La France. Finalmente eu estreio as minhas postagens em terras francesas. É curioso como na França existe um hiperfoco do turismo brasileiro — ou, pra ser mais justo, do turismo não-europeu em geral — em Paris apenas. O que se conhece das demais cidades francesas? Na Itália se vai a Veneza, Florença, Milão e outras além de Roma. Na Espanha as pessoas visitam Madrid mas também Barcelona, Sevilha, Granada, Bilbao e outras. Na Alemanha vão a Munique, Frankfurt. Na França, não. Quase que só Paris. O que se sabe de Marselha, Lyon ou Toulouse, respectivamente a segunda, terceira e quarta maiores cidades da França? Ou de Estrasburgo, a quinta, e Nantes, a sexta? Eu mesmo não conhecia praticamente nada.
Hora de mudar. Resolvi, portanto, começar pelo interior, por esta França que em nada fica devendo no glamour francês, mas que, seja por culpa das agências de viagem ou de quem for, é menos conhecida entre nós.


Nantes era (e ainda é) a principal cidade portuária francesa no Oceano Atlântico. Já se perguntou de onde saíam as navegações francesas que chegaram ao Canadá, ao Caribe, ao Brasil (que foi invadido pelos franceses no séc XVI), à África e à Ásia? Aqui fica o delta do Rio Loire, e o Atlântico está a apenas 50km. De Nantes saíam os navios franceses ao mundo afora, a comerciar mercadorias, traficar escravos, e que construiriam o império global francês dos séculos XVI ao XX.
Aqui também nasceu e viveu o célebre escritor Júlio Verne no século XIX, autor de obras como Viagem ao Centro da Terra (1864), Vinte Mil Léguas Submarinas (1870), e A Volta ao Mundo em 80 Dias (1873). Meu ídolo, portanto, já que ele adorava o tema de viagens pelo mundo. Ele versava sobre lugares até então muito pouco conhecidos pela população europeia, como a China ou a Amazônia.
Dizem que, aos 11 anos, Júlio Verne fugiu de casa e foi encontrado num navio que já estava desatracando para as Índias. Seu pai o “resgatou” a tempo e o fez prometer que ele a partir dali só viajaria “na sua imaginação”. Pena ou não, Júlio Verne terminou se tornando um dos pais do gênero de ficção científica. Ele anteviu muitas invenções e descobertas, como a ida à lua e a invenção do submarino. Seu cânone principal são os 54 livros da série Viagens Extraordinárias (publicada entre 1863 e 1905).

Nantes hoje ainda respira muito daquela época industrial do século XIX — felizmente num sentido muito mais figurativo e literário do que atmosférico (a cidade é limpa e agradável). Era a Revolução Industrial, as máquinas começavam a se fazer presentes na sociedade, e visionários como Júlio Verne anteviam um mundo de possibilidades. Foi nessa onda que depois veio também H.G. Wells na Inglaterra, autor de A Máquina do Tempo (1895). Daí surgiria o gênero de ficção Steampunk, onde máquinas a vapor são capazes de feitos incríveis, e obras consagradas como De Volta para o Futuro, que cita abundantemente o autor.
Aqui em Nantes, em homenagem ao seu prestigiado filho, há um curioso parque de diversões inspirado nessa ficção científica clássica e nas obras de Júlio Verne chamado Les Machines de L’île. Recomendo.
Há também, é claro, igrejas góticas francesas, um castelo medieval, e um centro repleto de ruas simpáticas e guloseimas regionais pra conhecer melhor.

Eu, pessoalmente, me interessei mais pela narrativa cultural do que pela mecânica da coisa. Achei interessante sentir ali como devia ser aquela mutante visão de mundo do século industrial, a imaginar as coisas que as pessoas anteviam. Há, inclusive, um prédio que me lembrou muito A Fantástica Fábrica de Chocolates, de 1964.
Se você se interessar pelo autor, vá ao Museu Casa de Júlio Verne, que é interessante para conhecer mais de suas obras. Lá também você fica conhecendo mais da vida pessoal dele.


Nantes, sendo na França, tem também é claro os tradicionais cafés de livraria, sempre cheios de charme, restaurantes de culinária regional, uma bela catedral, e — algo que você não sabe mas é obsessão entre os franceses — canoagem.
Fomos logo canoar no primeiro dia, eu e amigos de amigos. Os franceses, sempre que há um rio, fazem uma oportunidade de canoar. (Não me pergunte de onde vem essa paixão deles por isso).
Eu, nunca contei aqui, mas tenho uma história um tanto turbulenta com canoagem. Inclui virar a canoa num lago gélido num outono no Canadá, mas depois devidamente conto sobre esse episódio. Basta dizer, por agora, que eu sempre vou assentado com os joelhos para frente os pés pra trás, o que aqui me rendeu o título — dado pelo senhor francês que alugava as canoas — de “Le monsieur que vai como na belle époque da canoagem“.
Os franceses podem às vezes ser meio pedantes, mas têm seu charme. O passeio pelo Rio Loire sai de um parque natural numa ilha no centro do rio, com um lindo jardim japonês, e é bastante agradável, com tranquilas vistas da cidade.






Num aspecto menos sério, fiquei curioso de ver nas ruas de Nantes gravuras de jogos clássicos de video game. É. Zelda, Mario, Pac-man e outros assim, do nada, nas paredes próximo aos nomes das ruas. Não sei se era algo temporário ou permanente. Se for a Nantes, confira. Há vários espalhados pelo centro da cidade.


Falarei mais das guloseimas regionais no próximo post, mas deixem-me mencionar aqui pelo menos o quiche, meu prato francês favorito. Não é exatamente um prato, mas uma torta salgada redonda, feita com massa, ovos e recheio. Há vários tipos. Uma maravilha. Não sou o mais entusiasta da culinária francesa (muito embutido de carne), mas não consigo vir aqui sem comer quiche.


Deixem-me concluir este post com algo importante de Nantes, a parte menos bonita das navegações francesas. Há hoje aqui um Memorial à Abolição da Escravatura, que vale a pena visitar. Os franceses foram o terceiro povo a mais traficar escravos negros no Atlântico (atrás dos ingleses, os segundos, e dos portugueses, os que mais traficaram). Ao todo estimam-se 11 a 20 milhões de escravos traficados da África para as Américas, sem contar os muitos que morriam no caminho ou na própria África durante a captura.

O museu é gratuito e bastante interessante. Há uma quantidade grande de depoimentos informativos, opiniões de autores da época, e dados sobre a História da escravatura e as rotas do tráfico. Saibam que, em alguns países da Ásia (e.g. Paquistão), a escravidão só veio a ser abolida no século XX.
Reproduzo aqui dois depoimentos que me chamaram a atenção:
“Pois eu vi as minhas irmãs serem trazidas e vendidas a diferentes donos, para que não tivéssemos nem a mais magra consolação de sermos companheiras de escravidão. Ao fim da venda, nossa mãe nos tomou nos braços, nos abraçou, chorou e suplicou-nos guardar um bom coração e sermos obedientes ao novo mestre. Foi um adeus muito triste: nós a partirmos cada uma para um lado, e nossa mãe a retornar pra casa sozinha.” — Mary Prince, uma escrava nas ilhas das Bermudas (Caribe), 1831.
“Eu amo o cristianismo puro, pacífico e imparcial do Cristo: eis porque eu detestar esse cristianismo corrompido, esclavagista, injusto e hipócrita deste país onde açoitamos mulheres e roubamos crianças. Em verdade, eu não encontro a menor razão, exceto a da manipulação, para chamar de cristianismo a religião deste país.” — Frederick Douglass, em 1845 nos Estados Unidos.

Continuamos na França no próximo post, inclusas aí as guloseimas de que falei. Deixo com vocês a recomendação de visitar Nantes, que agora vocês conhecem um pouco melhor.

Nossa!… que interessante. Ja tinha ouvido falar de Nantes na Historia assim como das outras cidades citadas nessa postagem mas nada sabia da sua beleza nem da suas especificidades. Sabia de Julio Vernes e da sua obra , sabia-o francês mas naõ sabia que era dessa cidade.Conhecia o vale do Loire mas não sabia que aquele belo e majestoso rio passava na cidade..Enfim, nada sabia sobre ela, hahaha. Foi preciso ler o blog desse viajante brasileiro para conhecer e apreciar essa bela região. Adorei. J’ai aime la France!!…
Amei ver o belo Loire na sua pujança perto do Atlântico!… linnndo. Adorei a cidade,( nao a sabia tão grande e bonita, um charme}, as historias sobre Julio Vernes, o museu, a linda catedral, ( adoro o gótico) com seus belos vitrais, arcadas, naves, rosáceas. Muito bonita. Gosto de água mas prefiro embarcações maiores e mais cômodas haha
Adorei a arquitetura, as gostosas ruelinhas e as supermaquinas do museu haha. fiquei surpresa em ver o personagem de Zelda.
Triste mesmo só a parte do tráfico negreiro do qual a França participou e como lusófona e brasileira me envergonho. Uma ignomínia para com os irmãos africanos. Essa triste pagina precisa ser revista e a África redimida;
Afora isso adorei a postagem, Que dureza!… livros, passeios, ótimos cafés hahah…. heiiimmm eita lelê… haha é isso ai. vsleu, viajante. navegar é preciso e registrar tambem. Vive la France hahahah
.