como fazemos com Uólace e outros no Brasil — morava no final da rua. O morador que nos ajudou tratou então de usar o método mais clássico para chamá-la: deu um gritão da sua varanda. “Nensi! Neeensiiiiiii!“, e acrescentou alguma coisa em serbo-croata que eu não compreendi.
Nos indicou sorridente qual era a casa de Nensi. Simpático, o homem. Lá Nensi nos avistou da varanda do seu sobrado de dois ou três andares.
– “Cadê o carro de vocês?“, gritou ela da varanda após se identificar, uma mulher de seus 45 anos com ar de quem resolve as coisas.
– “Aqui“, e apontei pra as minhas pernas, sem conseguir segurar a risada diante da pergunta dela.
Nensi nos recepcionou num lugar agradável. Dava contar de regular duas crianças suas que brincavam por ali enquanto nos mostrava as instalações. Acertamos tudo a tempo do blecaute.

Fomos audaciosos e visitamos o centro histórico já no caminho até aqui, antes mesmo de achar a casa. Caso contrário, estaríamos fadados a vê-lo na escuridão. Na verdade, fizemos ambos, pois não resisti nem à fome e nem à tentação de caminhar pelo centro histórico no escuro. Loucura, loucura, loucura.
O caminho até lá foi à base de luz de celular, acrescida de uma ou outra luz de emergência de alguns prédios, impedindo o breu total.
Na bela praça com árvores ainda fora do centro histórico havia algumas luzes acesas a gerador (pela preparação, me pareceu cotidiano este tipo de blecaute aqui), e lá algumas famílias se aglomeravam, em relativa tranquilidade. Já no interior das muralhas, o breu pelas ruelas antigas, lojas e restaurantes era completo a não ser pela luz de velas.
Não deixei de sentir certo dó. Percebe-se que Montenegro quer ser como a costa da Croácia, mas nota-se a falta de recur$os. Quer desenvolver o turismo, e falta de dotes naturais e históricos não há, mas há uma clara pobreza de infraestrutura. Lamentei pelas pessoas, algumas visivelmente esforçadas.



E, no meio da minha pizza, a luz voltou. Uma pizza barata e meio chinfrim, diga-se de passagem, mas tampouco quis esperar muito aqui. Encheu o estômago e não estava má.
Kotor tem um centro histórico muito bonito, com muralhas antigas, igrejas tanto católicas quanto cristãs ortodoxas, música ao vivo nas suas calçadas de pedra, e — havendo luz — recantos charmosos pra se ver. Tem um clima menos badalado que Dubrovnik, embora possua a mesma estética e arquitetura em casas de pedra vistas na costa da Croácia.







No dia seguinte, Nensi questionou que já iríamos embora assim tão rápido. “Vocês vieram aqui só dormir comigo?”, perguntou ela naquele jeito elétrico de dona de estabelecimento. (“Dormir” contigo, não.). “Pois é, foi uma viagem rápida, mas serve de aperitivo pra uma próxima.“, respondi sorrindo.
Nensi nos deu uma carona à rodoviária, de onde tomaríamos o ônibus de volta a Dubrovnik. Desta vez estávamos preparados, e chegamos com antecipação. O ônibus não é desconfortável, e vão muitos jovens turistas.
Assistimos a um breve arranca-rabo pra batizar a viagem.
Na passagem há assentos marcados, mas no ônibus eles não estão numerados, então de nada adianta. Isto é, a menos que você seja dos números 1 e 2 ou 3 e 4, logo na frente. Por prudência, eu e minha amiga fomos pra uma das fileiras seguintes. Um inocente casal jovem norte-americano sentou-se lá tranquilamente, não antevendo a chegada de uma senhora russa encrenqueira, com ar daquelas coroas que gostam de confusão.
Ela chegou, olhou o casal sentado ali, olhou de novo pro bilhete, caminhou um pouco pelo corredor, voltou, e finalmente interpelou o casal:
– “Esse lugar é meu“, disse ela categórica num inglês carregado de sotaque mas fluente.
– “A gente procurou, mas não viu números nos assentos“, replicou o casal, com aquele ar casual que os jovens norte-americanos geralmente têm.
– “Eu pedi claramente quando comprei a passagem que queria este lugar”.
– “Ok, a gente pode passar pra um dos assentos mais atrás“, responderam os norte-americanos em tom conciliador.
– “Eu fiquei chocada quando vi que havia gente aqui“, continuou a senhora russa (vi pelo passaporte que ela segurava) enquanto os jovens pegavam suas coisas. “Eu caí pra trás!“, persistiu ela, dramática. “Não consegui entender como alguém poderia fazer uma coisa tão deseducada.“, continuou.
Eu, logo atrás, e a minha amiga turca nos olhamos sem dizer nada. Os jovens, já sem paciência com a inticação (procure a palavra no dicionário), saíram o mais rápido que puderam antes que ouvissem mais. “Divirta-se com o seu assento“, disse o rapaz ao sair, já sem paciência. A coroa russa ainda prosseguiu resmungando um pouco até se aquietar.
E assim concluíamos a nossa brevíssima passagem por Montenegro. Voltamos a Dubrovnik para ainda mais um dia antes de deixarmos este (re)canto da Europa.

EPÍLOGO
Havíamos deixado as nossas bagagens em Dubrovnik com o Seu Ljubo, dono da casa onde havíamos ficado. Como indiquei no post anterior (Dubrovnik, uma das mais belas cidades da Europa), ele era uma figura sui generis, notável pelo seu ar de cansaço e lentidão, como se estivesse sempre sonolento demais.
Quando perguntamos se poderíamos deixar as nossas bagagens na casa dele, a resposta levou cinco segundos de expectativa até vir, um “sim” breve, feito com o balançar da cabeça. Ao voltar lá, temíamos que ele não estivesse em casa, ou que estivesse dormindo, ainda que fosse dia. Dito e feito, mas o acordamos. Ele chegou descalço, ainda mais dormindo que acordado (embora esse parecesse, realmente, ser o seu normal). Pegamos as nossas coisas e nos despedimos.
Dali tínhamos uma noite ainda de reserva num outro lugar, até pegar um voo na madrugada do dia seguinte. Só assim pra você ver as ruas de Dubrovnik quietas: às quatro da manhã. E, mesmo assim, ainda ouvirá batidas de música eletrônicas e zoações de galera na rua ao longe.
O lugar onde nos hospedamos para esse dia final na Croácia foi ótimo, no interior das muralhas. Teve seu custo (como qualquer lugar no interior das muralhas), mas teve seu lado bom. Ficamos no alto de uma escadaria estreita, com o charme da cidade. No interior, não vimos viv’alma. Parecíamos os únicos hóspedes, numa pousada sem funcionários. Um rádio velho que ligamos na recepção tocava Fly me to the Moon, de Frank Sinatra, e ali olhávamos o burburinho lá embaixo na cidade, ao sabor do limoncello que eu havia trazido de Nápoles na bagagem.



E aqui dissemos o “Até mais ver”.
Nossa!… que interessante e diferente esse Montenegro. Fiquei fascinada com as montanhas. Faltou a negra. A natureza é magnífica, estupenda. Rapaz, ficar perdido nessas paragens, é cousa de louco, embora voce tenha encarado muito bem e se divertido. Como sempre …hahaha e ainda mais sair para conhecer a região em pleno black out haha cousas de Mairon Polo, aventureiro hahah. Tambem achei horrivel a ” estrada para a perdição” com cheiro de construções da época soviética, sempre de péssimo gosto haha
Achei lindinho o centro Histórico de Kotor; fofo. Ve-se que ha menos turistas mas ele é tao bonitinho quanto o de Dubrovinik. Pelo visto menos, mas muito fofo. Lindas as ruelinhas. Essas construções de pedra são lindas, belíssima Igreja ortodoxa. Acho muito originais e belas as imagens bi dimensionais e a sua riqueza de detalhes e de cores. Suas expressões saõ fantásticas.Muitas vezes mais significativas que as tridimensionais. Só não gosto da falta de bancos haha não concordo em ficar todo o tempo de pé haha.
Lindo o novo lugar aonde ficaram, so não gostei das escadarias haha um pouco cansativas, mas o lugarzinho é um charme. Lindinho, com direito a ruelinhas fofas, flores nas paredes janelas e portas e lindos lampiões. Parece um lugar encantado. Adorei. Valeu. viajante brasileiro. Vamos que vamos. Que venham mais viagens. Navegar é preciso. viver tambem. essa é uma gostosa forma de viver.
Mairon,
Boa tarde. Aqui é Café, novamente tirando algumas dúvidas.
Mudei um pouco meu roteiro do último que te falei no outro post, porque uma grande amiga vai se encontrar comigo alguns dias da minha viagem.
Vou ter que sair de Tirana pra Dubrovinik. Você tem alguma notícia se há ônibus direto ou se eu devo trocar em Kotor?
Pesquisei esses trechos de Kotor a Dubrovink e são bem caros, coisa de 30 euros. Você lembra se é isso mesmo?
E, fechando, lembro que você fala para evitar a tentação de ir de Ohrid a Saranda. Seria seguro que de Skopje há ônibus diários para Saranda.
Mais uma vez, obrigado
Oi Café,
Legal que você vai ter esse encontro na viagem. Sobre seu ajuste de roteiro, de Skopje para Saranda é possível ir num dia, mas é um dia puxado. Você precisará sair cedo de manhã de Skopje para Tirana, aonde você deve chegar pela hora do almoço, e torcer para ainda haver algum ônibus saindo de lá para Saranda (na Albânia nunca dá para saber ao certo). De Tirana a Saranda são umas 7-8h, então você passaria o dia na estrada. Se o fizer, atente que há duas estações de ônibus em Tirana: uma internacional e outra nacional. Se você fizer esse percurso, vai precisar caminhar de uma pra outra, o que não é longe mas requer uns 15min. (O risco de Ohrid pra Saranda é que requereria muitas trocas incertas, e é grande a chance de você chegar num meio do nada e descobrir que o seu ônibus de seguimento não passa mais naquele dia.)
Já de Tirana a Dubrovnik é muito chão. Você precisará no mínimo trocar uma vez em Montenegro. Acho uma distância muito grande pra cobrir num dia só (em se tratando dos Bálcãs). Só de Kotor a Dubrovnik você leva umas 3h + o tempo de imigração, que pode levar 10 min (se você tiver sorte) ou 60-90min se houver engarrafamento, muita fila, alguma fiscalização mais rígida, etc. Quanto ao preço, não chega a 30 euros. Esse seria o preço de ida e volta. O custo do ônibus entre Dubrovnik e Kotor sai pelo equivalente a uns 15 euros.
Em suma: no seu trecho de Tirana rumo a Dubrovnik, sugiro que você se detenha em Shkoder (mais bonita) ou Podgorica (menos bonita, mas mais perto do seu destino). Ou, se estiver muito ambicioso, pode tentar um Tirana => Podgorica => Kotor num mesmo dia, mas fazer ainda a esta altura Kotor => Dubrovnik no mesmo dia seria bem difícil. No mínimo porque você não vai conseguir comprar as passagens Kotor => Dubrovnik à distância, e elas se esgotam devido ao grande número de turistas o fazendo como bate-e-volta desde Dubrovnik.
Vão aí minhas considerações. Bons planejamentos!