“Hay chicharrones! Hay chicharrones!“, anunciavam as vendedoras gordas pelo corredor do ônibus até Arequipa. Senhoras pesadas, usando roupas compridas e chapeuzinho preso com a tira abaixo do queixo, e que vendiam pedaços de frango frito em pequenos sacos plásticos onde grandes grãos de milho branco também boiavam no óleo. Uma visão apetitosa. Os peruanos compravam aquilo e comiam aos montes, fazendo subir no ônibus o delicioso cheiro de óleo frito.
O nosso ônibus era quase hermeticamente fechado. Não havia ar condicionado. Ou melhor, havia, mas não funcionava — assim como tampouco as lâmpadas de leitura, a televisão, e o chique botão de chamar a comissária, como em avião. Um ônibus leito, só que não. Na real, tínhamos apenas basculantes, não janelas, e que a maioria dos passageiros preferia deixar fechado para evitar o vento. Era asfixia pura, feita pior pela altitude de 3.500m onde trafegávamos.
Viajar de ônibus pelo Peru é regado a sensações fortes, não limitadas às lindas vistas das montanhas dos Andes ou do deserto de Nazca, que se expandem a perder de vista.



Estamos no meu ônibus desde a fronteira boliviana, na cidade de Copacabana (ver O Lago Tititcaca e a Copacabana original, na Bolívia), até a cidade peruana de Arequipa. No caminho, uma breve troca de ônibus em Puno, na margem peruana do lago.
Viagem de ônibus no interior do Peru há de dois tipos. No primeiro, mais caro, você viaja confortavelmente em poltronas espaçosas, ar condicionado, chazinho de coca para enfrentar a altitude e lanche embalado servido a bordo. Você certamente será acompanhado por outros turistas mais endinheirados, já que os peruanos em geral não se dão ao trabalho de pagar o triplo ou o quádruplo do preço normal para fazer o mesmo trajeto. Caso esta seja a sua escolha, busque os serviços da empresa Cruz del Sur.
Na outra modalidade — a que eu escolhi — você viaja com o povão. Eu gosto de conhecer como vivem as pessoas, e tenho uma certa resistência a gastar muito em conforto. De quebra, a Cruz del Sur não tinha ônibus no horário que eu precisava, então fui de Julsa, uma empresa comum. Troquei dólares por soles (a moeda peruana) na rodoviária de Puno e lá comprei uns vagabundos lanches antes de embarcar.
Em retrospecto, só recomendo aos fortes de espírito.

Nunca antes eu havia comprado às 10:15h uma passagem para o ônibus de 10:00h. (Vocês reclamam do Brasil, mas ele é um dos raríssimos países em desenvolvimento onde ônibus interurbanos saem no horário.) O homem no guichê me garantiu que o ônibus ainda estava no pátio e que eu embarcaria sem problemas. Saímos às 10:50h, depois que juntaram mais passageiros.
Seis horas separam Puno de Arequipa, a segunda maior cidade do Peru (após a capital, Lima). A primeira visão depois de deixar Puno é Juliaca, uma séria candidata a cidade mais feia que eu já vi na vida. É uma disgrameira pobre pior do que a média das periferias do Brasil. Depois é que entramos pela aridez desértica mostrada acima, até que presença humana novamente só veremos ao nos aproximarmos de Arequipa.




Enquanto isso, dentro do ônibus, acumulavam-se papeis de doce, embalagens rasgadas de chocolate, garrafas plásticas vazias e todo tipo de lixo que ia caindo pelo chão. Começavam também a entrar pessoas, vendedores ambulantes indo desse nada a algum lugar, e que vendiam — afora os já citados aromáticos chicharrones — aguita de manzana (uma espécie de suco de maçã caseiro posto em garrafas Pepsi), gelatina caseira em copos plásticos, etc. Espero que a sua imunidade esteja alta.
Numa dada hora chegou até um pregador, que por 10 minutos nos falou da Bíblia naquele tom de voz metódico de quem está acostumado a pregar em público. Quis nos vender, depois, uns torrones horríveis, daqueles brancos que são puro açúcar e que não valem nem 10 centavos.

Mas a passagem que mais marcou mesmo foi a do rapaz estrangeiro repreendido em público pelo cobrador do ônibus porque cagou no banheiro. Ele era hispânico, de algum outro país latino-americano que não identifiquei, e pelo visto não familiarizado com essa norma aqui no Peru. O rapaz estava poucos assentos à minha frente. O cobrador quis saber, em alto em bom som, de onde é que o rapaz era que não sabia que banheiro de ônibus é só para urinar e que agora estava todo cagado (a descarga, pelo visto, não desceu. Não fui verificar.)
”Que puedo hacer ahora, señor?“, reagiu o rapaz educadamente enquanto todo o povo assistia ao debate sobre a caganeira. O cobrador, raivoso, disse que ele devia saber. O rapaz retrucou que aquilo deveria estar escrito em algum lugar. O cobrador virou as costas indignado. O rapaz foi atrás dizendo “quiero hablar” e apontando que insultar o passageiro em público não era a solução. Bueno, se vier ao Peru, já sabe.
A emoção final, após essa comédia, foi a dos desfiladeiros imensos por onde passávamos. Eram tão assombrosos que só passava um veículo por vez — e mesmo assim a uns 10-15km/h — pelas curvas sem acostamento ou barreira que nos separassem do despenhadeiro. De vez em quando tomba alguém.
Passado aquilo, chegamos aos arredores arenosos de Arequipa, com El Misti ainda mais perto, visível por detrás das construções de periferia. Era fim de dia, e pela janela do ônibus víamos o sol de pôr sobre aquele cenário.

Finalizar aquela viagem e descer do ônibus seriam uma glória e um alívio. Tínhamos outra dessas de volta pra Puno dali a três dias. Felizmente, entre uma e outra, tivemos a agradável Arequipa, não só uma cidade bonita, como também uma pausa na altitude rarefeita (a cidade está “apenas” 2.300m acima do nível do mar, o que é relativamente tranquilo pra respirar), e pela deliciosa culinária peruana que experimentaríamos ali. Fica pra depois.


Terminei esta viagem seguro de que jamais faria as 22h de ônibus que separam Cusco e Lima.
Rapaz, não sei se ria ou se chorava com essa postagem hahah.Ria pelas loucuras r iscos passados e ocorridos na dita cuja viagem e seus desdobramentos, como a decompostura sofrida pelo rapaz com a cagança solene , com as figuras curiosas e engraçadas da viagem com as rodoviarias onde so se pisava em xixi, com as passagens compradas quando o ‘lindo’ bus ja deveria estar a meio caminho etc e tal. que horror de viagem…valha-nos Deus,, com o calor dos infernos e a sensação de abafo digno de fornos haha. É de arrepiar a lembrança daquele frango cortado cheio de gordura com cheiro de churros queimados e estragados horriiiiiivel!… de matar o guarda. Nunca vi nada tao tenebroso…haha E o tal pregador haha avemaria.. haja Deus. Bemaventurados os sofredores haha
Ou se chorava com toda aquela realidade horrivel de pobreza, de vida dificil, de desordem urbana, de falta de tudo. Pobres coitados. Vida desventurada pela pobreza e abandono proprios do subdesenvolvimento, acrescida dos sacrificios com o clima e solo inóspitos. Dificil sobreviver naquela realidade.
Vale destacar os perigos das estradas sem infraestrutura e sem segurança para quem trafega. É uma aventura para quem tem nervooossss haha. Quem tiver claustrofobia procure outro transporte, assim como quem tem aerofobia. haha.
Em toda essa realidade ora triste ora hilariante, ora adrenégica, avulta a maravilhosa imponência dele. EL MISTI. Espetacularrrr, lindo, sobranceiro, místico, adorado por todos os que vivem no seu entorno; uma beleza que encanta os olhos. Vale os riscos e a viagem para ve-lo. Magnifico.
Parabens viajante brasileiro por dar visibilidade a a esta impressionante região da latinoamérica, Pátria maior de todos nós .Vamos que vamos