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Líbano

As cavernas de Jeita Grotto e a colina de Nossa Senhora do Líbano em Harissa

E no mar e no céu — a imensidade!“, notou o poeta Castro Alves em Navio Negreiro. Tivesse ele morado no Líbano do século XXI, teria notado também a imensa poluição entre o céu e o mar.

Apesar dos pesares ambientais daqui, a colina da Nossa Senhora do Líbano em Harissa, povoado próximo à cidade libanesa de Jounieh, foi das melhores vistas que tive durante a minha estadia no país. Você sobe num bondinho panorâmico seguido de um plano inclinado para chegar nessas alturas. As vistas são lindas.

Este foi um dia modestamente aventuresco, venturando-me fora de Beirute para conhecer as demais coisas do Líbano, e que começou com a ida às cavernas das mais impressionantes que já vi na vida.

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Vista para a cidade costeira de Jounieh, do alto da colina de Harissa. É praticamente o Corcovado libanês, só que com uma imagem de Nossa Senhora em vez de Jesus.

Era uma bela manhã de sol em Beirute. O odor do lixo não incinerado pelos grevistas era dos primeiros a lhe dar “bom dia” — por vezes antes mesmo de levantar da cama. Eu iria a um dos banheiros, que volta e meia tinha animados vazamentos (daqueles que soltam uma pistola de água que vai longe, tipo em filme de comédia), antes de ir ter com os meus comensais no piso de baixo.

O albergue era habitado (e administrado) por uma leva de jovens internacionais festeiros que faziam festa toda noite, levando em alto e bom tom aquelas conversas filosóficas de bêbado até as 3 ou 4 manhã. O propósito teórico de muitos deles era dar aulas de inglês ou qualquer forma de assistência voluntária ao milhão de refugiados sírios no Líbano, mas por vezes eu achava que era mais “curtir a vida”. Enfim.

Pela manhã eu navegava a cozinha como uma das raras almas sóbrias, aguardando que a sobriedade chegasse também a um dos jovens funcionários que punham a mesa do café da manhã (incluso) com deliciosos manush (espécies de “pizzas” libanesas, ver aqui). Só começava lá pelas 9h da manhã, mas saía.

O mais legal era ir pedir informação logística a esse pessoal. Nesse dia, eu quis saber como ir a Jeita Grotto, as cavernas mais famosas do Líbano (e lindíssimas, de fato) e ir de lá até Jounieh, para subir à colina de Harissa. 

— “Você quer ir a Jeita? É muito fácil ir a Jeita.“, interpelou Leon, um rapaz gay sueco que amanhecia sempre com o ar de quem fumou pedra na noite passada. (Ele também tinha o hábito de circular só de cueca e camisa.)

Há sempre ofertas para ir em transporte particular aos lugares no Líbano, mas só começa a talvez valer a pena se você encher o carro pra dividir o preço. Nesse caso, era mais negócio ir de forma independente.

— “Você desce aqui a Rua Armena [Armenian Street] e pega qualquer lotação indo para o norte”, continuou Leon com surpreendente lucidez. “Pergunte e qualquer um deles vai pra Jeita Junction, que é a entrada na pista para a estrada que leva a Jeita Grotto. Dali você pega um táxi, que já ficam ali, ou até a entrada da caverna.

As instruções de Leon estavam surpreendentemente certas. Demorou um pouco para acenar uma van lotação, mas consegui e me deixaram na Jeita Junction, onde vários taxistas estavam sem nada a fazer, esperando passageiros com os carros debaixo de um telhadinho no acostamento da rodovia.

Só que eu, francamente, não estava disposto a pagar os 15 dólares que eles queriam para me levar dali até a caverna. Acenei um táxi que ia passando e tomei-o no esquema de service, como chamam aqui no Líbano o funcionamento do táxi lotação, com vários passageiros, e que custa só 2000 libras libanesas (pouco mais de 1 dólar) por pessoa.

O motorista já havia vivido no Brasil, até arranhava um português e, depois de entregar um passageiro que já estava no carro quando eu entrei, me deixou numa outra beira de pista de onde eu caminharia 30 minutos para chegar até a caverna.

A essa altura eu já estava relembrando Leon dizer que era “muito fácil” chegar a Jeita.

O caminho pela beira da estrada em direção a Jeita, contudo, se revelaria belamente cênico, com vistas lá do alto das colinas verdes e finalmente um ar melhor.

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A pista por onde tive que andar uns 40 minutos para ir da rodovia à entrada de Jeita Grotto (valeu a pena).
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Parei numa tranquila, pequena corredeira ali ao lado (onde quase tomei um escorregão).
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E, de modo geral, vi um pouco de verde no Líbano, o que foi muito bem vindo.

O acesso a Jeita Grotto não é, como talvez você esteja imaginando, uma coisa livre, sem pessoas. Pelo contrário. Embora seja meio remoto de chegar sem veículo particular, Jeita mais parece um parque temático onde você compra um ticket que já inclui: um bondinho para te levar a uma parte mais alta, o acesso às cavernas, e uma espécie de trenzinho que te traz de volta à bilheteria. Tem um restaurante ali também.

Não é permitido tirar fotos do interior das cavernas (você precisa deixar tudo num armário trancado na entrada delas), mas garanto-lhes de que é fascinante. Talvez das mais belas cavernas que eu já visitei no mundo. São áreas enormes, que fazem você se sentir nas Minas de Moria de O Senhor dos Anéis. E, o que achei mais fascinante, há uma parte em que você navega por um pequeno rio ou lago subterrâneo. 

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As bilheterias para Jeita Grotto.
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O bondinho (incluso) que leva os visitantes à caverna alta. Há uma caverna alta e uma caverna baixa, que você visita nesta ordem.
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O acesso à caverna baixa. Ambas são fascinantes.

Depois de passar umas 2h ali, eu retornei à entrada do lugar onde taxistas sabidamente esperavam por turistas querendo voltar à cidade. (Poucas situações fazem eu me sentir tão impotente quanto essas onde estou à mercê de taxistas sabidos.)

Tentei ver se haveria outra rota de saída — afinal, eu havia me esquecido de perguntar a Leon como raios ir embora de Jeita Grotto depois da visita —, mas foi perda de tempo, pois só havia mesmo os taxistas. Sequer uma lotação foi possível. Os outros turistas pareciam já ter todos os seus veículos. Restou-me arregaçar as mangas e ir negociar com um taxista uma ida até a cidade de Jounieh, que ficava mais perto dali que Beirute. Era pra lá que eu queria ir mesmo. Depois eu arranjaria uma forma de voltar pra casa.

10 dólares foram o preço que consegui para ele me levar até a base do bondinho que te leva ao alto da colina de Harissa. Fica no centro de Jounieh, que revelou-se ser uma cidade propícia ao comércio de muambas da China. Comprei um par de jeans “Armani” novos.

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Bem vindos a Jounieh, uma cidade libanesa a 30min de Beirute.
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Esse bondinho (aqui chamado de télépherique, em francês) te leva até o alto da colina de Harissa. As vistas são lindas, e o ambiente lá em cima é bem agradável.

Lá em cima, tal qual o Pão de Açúcar, há lanchonetes, lojinhas, etc. Afora isso, há uma capela e uma igreja.

Eu só talvez tenha sido impreciso ao dizer que o bondinho te leva ao topo da colina. Não leva; ele leva até jardins lá no alto, de onde ainda é necessário subir umas escadas ou tomar um trenzinho que sobe um plano inclinado. As flores dão a beleza e o tom do lugar. Vale a pena subir de trenzinho e descer a pé pra ver o lugar, se você quiser.

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O trenzinho que sobe o plano inclinado na colina, com as vistas para Jounieh e sua baía do Mar Mediterrâneo.
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Os caminhos com flores, caso você queira fazê-los a pé.
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Jardins no alto, com vista para o Mediterrâneo.
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Santuário da Nossa Senhora do Líbano. (É bem menor que o Cristo Rendentor, não resta dúvida, mas bonita mesmo assim. Ali atrás, aquele prédio moderno é uma igreja maronita.)
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Ali ao lado, uma espécie de capela ao ar livre, sob as rochas, com a imagem semelhante à Pietà de Michelangelo, com o Cristo morto sobre o colo de Maria.
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Dentro daquela estrutura sob a estátua, uma capela propriamente dita, com mensagem do Papa Francisco ali escrita em árabe e imagens de Jesus e Maria esculpidas em cedro, a árvore símbolo do Líbano. A Igreja Maronita, embora guarde sua independência, é “afiliada” à Católica Romana. Tem filiação ao papa desde os tempos das Cruzadas. 
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A estátua da Nossa Senhora do Líbano vista mais de perto. Ela é feita de bronze, e tem 8,5m de altura.
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Interior daquela igreja maior, em estilo moderno.

Fiz um almoço de meio de tarde ali por cima mesmo, antes de descer margeando as flores e tomar o bondinho de volta a Jounieh. Lá embaixo, não vi nada que me interessasse, e procurei como retornar a Beirute antes que ficasse escuro.

Tolice minha em procurar um terminal de ônibus propriamente dito. Às vezes eu perguntava a um e outro, e ficavam com cara de paisagem, sem entender. Ou, noutra vez, o homem a quem perguntei parecia ser um taxista e já veio interessado, querendo negociar a corrida. Entrei numa loja e um homem, com a maior naturalidade do mundo, só levantando a cabeça detrás do balcão e sem tirar as mãos do que estava fazendo, simplesmente me disse: “Não tem terminal. Basta acenar qualquer ônibus que passar aqui nessa rua, e ele pára.” 

Ah, como a vida às vezes é simples. Parei o primeiro ônibus que passou e fui-me embora a Beirute. No dia seguinte, eu iria a um lugar muito mais audacioso: às Ruínas de Baalbek, já na fronteira com a Síria.

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

2 thoughts on “As cavernas de Jeita Grotto e a colina de Nossa Senhora do Líbano em Harissa

  1. Menino, que maravilha essa imagem que abre a postagem. Independente da poluição é encantadora!… com essas belas flores, o mar e o seu no fundo. Linda. Obrigada pela citação do grande poeta baiano Castro Alves,
    Que belas paragens. O senhor e as estradas desertas. haha , que lindas paisagens, adorei os bondinhos as flores e os belos cenários. belíssimos. Essas flores são um encanto. Adoro flores com pedras. e essa linda corredeira, então, uma delicia. Lindo lugar.
    Lindas igrejas, tanto no exterior quanto no interior. Uma graça.
    Ja conhecia NSa do Líbano pois aqui no Brasil, como ja disse em outra postagem, ha uma comunidade libanesa maronita e a Canção Nova, uma emissora católica sempre leva ao ar missa com esse ritual, por sinal muito bonito. Creio que fica em s. Paulo. A igreja tem uma réplica dessa imagem ai de NS,a Muito bonita.
    SÓ não sou muito amiga de cavernas mas adorei esse passeio ai.. Parabéns, viajante brasileiro. Uma delicia viajar com o senhor, meu jovem.

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