O mundo estava acabando quando chegamos a Cusco. Ao final das oito horas de viagem de trem no Andean Explorer, a chuva engrossou tremendamente, até virar um daqueles acaba-mundo.
A estação de trem de Cusco é minúscula. Fora da grade, e em todos os arredores após a área restrita para desembarque, motoristas de táxi amontoavam-se irrequietos e gritando famintos em nossa direção tais quais zumbis de The Walking Dead.
Não havia outra opção senão render-se à sua sanha. Tentei, inutilmente, descobrir se haveria um ônibus ou alguma forma de transporte coletivo. Mas estamos na América Latina, e uma das nossas muitas infelicidades é depender quase que exclusivamente de automóvel para se deslocar. Rendi-me a um taxista. A chuva era tamanha que explorar as ruas no exterior da estação — ainda por cima à noite — estava fora de cogitação. Sempre detesto tomar táxi em cidades que desconheço, pois os motoristas invariavelmente enrolam, e desta vez não foi diferente.
Nas ruas, corredeiras de água da chuva pareciam transformar-se em verdadeiras torrentes com o volume e a inclinação íngreme das ruas — parecia que derrubariam até as suas pernas, se as encontrassem pela frente. Do lado de dentro do táxi, o taxista já falava de querer o pagamento antes de parar o carro. Reconheçamos: os táxis no Peru são baratíssimos, coisa de R$ 5 uma corrida. É a insegurança da malandragem que incomoda, e saber que você está nas mãos dele.
Paguei, e ele parou o carro para eu retirar a bagagem que tolamente deixei no porta-malas. Por sorte, não deu nada. Paguei a merreca de 7 soles em vez de 5 (praticamente o mesmo em reais), molhei-me até a alma, e buzinei à porta do albergue dizendo que eu tinha uma reserva.

Como você pode ver, Cusco é uma cidade pobre. Não se iluda com as fotos pitorescas que os sites de viagens lhe mostram — há, sim, aquele centrinho histórico bonitinho, mas o grosso da cidade é “popular” dessa forma aí. Cusco hoje é uma cidade de quase meio milhão de habitantes (pobres).
Algum tempo se passou desde que, nos idos de 1200, os incas chegaram aqui “fugidos” de um desastre natural nas margens do Lago Titicaca. Assim conta a origem mítica do Império Inca, que quatro irmãos e quatro irmãos deixaram aquela região após uma hecatombe climática e migraram para cá, para a cidade então chamada de Qusqu. O nome vem de qusqu wanka, ou “Pedra da Coruja”. A cidade já era habitada pelo povo Killke desde o ano 900. Há datação com carbono-14 de muralhas de 1100 aqui, portanto pré-inca. Algumas delas permanecem visitáveis, como a impressionante cidadela de Saksaywaman.


Cusco caiu em 1537. Seu coração era a Awkaypata, a praça central, que na época dos incas era a maior praça do mundo. Depois ela foi renomeada — de modo não muito original — Plaza de Armas, nome que carrega hoje como em outras dezenas de cidades da América Hispânica. E foi reduzida de tamanho porque os espanhóis acharam que aquela praça era grande demais. Hoje, a Plaza de Armas tem apenas uma fração do tamanho da Awkaypata original.
Eram 190 x 167 metros recobertos de areia branca trazida das praias do Pacífico. Diariamente, homens passavam pra lá e pra cá “varrendo” a areia — isto é, ajeitando para que ficasse rente e bonitinha. (Caso você ache que esse é um trabalho besta, lembre que no império inca todos tinham uma ocupação, e fique sabendo que eu vi imigrantes indianos fazendo isso no Catar em pleno século XXI. Eu, com a minha cara de pau, cheguei a perguntar a um deles qual era o propósito daquilo. Ele olhou pra mim sem responder, e voltou a aplainar a areia.)
Ainda hoje você vê nos arredores da Plaza de Armas de Cusco as bases dos edifícios de pedra, cujos blocos — originalmente unidos sem cimento — são tão juntos que os espanhóis da época diziam “não entra nem um alfinete“.
Hoje, é claro, você vê igrejas e mansões coloniais nestes arredores. À época dos incas, você veria placas de ouro polido em arcadas de pedra, reluzindo ao sol junto com a areia branca, que juntos deveriam produzir um verdadeiro esplendor de luz. (O ouro, é claro, foi levado pelos espanhóis e hoje decora as igrejas e palácios de época na Europa e nas Américas.)



A Awkaypata era “o umbigo do mundo“, diziam os incas. Era o coração da capital e do mundo tanto num sentido geográfico quanto cosmológico. Daqui saíam 4 estradas, uma para cada uma das 4 regiões do império, e aqui se encontravam também os muitos “fios” de energia (zeq’e) ligando lugares sagrados da região (wak’a), e formando uma teia invisível que tinha esta praça principal de Cusco como o seu centro. (Ver 4 características fundamentais da sociedade inca e de que você provavelmente nunca ouviu falar.)
Você hoje acha uma abundância imensa é de agências de turismo nessa praça principal. Passeios pelo Vale Sagrado dos Incas, viagens a Machu Picchu, trilhas, etc. Às portas das lojas, nos arredores da praça, você vê várias moças e rapazes devidamente com suas pranchetas e folhetos olhando pra um lado e pro outro à busca de turistas.
Numa dessas, num dia melado e chuvoso, é que eu tomei o city tour pra visitar Cusco com um guia local. Acho que vale a pena, pois há muito conhecimento cultural e histórico que um bom guia pode lhe passar — do contrário, você irá apenas olhar pedras.
O meu guia foi Gabriel, o senhor dos anéis. Um peruano baixinho de gel no cabelo e uns 5 ou mais anéis nos dedos. Caminhamos com ele pela estátua dourada do imperador Pachacúti, o nono inca e responsável pela edificação de muito de Cusco, na praça principal, e dali fomos ao convento dominicano erigido sobre as bases de construções incas.




Ao contrário do que você provavelmente pensa, no entanto, o deus sol (inti) não é o principal na religião tradicional inca, e sim Viraqocha, o deus criador. As concepções, com o tempo e a catequização, foram sendo ajustadas ao Deus criador bíblico e às ideias católicas de céu e inferno. Hoje, há uma bela estátua branca do Cristo Redentor numa das colinas de Cusco — chamado popularmente de “Cuscovado”. (É sério. Eles adoram fazer esse trocadilho especialmente com brasileiros.)

Foi com Gabriel que eu também fui a Sachsaywaman, após comprar uma charmosa capa plástica de chuva pelo equivalente a dois reais na praça. O meu charme foi registrado por um fotógrafo enquanto caminhávamos pela rua, e posto junto com outras paisagens do Peru para eu comprar. Comprei, é claro.

Dali eu iria, no dia seguinte, àquelas paisagens ali: conhecer o famoso Vale Sagrado dos Incas e, a seguir, a lendária Machu Picchu.
Nossa, que historia cativante e que surpreendente e bela cidade, apesar das ladeiras, dos temporais ,das malandragens do taxista e das molhações e sapatos descolados e que la ficaram haha. Rapaz, que aventura. haha…. so Mairon Polo dos 7 mares para as contar haha
Linda Plaza de Armas, impressionante movimento tanto dos habitantes quanto de turistas. As empresas fervilham de opções e de interessados.
Ruinas magnificas assim como suas construções. Impressionantes esses verdadeiros artistas construtores e engenheiros incas.
Lamentavel a ação predatoria dos que ali chegaram e se apossaram dessas maravilhas culturais e as destruiram. Triste Europa saqueadora.
Linda a cidade , com sua rica historia . Importante esse conhecimento inclusive da época pre-incaica com certeza desconhecido para a maioria das pessoas. Aprendizado certo.
Parabens, viajante brasileiro.
E vale ressaltar que o senhor esta muito bem correndo da chuva que desabava com esse belo enfeite azul à semelhança de capa haha. Engraçado haha
Valeu o registro e claro, a postagem.
Estou ansiosa pela de Machu Pichu Vamos que vamos. viaja r é preciso, conhecer tambem haha. Até a proxima uaaauu