— “Você é casado?”, perguntou-me a guia egípcia.
— “Não.”
— “Por que não?”, indagou ela num tom de estranheza, como se eu tivesse dito que não como arroz.
A guia devia ter uns 35 anos. Era cristã, portanto não cobria os cabelos. (Uns 10% dos egípcios são cristãos, de tradição mais antiga que a europeia. Os outros 90% são islâmicos.) Era mais simpática que bonita, casada e com dois filhos.
Foi uma das raríssimas mulheres com quem interagi ao longo destas semanas aqui no Egito. Se eu juntar todas, não enchem os dedos de uma mão. Lidar quase exclusivamente com homens foi um dos pontos mais baixos da minha experiência aqui no país. Este interior então, é ainda mais tradicional que a capital.
Estamos em Luxor, à margem do Rio Nilo, no miolo do país. O sol queima mais que no Cairo, pois estamos rumando à linha do equador África adentro — e, detalhe pequeno, estamos rodeados pelo deserto aqui.

Luxor ou Al-Uqsur (“os palácios”), como batizada pelos árabes quando eles conquistaram esta região na Idade Média (e você aí achando que “Luxor” era um nome da época do Egito Antigo…), é uma cidade muitas vezes menor que o Cairo.
Ela é uma simples e pobre cidadezinha do interior, mas com seu charme por causa do Rio Nilo, e parada obrigatória ao turista pelas muitas “luxúrias” da época do Egito Antigo (pois aqui ficava a famosa capital Tebas, da antiguidade).
Mas a Terra já girou muito de lá pra cá…

As ruas são todas empoeiradas e sem calçamento, exceto pelas “avenidas” principais. Carros estacionados às vezes têm uma capa cobrindo-os inteiramente para escapar da poeira. Os homens circulam de mantos longos cinzentos, e as mulheres (muçulmanas) em mantos sempre com véu. Os homens mais modernos usam jeans e camisa ocidental — adulto de bermuda, no mundo árabe ou na Índia, jamais.
Cheguei à noite nesse ambiente depois de 12h num trem desde o Cairo e, sorte minha, havia um homem do albergue me esperando à estação, mesmo com um atraso de 90min do trem. Levou numa boa, disse estar acostumado. Ziguezagueamos por ruelas e becos como os das periferias do Brasil, com um e outro a me olhar com meu mochilão nas costas. (Sem a mochila, tomavam-me por árabe e ninguém me perturbava. Nenhum olhar, exceto ocasionalmente quando eu estava de bermuda, pelas minhas obscenas pernas desnudas.)





Você vê turistas pelas ruas, mas muito menos do que antes desta onda de terrorismo atual. Estimaram pra mim aqui que o número de visitantes está cerca de 20% do que era antes, antes da queda do ditador Mubarak e da disputa de vários grupos pelo poder. Apesar disso, não senti aqui sinais de crime nem de violência. O que há é “esperteza”, então olho vivo.
Quando caminhei na rua com um canadense branco que estava no mesmo albergue que eu, não passamos 5 min sem alguém oferecer algum serviço: tours, passeios de charrete, acomodação… o que você imaginar. Diz a lenda que, como agora há menos turistas, eles estão mais insistentes e careiros com os poucos que encontram, mas não tenho como comparar.
Cuidado com a malandragem típica. Queriam me cobrar 10 libras egípcias por coisas que — eu perguntei a um e a outro — normalmente custam uma libra apenas. (Com o canadense, ele me contou, ele aceitou um passeio de charrete por “10 libras”, e no final quiseram cobrar dele libras esterlinas britânicas. Hah! Ele me disse que acabou fechando em 5 dólares. Olho aberto.)

Numa dessas noites eu saí para comer e, disfarçado de árabe, entrei num shopping pequeno, desses populares, com praça de alimentação e televisão ligada.
Adoro me misturar aos locais, e me sentei pra tomar uma coca-cola com rótulo escrito em árabe e comer alguma bobagem fast food. Só que fast food no Egito não tem nada de fast, só é fast food na (baixa) qualidade habitual. O atendimento leva eras. Você se senta, assiste à bobeira que está passando na televisão, e até se esquece de que havia pedido lanche. Uns 20 minutos depois, ele fica pronto. (Faz você sentir saudade da relativa rapidez dos serviços no Brasil.)
Depois eu descobri um restaurante chamado Sofra, muito bom.




Eu nos posts a seguir relatarei em detalhes as minhas visitas aos templos, tumbas e monumentos egípcios antigos daqui. Por ora, deixem-me terminar de apresentar Luxor com mais do agradável passeio de barco que fiz num fim de tarde pelo Rio Nilo.
O passeio foi numa feluca, barco a vela tradicional árabe e há séculos usado para navegar aqui o Rio Nilo.
Caso você esteja pensando nos notórios crocodilos egípcios, nada tema. Hoje em dia eles já não estão mais aqui. Desde a construção da Represa de Assuã no sul do Egito nos anos 1960, os crocodilos nunca descem o rio para além dela. (Essa represa foi também o que deteve as históricas enchentes do Rio Nilo.)
Ver do Rio Nilo o pôr-do-sol por detrás das palmeiras com o deserto ao fundo é épico.



Fiz inclusive um pequeno vídeo, pra vocês sentirem a tranquilidade.


Mairon, olá!
Encontrei aqui por acaso pesquisando como ir para Luxor. Obrigada por compratilhar sua viagem!
Gostaria de saber se acha perigoso para mulher andar por Luxor. Reparei que na maioria das fotos que achei, se não em locais turísticos, mal vejo mulheres. E também se há uma obrigatoriedade de cobrir a cabeça, se implicam, enfim.
Oi Jessyca!
Bem vinda à página! Eu vou te dar uma resposta franca, sem esconder as coisas como às vezes os guias e páginas de viagens fazem. Os homens egípcios são talvez os mais insuportáveis do mundo em matéria de cantadas, insistência, flerte, essas coisas. Luxor, como é turística, é repleta de vendedores, cocheiros oferecendo passeio de charrete a todo turista que vê, etc. Você deve se preparar para lidar com isso. Por outro lado, não, não há obrigatoriedade de cobrir a cabeça, e eu achei a cidade relativamente segura. É verdade que aqui, como é bastante tradicional (mais que o Cairo), as mulheres saem menos na rua e você vê principalmente homens, mas volta e meia você as vê.
Eu, se fosse mulher, evitaria andar sozinha à noite. No mais, vá com tranquilidade. (Só se prepare para ignorar os chamados e as eventuais cantadas.)
Não deixe de ver também o meu “pacote” de dicas para o Egito 🙂
http://maironpelomundo.com/2017/01/05/egito-dicas-de-viagem-lugares-pra-ver-e-o-que-fazer/
Nossa, estou boquiaberta com a beleza do Nilo. Que águas tranquilas, calmas, que belas palmeiras… Lindas as ruínas de Al-Uqsur. Adoro essas curiosidades e os detalhes históricos que só se acham aqui. haha.
Este crepúsculo está divino. O dourado do sol iluminando e céu e refletindo nas belas e serenas águas do portentoso rio Nilo, são um espetáculo digno do Criador. Magnificat..
a cidade iluminada fica bem bonita. Sempre acho lindas essas Mesquitas em particular à noite. A praça é bonitinha. Vê-se que o povo é empobrecido.
Achei o ”sofra” muito simpático e a comilanças pelo visto foi 10.
Muito boa postagem!… Essa terra é um encanto!… Lindo o Nilo sagrado, testemunho de tantas historias e de História. Valeu viajante. quero ver mais. Abração. Adoro essas viagens pelas suas andanças..