Aswan — ou Assuã, ou ainda Assuão em Portugal, mas opto aqui pela grafia usada pelos próprios egípcios — é a principal cidade do sul deste país. Uma cidade grande, diga-se de passagem. Não se trata de uma cidade turística pequena, onde tudo se faz a pé, como Luxor. Aswan é uma cidade relativamente moderna, de grandes distâncias inconvenientes, e algumas jóias importantes aqui e ali por ver.
Quando cheguei, estava retornando de Abu Simbel, aonde fui de manhã bem cedo após me levantar às 2:30h da manhã e deixar para trás o navio que havia me trazido aqui Rio Nilo acima desde Luxor. Minha bagagem havia ficado no navio ancorado no porto, e eu a resgatei por volta das 1h da tarde. O sol estava queimando o juízo. (Este sul do Egito é muito mais quente que o Cairo.)
Pus-me à beira da avenida, com o meu mochilão nas costas, para pedir táxi. Não há transporte público, praticamente. Eu, de sabido, perguntei antes a alguém da tripulação do navio quanto custaria mais ou menos um táxi até o vilarejo núbio de Gharb Sehel, nos subúrbios de Aswan, onde eu ficaria hospedado. “Umas 40, 50 libras egípcias“, haviam me dito. Esta acabaria por ser a corrida de táxi mais malaca, mais irritante da minha vida.

As 40 a 50 libras egípcias são o equivalente a uns 10 reais, o que é barato. Os custos para turista é que são todos inflados. Quando passou um táxi, eu acenei. Parou o carro um pouco mais à frente, e eu o alcancei. Dentro, dois homens, um no carona e o outro o motorista, perguntaram aonde eu ia. Perguntei se eles sabiam chegar ao vilarejo núbio, e me deram o preço de 50 libras. Eu tentei pechinchar, mas o carona (que parecia ser amigo do motorista), foi logo cortando: “Não, não. Não tem isso não. São 50 e pronto.” Ok, estava dentro da minha expectativa ainda.
Mais à frente, o carona foi embora. O motorista seguiu, eu no banco de trás. Não demorou ao motorista, que falava um inglês quebrado, começar com arte.
— “My friend, vilarejo núbio?“
— “Sim“, confirmei monossilábico, desconfiado que sou das artes de taxistas.
— “É longe. Eu acho que 200 libras pra ir e voltar.“, prosseguiu ele.
Meu sangue começou a subir.
— “Não. Eu não vou voltar. E nós acertamos por 50“, disse eu.
— “Excuse me, my friend. Vilarejo núbio são 100 pra ir e 100 pra voltar.”
— “Se você queria 100, tivesse dito antes, e eu iria com outro táxi. Nós acertamos por 50.“
De repente ele adentra por umas ruas poeirentas, da foto acima, e pára num boteco de esquina. “Excuse me, my friend“, dizia ele sempre com o mesmo tom de voz, e desceu do carro. Cada vez que ele dizia “excuse me, my friend”, minha raiva aumentava.
Voltou com dois sucos de caixinha sabor manga, voltou ao seu assento e me deu um no banco de trás. “Eu não quero, eu quero que você me leve ao vilarejo núbio e pronto“, disse eu já ríspido. Ele fez-se de desentendido e insistiu; perfurou a minha caixinha com o canudo e entregou-me pra beber. Eu recusei novamente e pus a caixinha no banco vazio do carona, ao que vi finalmente um primeiro sinal de desagrado na cara dele.
Seguimos caminho. Ele chupou seu suco de caixinha e largou. Descemos por mais ruas empoeiradas, e não demorou a ele recomeçar com a ladainha de que eram no mínimo 100 libras para ir. Começou a pedir direções às raras pessoas nas ruas, e de repente me dei conta de que ele estava também falando algo sobre mim, pois no meio da conversa em árabe as pessoas (sempre outros homens) me olhavam no banco de trás.
O mequetrefe do motorista estava arrebanhando apoio, pra me dizerem que era mesmo o preço que ele estava querendo cobrar. “Excuse me, my friend“, trocava ele para o inglês de repente, e começava com algo para a pessoa ao lado de fora tipo “diga a ele como são mesmo no mínimo 100 libras para vir ao vilarejo núbio.” Ah, não prestou. Numa dessas vezes, dei uma baixa tão grande no taxista que o homem do lado de fora só deu um sorrisinho do tipo “é, cara, ele tem razão”. Em Roma, faça como os romanos; apelei para a quebra de protocolo dele diante dos valores árabes. Falei da sua péssima hospitalidade, estragando meu primeiro dia de experiência aqui no sul do Egito, e a falta de palavra dele como homem, que um homem que se respeite tem que ter palavra, etc.
Resignou-se. Quis me deixar em qualquer lugar ali, e eu insisti para que ele cumprisse o que disse que faria, de me deixar na porta da pousada. Perguntou rapidamente a mais um e a outro, achou, me deixou, eu paguei com a quantia exata (pois não sou otário, era capaz de ele ir embora com o troco), e só faltei mandar ele para a P que o pariu com o seu suquinho de manga.



Um calor hediondo de 43 graus tomava conta, acompanhado de uma grande quantidade de moscas. (Eu aguento, mas o meu computador eu já não garantia…) Como dizia o marcante personagem no filme Diamante de Sangue: “T-I-A, This is Africa”. Isto é a África.
E o que raios você foi fazer aí?, podem me perguntar. Bem, Aswan não tinha exatamente um rol muito grande de boas opções de acomodação, pra começar. Segundo, já que eu estava vindo ao sul do Egito, não quis deixar de conhecer mais de perto os remanescentes da antiga Núbia, os negros do Egito de hoje, de quem falei no post anterior. E nada melhor para conhecer do que ficar entre eles e ver tudo de perto.
Já mostrei naquele post as belezinhas deste vilarejo núbio de Gharb Sehel que, apesar de muito pobre, mostra a você um pouco da arte núbia e de seu povo.
Acertei com Mohammed, o prestativo funcionário-chefe da pousada — um rapaz moreno de 23 anos, fumante e de voz grossíssima como se fosse uma entidade do além — que um motorista me levasse a Aswan para conhecer o famoso Templo de Philae, à deusa Ísis, e ao Museu Núbio (mostrado no post anterior) em Aswan. Taxistas, no Egito, nunca mais.




As ilhotas neste ponto do Rio Nilo foram, durante muitos séculos, o ponto de fronteira entre o Egito e a Núbia, onde se realizavam as trocas e o comércio. Aqui ficava a famosa Primeira Catarata do Nilo, que bloqueava a navegação, então tanto os egípcios quanto os núbios negociavam aqui e reembarcavam suas novas posses de um lado ou do outro, após ou antes da catarata. (As outras cinco cataratas ficavam todas em território núbio, no que hoje é o Sudão. A contagem no rio era de baixo pra cima.)
O nome Philae para estas ilhas vem do egípcio antigo Pilak, que queria dizer “o fim”, significando o fim de seu território (e início do território estrangeiro).
Hoje uma delas abriga o notável Templo de Philae, à deusa Ísis, e que na verdade não ficava originalmente nestas ilhas, mas aqui perto. Assim como Abu Simbel, ele foi transportado de seu sítio original na década de 1960 para evitar sua submersão com a criação da Barragem de Aswan e do grande Lago Nasser. O templo data do período tardio do Egito faraônico, de 362 a.C., pouco antes da invasão de Alexandre, o Grande, em 323 a.C.








Esta região, remota para o Antigo Egito, era por muitos considerada o túmulo de Osíris, assassinado pelo seu irmão Seth. Ísis restaura Osíris, que passa a ser tido como o deus do além, do outro mundo. Ísis dá também luz a Hórus, filho dos dois, e que se torna um dos deuses mais cultuados de todo o Egito — sobretudo na forma de Ra-Horakhty, que o combina com Rá, o deus do sol. Ísis, assim, é por muitas considerada no Egito Antigo como “a mãe de deus”.


Breve Epílogo: Retornando ao Cairo
Todos os relógios da estação de trens marcavam 03:10. Eram seis e meia da tarde. Mohammed, o rapaz de voz gutural da pousada onde fiquei no vilarejo núbio, me deu uma carona até aqui. Eu caminhava pelas plataformas de chão de areia da Estação de Aswan ao aguardo do meu trem noturno que, no outro dia de manhã, me entregaria à Estação Ramsés no Cairo. Era hora de retornar à capital para aprender (e ver) como se desenrolou o Egito após o fim daquele imenso período faraônico. Os últimos dois mil anos, a parte do Egito que não lhe ensinam na escola e sobre a qual você quase nunca vê referência. Muita água rolou de lá pra cá — ou, se você preferir, areia.

Hahaha desculpe a risada mas ôh coitado de voce, viajante, com esses malandros que pelo visto estão por toda a parte desde o rio Rde Janeiro passando por Salvador, Casablanca e ate pela Africa haha que praga..só mudam o ndereço haha. E que sacrifício para chegar ao belo templo de Isis. Apesar da chateação valeu. Belissimo templo e impressionante o trabalho da Unesco no transporte e recolocação de tantos detalhes e riqueza. Grande trabalho. Monumental esse templo. Curiosa a cópia de Isis e Horús pelos cristãos e nem ao menos fazem alusão às origens, ao contrario depredam uma obra de arte por equívocos hipócritas. Coitado de Jesus com esses seguidores. sepulcros caiados.
Amei essas flores com as ruinas. Lindo
A Catedral Copta tambem muito bonita. Ainda bem que o Nilo ai não tem crocodilos haha
O Nilo continua maravilhoso, as paragens belissimas, os hieróglifos e suas histórias e lendas impressionantes inclusive pela conservação. Que riqueza de história e de civilização. Amei cadsa postagem do Egito. e ainda vou ver o epílogo haha
O senhor como sempre muito bem nas fotos. Esse senhor ai do barco muito simpático.
uaaauu belo trem…co certeza muita e muita arreia na ampulheta do tempo. valeu. viajante. Objetivo alcançado grandes historias contadas muito visto e muito aprendido. É isso ai. quem venha mais . abraços fraternos