A Irlanda é famosa na Europa por suas paisagens bucólicas, sobretudo este oeste do país. É como se aqui você finalmente encontrasse aquele autêntico verde do espírito irlandês, aquela alma celta, a natureza dos campos tranquilos, aquela beira-mar vazia, sem ninguém, e ruínas de pedra na neblina. Uma quietude que faz você se sentir em As Brumas de Avalon ou em alguma cena New Age.
Eu cheguei aqui após poucas horas de trem desde Dublin, a capital irlandesa. A pequena cidade de Galway faz as vezes de cidade mais importante nesta costa oeste. Era inverno, e todo o lugar parecia adormecido. Ainda que houvesse pessoas nas ruas e nos onipresentes bares irlandeses, parecia haver uma força maior e invernal no ar que ditava que tudo ficasse quieto. Perceba a atmosfera das fotos.



Nestas voltas pela cidade, você não deixa de perceber a característica mistura irlandesa entre cristianismo católico e passado celta.



Os irlandeses, é claro, aproveitam-se de todas as maneiras do seu passado celta. Não faltam lojinhas de souvenirs ou esotéricas vendendo amuletos e livros sobre misticismo dos antigos celtas, jóias inspiradas no poder mágico dos druidas (sacerdotes da antiga religião celta), etc. Fala-se dos baianos, mas os irlandeses adoram uma mandinga.
Pra sentir mesmo esse astral, no entanto, é preciso ir ao campo, à natureza. De Galway qualquer albergue ou agência organiza passeios diários à região de Connemara ou aos Penhascos de Moher (é, o nome é esse, auspicioso assim mesmo), passando por ruínas medievais.
Os Penhascos de Moher (Cliffs of Moher) são rochedos a beira-mar. Daqui os celtas antigos olhavam para oeste, para o que chamavam de “Mar Ocidental” (o Oceano Atlântico), e imaginavam ser este o fim do mundo dos vivos. Lendas recheavam a sua imaginação acerca do que havia mais a oeste. Uma das crenças é que havia ilhas habitadas pelos espíritos dos mortos mais além.



A chuva me pegou, daquelas que vêm rápido e que você sabe que vão te pegar. Aqui na Irlanda, a chuva parece estar sempre à espreita.
O mesmo foi em Connemara, aonde fui no outro dia. Connemara, pouco famosa no Brasil, é uma região da Irlanda muito conhecida Europa afora pelos seus lagos e paisagem bucólica. Parece cenário de Game of Thrones ou de alguma outra obra de fantasia — mas algo sóbrio, sem aquela grandeza das paisagens neozelandesas de O Senhor dos Anéis.






No caminho, nós visitamos as ruínas de um mosteiro franciscano do século XIV. É do jeito que você imagina, como aqueles castelos de pedra da Idade Média.




(Estas fotos me fazem sentir saudade de vestir o meu casaco de inverno.)
Nós demos uma volta e almoçamos num pub vazio à beira da estrada, com piso de madeira e ambiente úmido. Comi uma posta de peixe com creme e aspargos cozidos, enquanto que meus comensais foram num bife amolecido na cerveja preta. Coisas da Irlanda.
Voltaríamos depois à pacata Galway, que apesar de ter casas e mais casas construídas, de certa maneira parecia tão quieta quanto estes campos.

EPÍLOGO
Esta viagem à Irlanda não foi muito longa — embora às vezes, na quietude dos lugares, me parecesse longa o bastante. Eu, após poucos dias em Galway fazendo estas visitas no oeste irlandês, tentaria retornar a Dublin para em tempo pegar o meu voo de saída.
Não consegui. Haveria uma partida de rugby em Dublin, e a cidade estava lotada. Não havia lugar nos albergues. Tive que me virar e conseguir uma família que me albergasse em Swords, um distrito de Dublin, por assim dizer.
Lá conheci Mr. Beagles, e dormi no quarto mais cor-de-rosa de todas as minhas viagens.


Minha estadia aqui foi curta. Num domingo de manhã, eu zarparia ao aeroporto de Dublin para pegar o meu voo de volta a Amsterdã. Contudo, a adrenalina seria muito maior que a imaginada.
Eu não tinha voo ainda marcado para o Brasil, e neste momento estava apenas numa estadia curta na Holanda, sem cartão de residente. A mequetrefe da Aer Lingus, cia nacional irlandesa, decidiu que não me embarcaria a menos que eu apresentasse uma passagem de saída da Europa. Ah, como são deliciosos esses momentos…
A funcionária corriqueiramente apontou-me o computador público, que eu poderia usar por um preço, e disse-me que voltasse ao balcão com uma passagem impressa. De quebra, o meu cartão de crédito recusava-se a funcionar nos sites onde eu havia achado passagem. Foi a glória.
Pus-me a ligar para amigos meus em Amsterdã às 9h da manhã de domingo para ver quem poderia comprar-me uma passagem de avião. Achei uma no ônibus indo para algum lugar (e perguntando-me como iam as coisas) e vários dormindo. Por fim, achei Raluca, uma amiga romena.
Nada como aquela emoção de iniciar a ligação telefônica com um: “É uma emergência. Depois eu explico. Preciso que você compre uma passagem de avião pra mim.”
“Pra onde?“, indagou ela. (Ainda bem que ela é do tipo que está sempre de prontidão, em vez daquelas que fazem mil perguntas.)
“Marrakech“, respondi. (Se ela teve perguntas, as deixou para fazer depois.)
Por sorte eu já tinha uns planos de viagem na mente (como sempre), embora não tivesse planejado realizá-los assim, de supetão. Para corroborar a Lei de Murphy, faltaram-me moedas para pôr na impressora, que me cobrava a bagatela de 3 euros por página. Corri ao andar de cima e comprei um suco de caixinha na loja só para obter troco. Obtive, e paguei a impressão mais cara da minha vida.
Em tempo, retornei ao balcão da Aer Lingus onde a infeliz funcionária aguardava para liberar o meu embarque. Conformou-se com minha passagem a Marrakech, pra dali a duas semanas. (Viria a ser uma das viagens mais memoráveis de minha vida.)
Até a próxima, Irlanda. (Caso não tenha visto ainda a minha viagem pelo Marrocos, eu a relatei aqui.)
você é mesmo cidadão do mundo não conheço a Irlanda más gostaria muito de conhecer tem histórias encantadoras e lugares espirituais fantásticos.