Esse chão de quadrados coloridos pode parecer saído de algum jogo eletrônico, mas é a bandeira histórica do povo Aymara, uma das principais etnias indígenas desta região dos Andes.
Wiphala é o nome desta bandeira quadriculada de 7 cores, reconhecida desde a Constituição de 2008 como um dos símbolos do Estado Boliviano. (Não dá pra usar a palavra “nacional” corretamente aqui, pois a Bolívia se autodenomina um Estado Plurinacional, que abriga várias nações, vários povos de línguas e costumes diferentes, o que é verdade.) Você a verá balançando ao vento e muitos locais de La Paz.
Nem sempre a disposição é assim no quadrado quadriculado, às vezes são só as 7 cores do arco-íris. Eu, habituado que estou a morar em Amsterdã, confesso que achei que estava vendo a bandeira do Movimento LGBT, que internacionalmente se simboliza com as 7 cores do arco-íris. Mas nada a ver alhos com bugalhos. Aqui na Bolívia, a probabilidade muito maior é que você esteja vendo a bandeira dos Aymara.

A cultura boliviana é muito rica de elementos que a gente desconhece. Como eu cheguei a mencionar anteriormente, eles aqui talvez sejam dos que melhor guardam as heranças indígenas na América Latina.
Na música, há elementos caracteristicamente andinos que cruzam livremente as fronteiras entre Bolívia, Peru e Equador, a exemplo da tradicional flauta de bambu e dos tambores — que viriam depois a se juntar às violas árabes aprendidas pelos espanhóis na Idade Média e trazidas aqui. A já clássica El Condor Pasa, tornada mais comercial num álbum de Simon & Garfunkel em 1970, é exemplo da musicalidade andina.

Abaixo duas amostras que gravei de uma apresentação cultural que vi em La Paz, e que dão uma ideia da música andina boliviana hoje, depois das várias “fusões”.
Neste abaixo eles tocam e cantam o clássico Carnavalito, talvez a mais famosa música do carnaval andino. Perceba a empolgação dos músicos.
Afora o Brasil, o Carnaval boliviano (particularmente na cidade de Oruro) é talvez o mais expressivo das Américas, quiçá do mundo. Os bolivianos se mobilizam aos milhões para essa festa que fala tanto da sua cultura e história. A gente no Brasil pouco ouve falar porque, desde o Golpe de 1964 e a chamada “Guerra Fria cultural”, buscaram desfazer as nossas relações culturais com o restante da América Latina e voltar a atenção apenas para a cultura dos EUA (daí a invasão de quadrinhos, música e cultura norte-americanos no Brasil a partir dos anos 60).
Num dos dias durante a minha estadia em La Paz, fizemos um tour guiado que incluiu visita a um bairro onde se fazem artesanalmente as fantasias de Carnaval, e eu descobri que o carnaval boliviano é muito mais rico do que parece — se não em dinheiro, em cultura.
“Aqui na Bolívia eles têm dezenas de personagens que fazem referência à sua história, mesclando lendas indígenas, o passado colonial do país, e as festas católicas trazidas pelos espanhóis.”
Na Europa, terra de origem do Carnaval, pouco dessa cultura restou. Há os tradicionais personagens como o pierrot e a colombina, que mantêm-se em poucos bailes fechados para europeus saudosistas em lugares como Veneza, mas em geral o povo na Europa hoje (nos poucos lugares que ainda festejam o Carnaval) sai à rua para pular e beber, e pronto. A América Latina construiu uma cultura carnavalesca muito mais rica. Aqui na Bolívia eles têm dezenas de personagens que fazem referência à sua história, mesclando lendas indígenas, o passado colonial do país, e as festas católicas trazidas pelos espanhóis.




Você fique aí achando que a “antropofagia cultural”, a adoção de elementos estrangeiros e fusão de coisas são algo essencialmente brasileiro — a América Latina inteira faz isso muito bem. A Bolívia dá um dos melhores exemplos disso.
Você certamente não deixará de notar, nas ruas afora, as personagens mais conspícuas da Bolívia: as cholitas, mulheres com chapéus-coco ingleses do século XIX. (O nome vem de chulo, que em espanhol pode ter o sentido de “bonitinho”. Então las cholitas são tipo “as bonitinhas”).
A história é curiosa. Como estudamos na escola, a Inglaterra aproveitou-se imensamente da independência das ex-colônias de Portugal e Espanha nas Américas. Passou a fazer comércio diretamente conosco e a empurrar-nos coisas de que muito necessitávamos neste calor dos trópicos, tais como casacos de caxemira e patins de gelo.
Foi o mesmo com esses chapéus-coco, moda inglesa do século XIX e que eles venderam forçadamente à Bolívia. Os homens bolivianos não se interessaram nem um pouco. Quem adotou a moda acabou sendo a mulher andina, que os utiliza até hoje, sobretudo as mais velhas. Juntos com suas roupas coloridas largas e o par de tranças compridas no cabelo, fazem a indumentária típica das cholitas que você vê Bolívia afora.

Naquele mesmo espetáculo hoje vi os músicos, houve também apresentações de dança que nos deram uma palhinha do Carnaval.
Nesta dança abaixo, a mocinha indígena — vestida com o característico vestido de rendas colonial espanhol que se vê do Chile ao México, no fresco algodão indígena que os espanhóis não conheciam (eles usavam lã e linho antes de vir para as Américas) — é cortejada pelo capataz, que aqui historicamente eram mulatos ou negros usados como “capitães do mato” para controlar os escravos indígenas na Bolívia (daí seu açoite e cabelo encaracolado).
Na ponta das tranças do cabelo da moça, as três cores da Bolívia; e, na mão, o chapéu-coco de cholita.
Se em outras partes do mundo o Carnaval é relacionado a certo tipo de música e dança (ex. samba no Rio de Janeiro), na Bolívia são muitos os ritmos e estilos. Algumas danças lembram danças gaúchas, já outras, as quadrilhas juninas do Nordeste.
São muitos os personagens, desde aquele capataz até a Pachamama (a Mãe Terra), a Virgem Nossa Senhora da Candelária com suas 7 virtudes, o Arcanjo Miguel, e o capeta acompanhado dos 7 pecados capitais. Rola de tudo, no que parece ser uma linda mistura do nível que só a criatividade latino-americana é capaz de conceber.
Fica pra quando eu for ver o Carnaval da cidade de Oruro, o mais famoso, e declarado pela UNESCO Obra Mestra do Patrimômio Oral e Intangível da Humanidade. Às vezes as agências internacionais dão maior valor às nossas tradições culturais que nós mesmos.
Deixo-vos, por ora, com as cholitas.
Dos ritmos andinos o que mais gosto são o caporal e a saya, originário dos mestizos e dos zambos (cafuzos). A América Latina é um tesouro que infelizmente os brasileiros desconhecem…
Uaauu. Que beleza de ritmos, de cores, que danças graciosas e significativas. Os flautistas e demais instrumentistas muito habilidosos. Uma riqueza de cultura.
Muito charmosas as cholitas e que trabalho interessante que parecem ter com a manutenção das economias da familia e de cuidado com as crianças. Mulheres incansáveis, heróicas.
Adorei o carnaval boliviano e suas lindas fantasias.
Linda e significativa a bandeira plurinacional da Bolivia. Muito interessantes a postagem e a própria cultura boliviana.
Aqui no Brasil se conhece a musica e o muitos corais a cantam. O nosso coral Santo Antonio cantava, inclusive sua amiga aqui com o belo arranjo de um grande e humilde maestro, Fr. Marino de Offida. um capuchinho italiano apaixonado por corais e musica.
Linda postagem. Parabens mais uma vez, meu jovem viajante brasileiro. Alhah ( Olé) haha
Esqueci de comentar que o senhor esta oootimo com a Brasilia amarela hahaha e lembrar que a musica boliviana cantada no Brasil e que eles apresentaram é o Carnavalito.