O sul da Espanha é a minha região favorita do país. A maior parte dos turistas brasileiros se limita a visitar Madrid e Barcelona (às vezes, Zaragoza e Bilbao a caminho da França), mas a Andaluzia pra mim reserva dos elementos mais interessantes da Espanha.
Aqui é a terra do flamenco, de cidades medievais lindas como Granada e Sevilha, e da presença mais pronunciada de toda a herança moura no país. (Para os que perderam essa aula de História, a Península Ibérica foi tomada pelos árabes, com exércitos também de berberes [nativos do norte da África], no ano 711 e teve reinos muçulmanos até 1492. Ou seja, houve mais tempo de domínio árabe [8 séculos] do que tempo decorrido de lá pra cá [5 séculos]. Isso, obviamente, deixou marcas materiais, culturais e genéticas indeléveis na nação espanhola que viria a se formar.)
Os árabes referiam-se à Península Ibérica como Al-Ândalus, provavelmente devido à presença aqui dos Vândalos, povo “bárbaro” de origem germânica que habitava aqui — e que, sim, deram origem ao termo “vandalismo”, pois os romanos os viam como uns arruaceiros. Os árabes os venceram e, como sua presença seria mais longeva aqui no sul, esta parte da Espanha permaneceu conhecida por Andaluzia.

A minha viagem cá começou por Málaga, que você talvez conheça de nome, mas que certamente gostará de conhecer melhor.
A cidade fica na costa sul, e foi seu comércio colonial deu origem ao nome de pimenta malagueta (que, na verdade, é nativa do Peru). Já a fama das suas mulheres levou à canção da Malagueña Salerosa, conhecida hoje em dia mais por sua versão da trilha sonora de Kill Bill 2 (2004), mas original de 1947 e já gravada por cantores que vão desde Plácido Domingo a Chitãozinho & Xororó. (A versão mais clássica e aclamada ainda é a do mexicano Miguel Aceves Mejia, “O Rei do Falsete” — assistam e verão por que. A composição também é mexicana.)
No vídeo abaixo a versão clássica mais famosa da canção La Malagueña (1947), conhecida também como Malagueña Salerosa, pelo cantor mexicano Miguel Aceves Mejia, “o rei do falsete”. Tente fazer em casa e chame sua namorada pra ver.
Málaga, afora as malagueñas, tem um centro histórico mui agradável onde passear, belíssimas igrejas renascentistas, a impressionante cidadela moura de Alcazaba, e interessantes museus de arte em vidro e pintura. Esta acontece de ser a cidade natal de Pablo Picasso, considerado por muitos o maior pintor do século XX.
Mas visitar a Espanha tem suas curiosidades a que se preparar. O almoço sai às 3h da tarde e o jantar, às 10h da noite. Sem falar na siesta, quando muita coisa fecha nas horas mais quentes da tarde. É uma experiência tanto visual quanto cultural bastante interessante.




Mas eu cheguei foi à noite, e cidade estava mais assim:



O meu albergue seria uma agradável acomodação no andar de cima de uma doceria no centro. Um trem te leva facilmente desde o aeroporto até a estação Málaga Maria Zambrano (a principal), e dali a Málaga Centro, na arborizada Alameda Principal e com o centro histórico logo ali. (É onde eu recomendo se hospedar.)
Como a doceria só estaria aberta até a noitinha, resolvi ligar já do aeroporto para avisar que estava a caminho, e que não cancelassem a minha reserva.
”Vale!”, me respondeu a moça espanhola espanholíssima no telefone. “Hasta las 8 de la tarde hay alguién, y después puedes llamar la campanilla“, me disse ela animada. “Vale” é quase um tique nervoso aqui na Espanha, colocado em quase todas as frases e posto como pergunta confirmatória ao final de qualquer afirmativa. (“Estamos aquí, vale? Entonces, tomas en tren, vale, llegas a Málaga Centro, desembarcas por la derecha y caminas hasta el puente, vale?“). E é contagioso. Eu não acerto mais a falar espanhol sem dizer vale o tempo todo, o que sempre levanta olhares quando eu estou pela América Latina, já que por lá não se diz tanto vale assim. A moça que me atendeu na Informação Turística do aeroporto de Málaga era uma simpática morena de olhos mouros e que dava uma explosão de vales enquanto me indicava as coisas no mapa.
Na recepção, após atender a campainha, Alba nos recebeu com simpatia. Uma moça de seus 20 e tantos anos, cabelos cacheados castanhos com pontas pintadas de ruivo. Fez um contraste imenso com a minha experiência anterior, com coroas arrogantes em Madrid há um tempo atrás. Depois de fazer amigos espanhóis ao longo dos últimos anos, minha observação é que as pessoas de menos de 40 anos neste país são incrivelmente mais agradáveis e simpáticas que seus compatriotas de maior idade. Parece-me haver forte diferenciação cultural entre esses jovens descolados, crescidos na era da União Europeia (e da crise financeira) e os seus pais, muitos dos quais ainda carregam aquele ranço arrogante colonialista e a empáfia do espanhol tradicional conservador. Aqui no sul, os jovens parecem mais simpáticos ainda.
“Minha observação é que as pessoas de menos de 40 anos neste país são incrivelmente mais agradáveis e simpáticas que seus compatriotas de maior idade.”
Saí para jantar. Às 22:30, era normal na Espanha. Perguntei a Alba que prato era característico de Málaga, ao que ela me disse que era o pescadito frito. Saí pra procurar então o tal do pescadito frito.
Mas no meio do caminho havia uma paella. Havia uma paella no meio do caminho, e com vinho de brinde. O pescadito frito ficou para depois. Paella é um prato típico da cidade de Valencia, mas estando na Espanha, resolvi aproveitar a oportunidade, e não me arrependi. Além de uma deliciosa paella, fomos atendidos por um garçom inesquecível.

Minha mãe estava comigo nesta viagem. Sentamo-nos numa mesa no exterior, pois mesmo no outono, o sul da Espanha dificilmente faz frio de verdade. Só aquele friozinho básico para convidar uma garrafa de vinho.
No Brasil as pessoas tendem a apreciar vinhos suaves e adocicados, mas na Europa os vinhos de respeito são praticamente todos secos. Minha mãe não foge ao gosto brasileiro e, devo admitir, tem um certo histórico de fazer caretas sem-noção diante de coisas que experimenta e não gosta, sem disfarçar, então confesso que tive certo medo do que ocorreria quando o tal vinho viesse. Ela fez questão de apontar ao garçom que queria um vinho “suave” — tenho minhas dúvidas se ele entendeu.
Mas seu retorno foi tão performático que uma careta tornou-se impossível. O nosso altivo garçom tinha a pose e a performance de um apto dançarino de tango. Postura elegante, roupa preta, cabelos escuros bem penteados, e aquele típico ar dramático e ligeiramente circunspecto. Fez uma pirueta com o saca-rolhas e, num momento quase romântico embriagado, cheirou a rolha recém sacada da garrafa (com os olhos virando como quem cheira a calcinha da sua amada). Depositou um pouco do vinho no cálice de minha mãe para a degustação e pôs-se ereto como uma sentinela, segurando a garrafa com uma mão, ao aguardo da aprovação do cliente. Minha mãe, coitada, ficou praticamente impossibilitada de qualquer reação outra, diante de tal performance. Eu, com meus botões, ria litros por dentro, de um e do outro.
Com a paella não foi nada diferente, e ele nos serviu como nem os mordomos ingleses do século XIX conseguiriam fazer.

Mas se você ficou curioso com relação ao pescadito frito, veja-o abaixo. Encontramos ele na noite seguinte. É um prato bem menos glamuroso, mais com cara de petisco de bar. São, basicamente, mariscos vários e peixes pequenos (tipo pititinga) de diversos tamanhos empanados e fritos. Haja estômago. (Não é à toa que vem com o limão.)

Mas pra não dizer que eu só falo de comida e bebida, vamos às atrações de Málaga. Primeiro o interior da catedral. A seguir, a linda fortaleza moura de Alcazaba.



Não muito distante dali, a entrada para a fortaleza de Alcazaba, no alto de uma colina (al-Qasaba em árabe, que quer dizer algo tipo “cidadela fortificada”). Note que há um elevador na rua lateral, que te leva já às partes mais elevadas dos jardins. É gratuito, mas meio escondido. Pergunte pelo ascensor, e te indicarão.






Você pode subir até o topo da colina, até o Castelo de Gibralfaro, se quiser, mas ninguém recomendou (o mais belo é mesmo Alcazaba), então preferi usar o meu tempo zanzando pelo centro da cidade e conferindo outras partes.
Há um bem quisto (top #1 no TripAdvisor) Museo del Vidrio y Cristal de Málaga, mas não achei lá esses balaios todos. É bonito, as pessoas foram muito amáveis, mas é basicamente uma casa particular onde um(a) guia lhe acompanha mostrando utensílios e objetos de decoração em vidro e lhe contando umas histórias. (Humildemente, digo que nem de longe se compara ao sensacional Museu de Vidraria de Teerã, no Irã.)
Há também o museu da Fundación Picasso, do pintor nascido aqui em 1881. (Os malagueños, no entanto, se riem dizendo que ele só fez nascer aqui e assim que pôde foi embora.) Ele em verdade só viveu aqui até os 10 anos de idade. A maior parte de sua vida adulta se passou na França. Suas obras, hoje, estão espalhadas mundo afora, mas algumas se encontram aqui. Não sou o maior fã de pintura contemporânea, mas se você gosta, vale a visita.
“O nome completo do pintor era Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remédios Cipriano de la Santíssima Trinidad Ruiz y Picasso.”
Pra quem curte curiosidades, vale saber que o nome completo do pintor era Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remédios Cipriano de la Santíssima Trinidad Ruiz y Picasso. Era escorpiano. Dizem que nasceu morto, e que foi uma baforada de charuto do médico quando recém-nascido que o fez acordar para a vida.

É assim, com essa mistura de raiz árabe com católico renascentista que temos o sul da Espanha. Vêm aí ainda Córdoba, a antiga capital do califado medieval espanhol; Granada e seu magnífico palácio de Al-Hambra; e Sevilha, a capital de Andaluzia e capital mundial do flamenco.
Haahahahaha. Málaga, Málaga!.. de encantos mis e pitorescas histórias.!…linda, com sua Estupenda, imponente e bela Catedral , impressionante fortaleza com divinos pórticos e arcos mouriscos, belíssimos, impossíveis de descrever de tão belos. Com lindas paisagens, as onipresentes e cheirosas laranjeiras, pracinhas lindas, ruelinhas gostossissimas como toda a Andaluzia, limpas, bem cuidadas, mostrando toda a beleza de um passado mouro que salta à vista. O centro histórico é uma alegria para os olhos de tão bonito e aconchegante. O pescarito com certeza deixa a desejar, Salvo pelo vinho e pelo garçon , A dança e performance do garçom foram um espetáculo à parte; um teatro dificil de ser repetido e hilárico, uma ópereta bufa, mas valeu a intenção… Que beleza de região, que riqueza de cultura árabe, de detalhes, um verdadeiro primor. Não se pode deixar de visitar a Andaluzia. Parabens, viajante brasileiro. Bela e interessante postagem. Alhah (Olé)
Adorei a foro de entrada o viajante de braços abertos numa bela avenida peatonal semicoberta e com decorada. bela cidade ótima postagem. congratulations.
foto*
e decorada*