Da universidade, ao bar, ao cemitério. Parece algum estudante boêmio declarando sua rotina ou sua perspectiva de vida.
Na verdade, é um resumo do meu roteiro por Dublin. A capital irlandesa pode não ter o charme de uma Londres ou Paris, mas tem seus pontos interessantes. E não dá pra visitá-la sem ver o campus do famoso Trinity College, os tradicionais bares escuros da cidade, e visitar o Glasnevin Cemetery para aprender um pouco mais sobre a história deste país.
A tríade, no fim das contas, casa-se bem com as predileções favoritas dos irlandeses: beber, ler & conversar, e virar uma boa história até depois de morto. Os irlandeses amam um “causo”, e deve ser por isso que conseguem fazer com que até um tour no cemitério seja interessante. (Nunca antes, como nunca em nenhum outro lugar, eu curti tanto uma visita a um cemitério como aqui.)
Permitam-me começar pelo meu ponto de partida, do meu inglamuroso albergue às margens do Rio Liffey, no centro da cidade.


Dublin é uma cidade melhor feita a pé. Embora seja uma capital, eu a acho até pouco movimentada. Fora do centro, você se mete por várias “ruas de trás” onde estará a sós com mendigos bêbados no chão.
Há um transporte público “maravilhoso” onde, como noutras partes do mundo anglófono, o motorista faz as vezes de cobrador e não te dá troco — é preciso pôr numa caixinha o valor exato da passagem, ou a diferença (a mais) que você pagar vai pro brejo. Certa vez dei a mais, e me disseram que eu fosse na central de transporte público do município colher os meus 50 centavos de euro de troco de volta (depois o Brasil é que é burocrático).
A cidade tem umas ruas bem bonitinhas, sobretudo no sul, como a ampla Av. O’Connell, a extensa Grafton Street, e as muitas ruas estreitas da área do famoso Temple Bar (voltaremos a ele).
”O Rio Liffey divide a cidade não apenas geográfica, mas também socialmente.”
O Rio Liffey divide a cidade não apenas geográfica, mas também socialmente. Os dublinenses do sul, área mais rica, são vistos como os mauricinhos e patricinhas, enquanto os dublinenses do norte são vistos como os malandros. É uma categoria própria de piada aqui, os irlandeses jocosos como são. Tudo na cidade vem com uma historieta ou um apelido.
No norte, por exemplo, há o maior monumento da cidade, uma agulha imensa apontada pro ar. Todos a conhecem como “o pinto” (the dick). Não sei qual a utilidade ou a beleza dele. (Que é grande, é, embora fino.)




Eu já comentei no post anterior como os irlandeses adoram um conto. Então nada mais natural que um dos pontos mais marcantes da cidade seja uma universidade, com uma das bibliotecas mais famosas do mundo. Os irlandeses são orgulhosíssimos do seu Trinity College.
Esta universidade tem um papel imenso no senso de identidade dos irlandeses. Aqui está aquele que é tido como o maior tesouro nacional da Irlanda, o Livro de Kells (é claro que o maior tesouro irlandês seria um livro). Esse livro, produzido por volta do ano 800, é uma versão colorida, ilustrada, e escrita à mão dos quatro evangelhos do Novo Testamento. É a maior obra do monasticismo medieval irlandês.



Os irlandeses, você pode não saber, gostam de dizer que “salvaram a civilização”, pois foram dos poucos lugares da Europa Ocidental a conseguir manter o cristianismo (e seus manuscritos em latim) nos primeiros séculos após a queda de Roma, com as invasões bárbaras germânicas e, depois, aquelas dos árabes no sul e dos vikings no norte — nenhum deles cristão. A Irlanda, ilha remota cá no noroeste da Europa, conseguiu salvaguardar muita coisa, dizem.




Aqui eu quase esbarrei em Jack Gleeson, o ator que fez Joffrey no seriado Game of Thrones. Apesar do personagem detestável, dizem que o ator é muito gente boa. Ele é irlandês e estuda aqui.
Posto o sol, era hora de ir pro bar. Os bares aqui estão sempre cheio — são o ponto de encontro e socialização dos irlandeses. O mais famoso deles é o Temple Bar, que dá nome a toda uma área de bares no centro.


Em qualquer lugar da Irlanda você verá um bafafá danado em torno da Guinness, uma cerveja preta, “bebida nacional” (talvez dividindo espaço com o uísque cremoso Bailey’s), mas objeto de um conversê danado. Não sou referência pra gosto de cerveja, mas confesso que não vi nada de especial nela. Achei a cerveja aguada e com leve gosto de queimado. Deu-me a impressão de que só bebem aquilo por tradição mesmo — mas cada um com seu gosto.
O ambiente é sempre escuro, aquele lugar onde você se refugia enquanto a chuva fria cai lá fora.

O dia seguinte foi um belo domingo de sol, dia perfeito para ir ao cemitério.
O tour de História oferecido no Cemitério Glasnevin, em Dublin, é dos mais interessantes em que já fui. Certamente o mais interessante que já fiz num cemitério, em qualquer lugar do mundo.
Um guia do próprio cemitério acompanha os visitantes pelas covas, mostrando — e contando histórias de — personagens importantes da história da Irlanda enterrados ali. Quando me recomendaram, eu achei esquisito, mas depois adorei. Os irlandeses são excelentes contadores de histórias.

Não tenho como replicar aqui todas as histórias que o guia contou, é uma lista enorme de fulanos e beltranos que aprontaram em vida e vieram a se reencontrar ali. Mas tenho de falar ao menos de Daniel O’Connell, o personagem mais ilustre a “descansar” nesse cemitério.
Pra você ter ideia, Daniel O’Connell (1775-1847), conhecido como “o grande libertador”, serviu de inspiração a Gandhi e Martin Luther King, em seus métodos de não-violência e desobediência civil como forma de protesto. O’Connell foi dos maiores nomes na luta secular dos irlandeses por independência do Império Britânico — esta só obtida em 1922, após os espasmos da Primeira Guerra Mundial.
A Irlanda comeu o pão que o diabo amassou sob o jugo inglês. Os irlandeses, em sua maioria católicos (em contraste aos ingleses protestantes), eram desprovidos dos direitos mais básicos no império. Penavam como cidadãos de segunda classe. Em meados do século XIX, na chamada Grande Fome (1845-1852) — quando uma peste afetou as plantações de batata, principal fonte de energia dos irlandeses — os lords ingleses basicamente deixaram os camponeses irlandeses morrerem às pilhas, e a Irlanda chegou a perder 1/4 da sua população, entre mortos e emigrantes.
Quando chegou a Primeira Guerra em 1914, os ingleses esperaram que os irlandeses lutassem pelo seu império. Os irlandeses disseram que não serviriam nem o rei inglês nem o seu inimigo, o kaiser [imperador] alemão, mas a Irlanda.


Quando vier a Dublin, embeba-se o quanto puder em cultura irlandesa. E, agora você já sabe, jamais diga que eles e os ingleses são a mesma coisa.
Haha adorei o titulo e a interpretação haha que soturno haha
Haha curtir cemitério haha so Mairon Polo nas suas andanças para que isso se dê. Eu não curti nem o Vale de los Caídos haha que mais parecia um bosque sem tumbas haha
Animado o albergue. `Pareceu-me bom .
Uaaaaauuuu… que maravilha meu camarada. Que portentosa arquitetura. Um charrrme. Belissimo.
Este espirito de , como diria a minha avó, ”passar a perna dos outros”, é uma praga dos nossos dias, embora se saiba que nao é nova.
Curiosa essa separação social e econômica
Bela avenida”…. tem o jeito de algumas avenidas de cidades do norte da Europa como Amsterdam. Esse calçadão é bem charmoso
Ahhh esse Green Park é fenomenal. Lindo. Merece um pôster daqueles grandes hah.Lindissimos esses tons amarelados, muito bonitos, embora nostálgicos.
Interessantes essas histórias e estorias..
Não sabia que os irlandeses gostavam tanto de livros, nem dessa versão irlandesa dos evangelhos. Muito bem meu jovem. Vivendo e aprendendo.
Pomposa, essa Universidade. Que belo campus. Muito bonita, particularmente pelo estilo da arquitetura, lay out do campus e pelo belo tom bege combinando com o verde da grama e os românticos lampiões. Muito bonita.
Nossa, que escrita diferente, mal da para se perceber que é que é Latim, Muito charmosa. Parece mesmo a escrita de livros de RPG. Sempre achei aquela escrita bonita, Sabia que era antiga mas não sabia a origem. Obrigada pela informação. O amarelado do papel tem o seu charme.
Que espetáculo essa biblioteca. Não foi alguma parte de filme rodado nela não? Ela é familiar. Maravilha do trabalho e da cultura humana. Linda
Haha adoro essas historias e suas superstições. Estudante curte tudo isso.
Nossa que beleza esses locais, que maravilha, quanta luz, parece dia. E essa luz amarelada é muito charmosa. Que movimento, e que juventude bonita. No me gusta mucho porque são fechados mas é um deslumbre para os olhos. Lindos.
Muito charmoso este estilo antigo também. Os jovens devem amar. Um clima bonito, charmoso, bem iluminado por fora e convidativo.
Hahaha avemaria haha so Mairon Polo para achar um domingo de sol perfeito para ir a um recanto fúnebre desses haha Deus me livre. Nem de cemitério eu gosto haha
Esse O’ Connell tem o nome conhecido na história mas não saberia dizer d’aonde. Não sabia que havia inspirado Gandhi nem Luther King. Muito boa informação.
Momento muito interessante. Singular para católicos.
Muito boa postagem. Muito interessantes país e povo. Muito gostosa a historia e o espirito irlandês tambem. Pontos altos: o maravilhoso conjunto arquitetônico do Governo ou a Suprema Corte, a esplendorosa Biblioteca com o Trinity College e o bucólico Green Park. Belissimos. Gostei. Prazer em conhecê-la Irlanda. Instigante. Valeu a postagem..