Ah o aeroporto do Cairo!
Recomenda-se chegar com uma boa antecedência (3h) ao aeroporto do Cairo. Há vários controles de segurança, as filas podem ser grandes (e esculhambadas, com gente descaradamente passando à sua frente), e na real nunca se sabe o que pode acontecer. Semana passada alguém sequestrou um avião, um mês atrás houve uma bomba.
Saiba também de qual terminal o seu voo sairá. E ainda assim há várias entradas, a depender da cia aérea. Eu comecei a formar fila atrás de uma turma à frente de uma porta (pois aqui no Oriente Médio há sempre que se passar as bagagens por detector de metais já à entrada do aeroporto, e depois outra vez se for embarcar), e depois é que soube que estava na fila errada. Alguns voos por aqui, outros por ali.
Um homem, com cara de funcionário, percebendo-me estrangeiro devido à minha mochila (os viajantes aqui raramente usam mochila, é mala ao estilo de antigamente) abordou-me pra saber qual era o meu voo. Eu disse. Ele então me levou até uma outra entrada do terminal, que seria a correta pro meu voo. Confirmei lá e era mesmo. Só que aqui no Egito não há gentileza que saia sem pagamento, então ele veio querer a sua “bakshish” (a gorjeta, aqui aplicada universalmente a qualquer pequeno serviço prestado). Como eu estava mesmo com umas sobras de libras egípcias no bolso, desfiz-me de algumas. Ele, claro, reclamou que era pouco (sempre reclamam; se você der 10, querem 20; se você der 20, querem 40, e assim vai. Dei o equivalente a 2 reais e achei mais do que suficiente por ter me indicado qual fila era a correta.)
Para entrar no aeroporto, havia uma pequena fila que ainda não havia começado a se mover. Pessoas — aparentemente egípcios — com várias malas no carrinho esperavam a porta que abriria dali a 5 minutos, me diziam. Um funcionário carregador de malas voluntariou-se pra pôr minha mochila num carrinho e levar pra mim; eu disse que não era necessário. Ele, quando a porta abriu, chamou-me então pra a frente da fila, ao que os policiais aquiesceram com tranquilidade. Resisti um pouco, até sem querer armar confusão com as pessoas da fila. Mas ninguém disse nada. Prerrogativa de estrangeiro, não sei. Fui trazido à frente de todo mundo e, é claro, lá se vão mais 2 reais pra o cara. Aqui é um comércio, como você pode ver. (Tenho medo de imaginar o nível de corrupção que deve ser nos altos quadros dos governos e empresas por aqui.)
Uma vez dentro desse pequeno setor do terminal, sentei-me pois o check-in ainda não havia sido iniciado. Um senhor atrapalhado, que figuraria bem na Escolinha do Professor Raimundo, limpava as coisas e me disse que aguardasse ali sentado.
Em tempo, chegou um quarteto de mulheres, todas de preto (até as suas bolsas e sapatos eram pretos), apenas com o rosto à mostra. A mais velha, quieta, devia ter seus 70 anos, além de uma senhora de seus 50 e duas mais jovens, umas belas muchachas de seus 30 anos. Aí é que a senhora de 50 me aborda em árabe, falando rápido algo que eu não compreendi. Confirmei que era ali o voo para o Líbano, etc., mas ela parecia querer algo de mim. Eu me desculpei dizendo que não entendia árabe. Uma das moças mais jovens interveio, e falou novamente pra mim em árabe, esperando que eu entendesse os seus gestos ou lesse a sua mente. Estavam repletas de malas cheias, como sacoleiras profissionais (ou aquelas mães que gostam de levar tudo na viagem, inclusive comida e lembrança para Deus e o mundo).
(Mas não as confundam, achando que porque são conservadoras são “meninas da roça”, tímidas e recatadas. Grande parte delas estão muito longe disso, sobretudo as mais jovens. Essas duas estavam com seus óculos escuros elegantes sobre a cabeça, uma delas dançando o dedo com maestria sobre seu smartphone, escrevendo em árabe no WhatsApp.)
Eu entendi, pelos gestos, o que elas queriam. Queriam o que eu vi outros homens fazendo no aeroporto de Túnis: queriam que eu lhes tomasse os passaportes e fizesse os check-in delas quatro junto com o meu. Nem a pau. Se dá qualquer confusão, quem se estrepa sou eu. Fiz-me de bobo desentendido. (Mas uma das mais jovens era um pedaço de mau caminho…)
Passando dali, eu tive finalmente o aeroporto para mim. Até o aeroporto de Aracaju tem melhor infraestrutura que o aeroporto do Cairo, ao menos o seu Terminal 1, de onde saem muitos voos internacionais (como o meu). O próximo passo seria a imigração, o controle de passaporte.
O controle de passaporte no aeroporto do Cairo parece fila de supermercado. Você pensa que a fila é pequena e, de repente, vê que a pessoa à sua frente está com cinco passaportes na mão, as outras quatro ali à espera — às vezes uma foi comprar alguma coisa e volta. Um entra-e-sai da fila, e você a policiar o seu lugar.
À minha frente havia um grupo de senhoras devidamente cobertas, acompanhadas de dois rapazes que pareciam organizadores de viagem. Era necessário preencher um Cartão de Partida (departure card) para entregar ao oficial de imigração junto com o passaporte e, é claro, muitas não o haviam preenchido. O oficial lá à frente já estava ficando impaciente; desceu da cabine e veio cá dar um esporro em árabe para que preenchessem o cartão antes. O significado estava claro.
Quando chegou a vez de uma senhora, ela deu um berro reclamando parecendo vendedora na feira. O oficial, já transtornado, apontou o dedo atrás do vidro como quem diz “Fale comigo direito!”, e a senhora aquietou.
Passei sem problemas, aliviado em ver-me livre daquilo.
Aqui o detector de metais tem sido individual, à entrada de cada sala de embarque. A minha ainda estava fechada, como mostrava uma placa de metal que alguma inteligência rara achou de dispor bem abaixo do detector, que estava ligado e, portanto, bipando interminavelmente. Era uma linda trilha sonora para a minha fome.
À frente, era hora de achar algo para comer, pois saí do albergue apenas com uma xícara de café com leite. O dinheiro que sobrava era pouco, e eu estava pouco disposto a gastar meus dólares com isso aqui. Achei um croissant de chocolate que casava direitinho com o montante que havia me sobrado — seguramente o pior croissant que “comi” na vida. Entre aspas porque me recusei a comê-lo inteiro. Aquele gosto de pão dormido ao tempo, e o chocolate não passava de umas pinceladas por cima. Não havia nada recheando aquele pão seco. Só não fui reclamar porque eu sabia que não daria em absolutamente nada. Evitem. Tive que recorrer, com muito embaraço, ao McDonalds. (Tirei no cartão de crédito). Após a espera habitual de 15 minutos dos “fast” foods daqui, comi um daqueles lanches bobos de café da manhã, que veio com coisa trocada, faltando bebida, etc. Eles aqui são uma atrapalhação, mas deu pra satisfazer o estômago (ainda que não o paladar).
Surrealmente, o toque do telefone de alguém do McDonald’s do Cairo era a Dança do Pinguim, da Romênia, que eu dancei há 6 anos atrás num verão na Lituânia. Ô mundo pequeno.
Serviu de lembrete pra eu olhar pro relógio e ver que era horar de zarpar para o Líbano. Eu reencontraria o meu querido quarteto feminino de robes negros na sala de embarque. Era hora de partir.
Algumas horas antes…
— “Ah, você vai pra o Líbano!“, exultou Sara, a moça egípcia da recepção do albergue onde eu estava. “Lá tem duas coisas que você não pode deixar de aproveitar: shawarma [um enrolado de carne] e as mulheres.“
— “Ah é, as mulheres de lá são famosas assim?“, repliquei eu.
— “Sim, são consideradas as mais bonitas da região. As mais belas do Oriente Médio.“
— “Bom saber. Mas shawarma é carne, não é não?“
— “É.“
— “Eu não como carne, lembra? Assim eu posso me focar nas mulheres, então.“
Partiu Líbano.
Hahahaha que epílogo haha… venturas e desventuras de um viajante brasileiro nos diversos aeroportos do mundo haha, É muita historia a contar haha. Desculpe a risada mas foi engraçado..Reveses de quem viaja. Nem todo aeroporto é Schiphol, apesar da rapadura ser inspecionada. haha. Mas é isso mesmo, vale a experiencia. Que horror ter que aplacar a fome num lugar macabro como o mc donald. Ossos do oficio de viajante. Mas foi ótima a postagem. Ri às gargalhadas a cada trapalhada e loucura do/no aero do Cairo.
A dança do pinguim é otima haha. Muito boa postagem. É isso ai, viajante. Vamos que vamos. adorei o Egito. Ja gostava antes, gostei ainda mais e aprendi muita coisa. Valeu, amigo. Grande abraço.