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Espanha

Uma Espanha autêntica: Valencia, a cidade da paella

Valencia mostra uma Espanha autêntica. Pouco turística, a cidade que inventou o prato espanhol mais famoso do mundo se foca em si mesma. Esqueça as hordas de turistas. Valencia é uma cidade movimentada, mas movimentada por espanhóis. Graffiti nas ruas dividindo espaço com igrejas mui católicas, cafés servindo café con leche, e pernas de porco dependuradas nos bares — tudo à moda espanhola.

O toque regional é dado pelas coisas escritas em valenciano nas ruas. Como capital da Comunidad Valenciana (uma das 17 “comunidades autônomas” que compõem a Espanha), Valencia é próxima de Barcelona, capital da vizinha Catalunha. Ambas eram parte do reino medieval de Aragão. Sua língua, portanto, é praticamente idêntica ao catalão, mas aqui eles gostam de dizer que é “valenciano”.

Na prática, todo mundo aqui fala tanto o castelhano quanto o catalão/valenciano. (Mas não chame castelhano de “espanhol” aqui, ou eles te corrigirão. Chamar seu castelhano de “espanhol” foi a política de Madrid para obliterar as línguas regionais, e eles aqui reagem.)

E na prática, Valencia é quase uma Barcelona sem turistas. É para quem quer dar uma pausa no turismo e experimentar um pouco do dia-dia normal na Europa.

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O que seria a rua Calle de San Pablo em castelhano vira Carrer de Sant Pau em valenciano.

Cheguei aqui a Valencia de trem, vindo de Barcelona. Era uma manhã fresca e ensolarada de primavera, daquelas boas pra se sentar a uma mesa na calçada tomando vagarosamente um café.

Havíamos, eu e minha amiga romena, reservado um apartamento de Jesus, um espanhol. (Este Jesus terminou sendo até parecido com o original, e era simpático.) Nós ficamos à beira da cidade antiga, no centro de Valencia, a parte mais interessante de visitar.

Valencia é uma cidade pacata, que parece melhor pra morar do que pra visitar como turista, mas que não deixa de ter seus atrativos.

Além disso, aqui pudemos ir à praia comer paella no almoço à beira-mar, como fazem os espanhóis. (Comer paella na janta é coisa de turista, dizem os valencianos, inventores do prato.)

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A tranquilidade em Valencia, convidando a uma vagarosa xícara de café na calçada.

Curiosamente, nós sem querer acabamos começando a visitar pela parte feia do centro (no oeste), que depois nos recomendariam evitar. É hoje uma área meio largada, povoada atualmente por mendigos e viciados em drogas. Não é exatamente a cracolândia, mas você percebe a vibe. É algo que acomete muitas das cidades europeias com suas populações de excluídos.

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A parte “acabada” no centro de Valencia. Hoje parece habitada por muitos imigrantes pobres, tanto do leste europeu quanto da África.
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“Nenhum ser humano é ilegal”.

Mais para o miolo do centro as ruas ficam mais cênicas, o casario melhor preservado, e há mais movimento. Estávamos achando Valencia sem graça, mas fomos mudando de opinião.

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Ruelas quietas do centro de Valencia. Como eu disse, não há hordas de turistas aqui.
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Ruas tranquilas.
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Mas não ache que é tudo parado. Há aquele movimento “família” de dia de domingo, sobretudo quando se aproxima o fim do dia.
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Fim de tarde em Valencia, com famílias passeando.

Da tranquilidade vocês já se convenceram. Mas há em Valencia também coisa bonita pra ver. Não são monumentos como a Sagrada Família em Barcelona, mas merecem atenção.

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A catedral de Valencia.
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O interior da catedral.
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Sua abóbada.
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O popular Mercado Central, também com sua abóbada.
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O Mercado Central lembra um pouco o de São Paulo, e acaba sendo um lugar legal de visitar e onde fazer um lanche. (Só abre de manhã.)

Demos umas voltas e fomos finalmente almoçar, na praia. Mas o programa de “praia” aqui na Europa é diferente do brasileiro. Se no Brasil vamos quase sempre pegar um sol, entrar no mar e curtir as ondas, aqui na Europa em geral não há ondas, e quase sempre a água está muito fria. Acaba sendo mais um programa de curtir a orla tomando um drinque ou café à beira-mar, olhando a água e tomando uma brisa ou sol.

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Tonho da Lua esteve aqui fazendo esculturas de areia.
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Calçadão na praia de Valencia. É deveras quieto, nada comparado às movimentadas praias urbanas do Brasil. Acho que aqui acaba sendo um reduto de verão, mas que fica semi-vazio no resto do ano.

Mas não viemos exatamente pela praia, e sim pela paella.


A paella é uma espécie de risoto espanhol feito com mariscos, legumes e azeite de oliva. É sempre feito numa panela específica (a paellera), larga e rasa, onde é também servida pra várias pessoas (não há paella individual), e o arroz fica ainda ligeiramente crocante.  


A origem é das refeições comunitárias e de família do medievo. Os árabes trouxeram o cultivo do arroz da Ásia para a Espanha no século X, e a partir daí os camponeses o misturaram ao azeite de oliva e legumes da região. Com o peixe e mariscos, os cristãos daqui depois adotaram o prato como algo que podia ser comido na quaresma, quando os cristãos em geral evitam carnes. 


Há hoje versões diversas, com frango e até coelho, mas optamos pela clássica.

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A nossa linda paella com camarões, servida tradicionalmente na própria panela.
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Esta foi, em 1992, a maior paella do mundo, feita aqui em Valencia com cinco toneladas de arroz. Alimentou 100 mil pessoas.

Comemos tranquilamente com alguns outros poucos turistas — inclusive um espetaculoso casal italiano gay, desses italianos esportivos com espírito de celebridade que fazem galhofadas e usam óculos escuros dentro de restaurante. Casa cheia, mas nada daqueles grandes grupos de turistas. Os turistas aqui são quase todos viajantes independentes.


Ao fim do dia, encontrar-me-ia com María (ou María del Carmen, como ela não gosta de ser chamada), uma amiga valenciana.


Fomos dar umas voltas na cidade, comer tapas e, depois, expor-nos a umas sobremesas malignas. 

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Com María, e atrás um pouco do patrimônio arquitetônico de Valencia.
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Agora de outro ângulo. Casario da época da Espanha imperial.
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Arte mais moderna. Cantora numa panela de paella. Criatividade valenciana.
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Tapas, petiscos típicos de fim de dia na Espanha. Aqui temos queijos, pão, patatas bravas e os onipresentes presuntos, que os espanhóis adquiriram o hábito de comer há séculos atrás para distinguirem-se dos judeus e muçulmanos (que não comem porco).
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Olhe que coisa mais maligna esse bolo. Sem comentários.

Valencia acabou sendo uma estadia tranquila e sossegada — de caminhadas pela cidade, cafés aqui, beliscos ali, rever amigos e passar um tempo leve. Seria muito diferente do que me aguardaria dali a poucos dias na Tunísia, norte da África, de volta ao mundo árabe. 


Deixo vocês agora com algumas fotos do Jardín del Turia, um leito de rio transformado em parque municipal, e mais do passeio por lugares bonitos de Valencia.

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O Jardín del Turia, um extenso parque feito nos anos 60 sobre o que era o leito do Rio Turia. Após uma grande inundação em 1957, os valencianos decidiram desviar o curso do rio para fora do centro da cidade, e aqui fizeram este parque. Embora a ação ecológica seja discutível, o parque é amplo e aprazível.
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Um dos portões medievais da cidade. Antes havia o rio na saída, agora há aquele parque.
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Na Cidade de Artes e Ciências. É mais um museu interativo, desses onde vão turmas da escola aprender sobre ciências. O exterior é de acesso livre e muito bonito.
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Raluca e eu tomando uma horchata de uma tia latino-americana que encontramos. (Horchata é uma bebida fria e levemente doce feita de amêndoas, arroz ou outras sementes. É típica em países de língua espanhola.)
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Tomando um chocolate na tradicional Horchatería de Santa Catalina, que é chocolateria também.
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A autêntica Valencia.
Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

4 thoughts on “Uma Espanha autêntica: Valencia, a cidade da paella

  1. Uma bela e charmosa cidade, com interessantes monumentos, um gostoso calçadão à beira mar. Adorei a tranquilidade da cidade, o charme e os aprazíveis locais de pontos de encontro.. Ruas com belas construções, pracinhas lindas e românticas, belíssimo portal medieval, interessante parque sobre o leito do rio. e o arrojado teatro. Muito bonita a cidade.
    Gostei muito tambem da catedral com suas belas cúpulas e soberba arquitetura. Linda!…As guloseimas e a paella parecem ter sido um dos pontos altos da bela cidade. Muito charmosa. Gostei muito.
    Ótima referencia à cultura valenciana , em particular ao habito de comer carne de porco para mostrar que não eram muçulmano. Uma verdadeira aberração feita pela igreja. Muito bonita a região. Parabéns.

  2. Ah!.. esqueci de comentar sobre o merccado. Adoro esses locais onde se pode encontrar como diz uma amiga, ” tudo de bom” e com um preço accessivel, alem da diversidade e do contato com o povo, seus hábitos e costumes. Muito legal.
    Suas expressões são um show à parte. haha

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