Ninguém jamais pensa no Egito como uma terra de cristãos — nem hoje, nem nunca —, exceto pelos mais conhecedores da história do cristianismo. Tendemos a ignorar ou esquecer que foi aqui, o Egito, um dos grandes berços do cristianismo institucionalizado, onde ele adquiriu muitos dos elementos que hoje nos são familiares (como a cruz, a “Sagrada Família”, o monasticismo cristão), e que houve séculos de transição cristã entre o Egito Antigo dos faraós e o Egito islâmico que surgiria depois.
Entre 10-20% da população egípcia atual (que é de 82 milhões de pessoas) se identifica como cristã, e estas em geral são cristãs coptas. Mas o que é afinal um cristão copta?

Quando o Império Romano adotou o cristianismo em 391 d.C., o Egito era uma de suas principais províncias. Já havia aqui muitas comunidades cristãs independentes, já que o cristianismo à época não era centralizado como veio a se tornar depois. Em outras palavras, havia muitas “igrejas”. São Marcos, um dos 4 evangelistas, já havia vindo aqui e estabelecido uma comunidade cristã em Alexandria desde o primeiro século depois de Cristo, embora esses ainda não fossem chamados de “coptas”.
A palavra “copta“, em última análise, é uma corruptela da própria palavra “Egito” (Aigyptos, como diziam os gregos antigos). Esse termo não surge “do nada”; no idioma egípcio antigo, Hut-Ka-Ptah era o nome para a “casa” do deus Ptah, seu templo na então capital Mênfis (aqui perto de onde hoje é o Cairo). Quando Alexandre o Grande conquista o Egito no século IV a.C., esse se torna o nome para designar a população local (diferentemente dos romanos, judeus, gregos e demais estrangeiros).
Vale lembrar que desde a invasão alexandrina a língua administrativa passou a ser o grego, mas o povão continuava a falar demótico, a versão popular do idioma egípcio antigo. Nessa língua, o nome para o povo local ficou kubti (ou kuptaion, a depender da variante). É quando os árabes muçulmanos invadem o Egito e o tomam dos romanos do oriente (de Constantinopla) em 640 d.C. que o termo “copta” ganha um cunho também religioso, pois ele passa a se referir a esses nativos cristãos do Egito.
Há coisas interessantíssimas aqui no Cairo sobre como o povão foi levado a gradualmente se converter da religião egípcia antiga ao cristianismo.



Todas essas peças datam dos idos de 300-700 d.C., período em que o cristianismo foi a religião dominante no Egito. Elas estão hoje no Museu Copta no Cairo, no distrito cristão da cidade.
Embora o Egito a partir da conquista árabe de 640 d.C. passe a se tornar gradualmente muçulmano (pois a população local não se converteu do dia para a noite só porque os governantes mudaram), esses elementos nativos egípcios foram adotados pelo cristianismo de modo geral e se espalharam.
Hoje, você pode tomar o metrô até a estação Mar Girgis para ver o que foi feito e é mantido ainda pelos milhões de cristãos egípcios que nunca se converteram ao islamismo, e que desde os tempos dos romanos conservam a mesma fé.










Pedi que ele substituísse aquele café criminoso por um café devidamente quente.
Depois fui ver o Museu Copta, que já mostrei um pouco, mas onde aprendi também sobre as origens da tradição monástica cristã. Credita-se a Santo Antônio do Egito (251-356 d.C.) — que pela época você pode deduzir que não é o mesmo Santo Antônio português habitual — a criação do primeiro mosteiro cristão.
A ideia surge simplesmente com o propósito de imitar os 40 dias e 40 noites que Jesus teria passado em isolamento no deserto, e naturalmente o ideal de irmandade comunal do próprio Cristo com os apóstolos. Santo Agostinho (354-430 d.C.), que veio a traduzir o platonismo em valores cristãos, também era daqui do norte da África e bebeu muito desse cristianismo inicial.



Por fim, a famosa Igreja Suspensa e que me referi no título da postagem. Ela não fica literalmente suspensa, mas é chamada assim porque fica numa área elevada, e por debaixo da sua nave passava um túnel dessa fortaleza romana aí acima. Hoje basta subir umas escadas.
Hoje, essa bela igreja é nada menos que a sede da Igreja Copta, que tem seu próprio papa (mais sobre isso quando eu relatar a minha viagem a Alexandria).
Sua fundação é do século III, embora ela tenha passado por muitas restaurações e modificações ao longo dos séculos.








Coisas que nunca haviam me dito que o Cairo tinha.
Adorei seu blog. O Santo Antônio do Egito é mais conhecido no Brasil como Santo Antão, justamente para diferenciá-lo de seu homônimo português, Embora este, que também era asceta e se chamava originalmente Fernando, escolheu o nome religioso de Antônio para homenagear o santo eremita do Egito.
Nossa!… que maravilha Estupendo esse Egito maravilhoso… e esta postagem nem se fala, belíssima!… que riqueza de detalhes, que belos tons, que entrelaçamento de culturas e civilizações, que bela história dessa arte milenar. Um primor. Gostei de tudo: do belíssimo museu, das igrejas e em particular daquela em homenagem ao querido Jorge da Kappadocia. Belissima1… charmosa, rica, linda.
O tom amarelado das paredes e revestimentos que parece predominar nesse conjunto arquitetônico é lindo e harmônico, com o verde dos vegetais, a cor das madeiras, o colorido das pinturas, pórticos, vitrais, estandartes, reposteiros, luzes, tapetes e as figuras bíblicas. Estonteante efeito esse conjunto!… Lindo em graça, em bom gosto e em leveza, com seus arcos, suas rotundas e colunas ricamente decoradas, de um dourado difuso e delicado, assim como sua iluminação. Muito bonito o conjunto..
Vê-se bem a influencia egípcia e da sua cultura religiosa na elaboração e montagem do arcabouço cristão dos primeiros tempos. Muito interessante e desconhecidas essas influencias.Grande postagem, valiosas informações e gostosas visões para os amantes das artes e da História. Valeu meu jovem. vamos que vamos… haja Egito. Estou deslumbrada. Congratulations, again.
Esse Olho de Hórus passou para o cristianismo como o Olho da Providencia e havia em alguns lares cristãos e se dizia que Deus através daquele olho via e ouvia tudo e estava em toda parte . Era assim onipresente, onisciente e onipotente.
Assim também a cruz, ja muito semelhante à cruz de malta dos navios portugueses, e algumas representações de Maria como a NSa do Perpetuo Socorro, hoje muito difundida.
Não deixa de ser interessante essa apropriação das culturas tidas como pagãs na construção do cristianismo dos primeiros tempos. Muito boas essas observações do viajante. É isso ai.