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Tunísia

Sidi Bou Said (Tunísia): Às margens do Mar Mediterrâneo, no lado africano

No dia seguinte à minha ida às ruínas de Cartago, eu voltaria a tomar o trem metropolitano TGM na mesma direção, desta vez para ir a Sidi Bou Said, um vilarejo um tanto pitoresco na beira-mar tunisiana. Eu queria conhecer o Mar Mediterrâneo neste lado de cá, da África.

Sidi Bou Said fica no fim de linha do TGM, a uns 40 minutos da capital Túnis. É um vilarejo todo em azul e branco, como as ilhas gregas, mas neste caso com casinhas tradicionais árabes do século passado. As casinhas se parecem com aquelas de bairro de cidade do interior. Há ruelas de calçamento em pedra, e muitas lojas para turista.

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Sidi Bou Said.
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Jeitão geral da cidadezinha, ainda antes da parte mais turística. Cara de cidade do interior.

No dia anterior, eu havia retornado ao centro de Túnis e, após o almoço, comprado um doce de rua onde acho que a vendedora me enrolou. Foi uma goma doce com avelãs e pistache. Aquela compra que você paga por automatismo e depois se pergunta: “Peraê, isso não foi mais caro do que deveria não?“. Esse doce eu levaria dias e dias para terminar; ainda bem que era tão doce que eu sabia que ele não estragaria.

Fui a Sidi Bou Said numa manhã e, decerto, busquei logo o meu café. Acabei entrando para tomar o meu espresso das 11h numa bodega masculina empoeirada e com ar de cenário de filme de tiroteio.

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O meu honroso doce de frente a uma mercearia de Sidi Bou Said.
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O meu sorrateiro café em Sidi Bou Said.
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As cafeterias aqui na Tunísia frequentemente são assim. Perceba o glamour ali das cartas de baralho jogadas.

Café tomado, fui caminhar pelas ruas e ruelas de casas brancas e azuis, imperturbado pelos vendedores das lojas, devido à minha cara de árabe. Acho que passei por tunisiano.

Não há nenhum ponto específico a ver; basicamente o charme de Sidi Bou Said é o lugar como um todo.

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Ruas em Sidi Bou Said.
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Ruelas com lojas de arte.
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Laranjeiras e bares com mesas nas ruas. O lugar é muito tranquilo.
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Ruas em Sidi Bou Said.
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Uma porta em estilo tradicional árabe.

“Sidi Bou Said”, curiosamente, é o nome de um santo islâmico. Siiiim, o Islã tem santos, da mesma maneira que o cristianismo. E tal como no cristianismo, há brigas seculares entre os que acham apropriado reverenciar pessoas de comportamento religioso exemplar e aqueles que acreditam que isso é heresia. 

Abu Said Khalaf ibn Yahya el-Tamimi el-Beji (1160-1231 d.C.), mais conhecido como Sidi Bou Said, foi um estudioso e sábio medieval muçulmano aqui desta região. Estudou todo o Alcorão, o livro sagrado islâmico, e depois dedicou-se às ciências e à filosofia, como faziam muitos dos outros escolásticos islâmicos de seu tempo (ver Córdoba, sua catedral-mesquita e a linda herança moura de Al-Andalus). Retirou-se posteriormente da vida social e veio habitar estas colinas onde hoje fica o vilarejo que recebeu o seu nome. Aqui depois viveriam muitas personalidades, inclusive o francês Michel Foucault quando lecionou na Universidade de Túnis.

Como intolerância não é privilégio de um lugar ou dois, em 2013 fundamentalistas religiosos queimaram o mausoléu de Sidi Bou Said, que no momento está sendo restaurado.

Eu por ali caminhei e fui até os mirantes voltados para o Mar Mediterrâneo, vê-lo aqui talvez mais esverdeado do que o azul-cobalto em que se apresenta no sul da Itália ou na Grécia

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Ruas de Sidi Bou Said, no alto, com vista para o mar lá ao fundo.
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O Mar Mediterrâneo, esverdeado aqui na costa da Tunísia.
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Jovens árabes sentados conversando de frente para o mar.
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E eu aqui em cima, na tranquilidade.

Vi muito mais jovens tunisianos dando um passeio que turistas estrangeiros.

Este era o último dia desta minha estadia na região de Túnis. No dia seguinte, tomaria o trem em direção ao sul da Tunísia, para instalar-me uns dias na cidade de Sousse.


EPÍLOGO

Ao retornar ao meu quarto de hotel em Túnis, à tarde, encontrei-o com a porta aberta, uma camareira saindo de lá. Era uma tia magra de seus 40 anos, uma daquelas pessoas de sorriso feio mas bastante alegre. 

— “Eu vim repor o papel higiênico”, disse ela explicando-se. 

— “Shukran”, agradeci eu em árabe para ser gentil. 

Vendo a minha cara de árabe, ela então disse algo que eu não compreendi. E ficou ligeiramente surpresa de eu não ter compreendido. (O francês dela não era muito bom, e ela jogava umas — várias — palavras árabes no meio.) Fazia com a mão no próprio rosto como quem queria dizer que eu tinha cara de árabe. 

— “É, eu sei”, comentei eu animado. “Eu tenho cara de árabe mas sou brasileiro. Infelizmente não entendo nada de árabe. Só sei shukran, , e salam.

— “Ah, ele fala como marroquino!“, reagiu ela empolgada, como se estivesse diante de uma criatura fantástica que acabava de quebrar a rotina chata do trabalho.

Ela ali é do Marrocos”, continuou ela animada apontando pra o corredor, referindo-se à outra camareira do lado de fora. Esta outra era uma senhora já de seus 50 anos, um pouco mais pesada e mais morena. Chegou à porta do meu quarto e olhou pra dentro pra “ver o que era aquilo”, e me encarou curiosa e também animada, embora não tivesse o sorrisão (feio) da outra.

— “Foi, eu passei um tempo no Marrocos.“, disse eu. “De qual cidade é a senhora?”, perguntei à outra camareira.

— “Casa”, que é como os marroquinos normalmente se referem a Casablanca.

— “Eu fui a Casablanca”, disse eu sorrindo.

— “Ficou em qual hotel?”, perguntou ela com ar de quem já havia trabalhado em hotéis lá e queria checar se eu porventura havia ficado num onde ela havia trabalhado. “No Hyatt?

— “Nããão, o Hyatt é muito caro“, respondi eu com aquele tom de “tá louca”. “Fiquei num perto da estação. Mas eu fiquei mais tempo mesmo foi em Marrakech, perto da Djamaa El Fna.” 

A esta altura elas já estavam empolgadíssimas, a marroquina explicando à do sorrisão o que era a Praça Djamaa El Fna. Daí apertou a minha mão com força, vindo de longe pra fazer impacto, no melhor estilo “Venha, negão!” das periferias da Bahia.

Saiu, e a outra ficou me encarando ainda sorrindo. 

Mil coisas passaram pela minha cabeça. 

A outra, marroquina, então chamou-a com aquele tom de “Vamos, mulher, vai ficar aí é?”

Como ela estava do lado de dentro do quarto, tive que ficar ali sorrindo esperando ela sair, ao que ela falou alguma coisa em que só entendi “pizza” e “dinheiro”. Acho que queria gorjeta por ter, supostamente, trazido pizza no serviço de quarto aqui a alguém que não foi eu.

— “Não, não fui eu quem pediu pizza, não”, respondi sorrindo.   

E elas se foram. 

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

One thought on “Sidi Bou Said (Tunísia): Às margens do Mar Mediterrâneo, no lado africano

  1. Ora ora que pitoresco,!…interessante o povo simples!… sempre espontâneo e feliz independente da situação.
    E que maravilha de paisagens, de cidadezinha de mar de cores, de céu e de brancas e deliciosas casinhas. Charmossinha a cidade..eita mediterrâneo maravilhosos, lindo, com suas belas águas e sua rica história.
    Belíssima essa cidadezinha, fofas as casinhas azuis e brancas, marcantes nessas regiões e terras do seu entorno. Lindas paisagens Parece com Santorinni!…. Exceto pelo mar que lá é azul cobalto e ai é verde água. De toda forma lindisssimas, colírios para os olhos.
    Que gostoso apreciar essas belas nuanças das diversas regiões e suas preciosidades. Ótimo ter a oportunidade de viajar assim pela ”pena” e câmera do viajante brasileiro Adoro a região e essas postagens..Valeu . Ficou um gostinho de ”quero mais” hah até a próxima!……

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