Bem vindos a este outro país que fala grego mas não é a Grécia: Chipre. A maioria de nós já ouviu falar dele em alguma remota aula de História, mas muitos sequer sabem que ele hoje é um país independente e membro da União Europeia.

Chipre é uma ilha no leste do Mar Mediterrâneo, próximo do Líbano, de Israel e do sul da Turquia, e que desde a Antiguidade é habitada pelos gregos. Ao longo do tempo, contudo, as populações se misturaram. (A ideia de que cada país pertence a um só povo é uma invenção recente chamada “nacionalismo”, concebida no século XIX.) De 1570 a 1878 Chipre esteve sob domínio do Império Turco Otomano, e muitos turcos se mudaram pra cá, junto com outros povos que habitavam o império (armênios, árabes, entre outros).
O ano de 1878 foi quando Chipre se tornou colônia britânica, adquirido pela Inglaterra devido à sua posição estratégica entre Europa, África, e Oriente Médio. Em 1960 Chipre se torna independente, quando as populações de origem grega e de origem turca passaram finalmente a viver juntas num país próprio, como cipriotas e nada mais.
Mas isso durou pouco. Em 1974, um partido de viés nacionalista grego deu um golpe de estado e tentou impor uma anexação à Grécia, à revelia dos cipriotas de origem turca. A Turquia, então, invadiu o norte de Chipre para assegurar os interesses dos “seus”, criando uma divisão territorial que permanece até hoje no país.
Ouvimos falar apenas das Coreias, mas o Chipre também é um país dividido. O governo do sul, oficialmente República do Chipre, diz ser o governo legítimo de toda a ilha, e não reconhece a independência da parte do norte. No norte, a população se origem turca se governa sob o nome de República Turca do Chipre do Norte, uma independência que só é reconhecida pela própria Turquia. Na prática, são dois países separados que compartilham a ilha. A capital, Nicosia, segue dividida à là Berlim com um bloqueio no meio e lados grego e turco separados.
Falaremos do Chipre ao longo dos próximos posts.

Cheguei por Larnaca, onde fica o aeroporto principal da ilha na parte grega. Adoro o mundo árabe, mas depois de uma semana na Tunísia, duas no Egito, e mais uma no Líbano, eu já estava doido por um sossego de volta em terras europeias. Uma pausa da sujeira, do trânsito louco, e dos homens árabes com aquela atitude de “papai sabe tudo”.
Larnaca é uma cidade costeira típica dos veraneios europeus. Há uma longa avenida com palmeiras à beira-mar, pontuada por hoteis e lanchonetes de redes famosas (Haagen-Dazs, McDonald’s, KFC, TGI Friday’s, Starbucks, estão todos lá). O mar é pacato, aquela típica praia europeia sem ondas, de crianças brincando na água e gente tomando sol na areia.
Por outro lado, há aqui toda a típica tradição religiosa grega — em muitos aspectos, bem mais forte e ainda parte da vida das pessoas que no Brasil — e acontecia de ser a Páscoa no calendário ortodoxo grego. Sem esperar, eu presenciaria um pouco de como essas celebrações ocorrem aqui. Os interessados nessa parte também gostarão de saber que aqui em Larnaca supostamente fica o túmulo de Lázaro, aquele que segundo a Bíblia foi revivido por Jesus. Na tradição da igreja grega, ele depois da ressurreição de Cristo fugiu da Judeia cá para Chipre.
“E os principais dos sacerdotes tomaram a deliberação de matar também a Lázaro; porque muitos dos judeus, por causa dele, iam e criam em Jesus.” — João 12: 10-11.


Deleitei-me ao encontrar transporte público que levava do Aeroporto de Larnaca à cidade. Pra mim, transporte coletivo funcional é sinal de desenvolvimento. Eu já estava saturado de ter que lidar com taxistas enrolões no mundo árabe.
Há vários ônibus disponíveis na saída do aeroporto. Só se certifique de que ele vai mesmo para Larnaca, pois o Chipre é pequeno e os mesmos ônibus que circulam dentro de uma cidade vão também para outras.
O terminal, onde eu parei, fica numa das pontas desse boulevard acima. Na outra, há um forte erigido pelos turcos otomanos sobre o que havia sido uma fortaleza dos Cruzados. É bonito, embora bem simples.


Tudo em Larnaca é relativamente modesto. Você é capaz de percorrer a cidade de uma ponta a outra a pé em questão de 1h. Parece-me mesmo aquela típica cidade de veraneio onde os europeus passam dias numa rotina de praieira de assar-se na praia de manhã, almoçar na orla, ler um livro durante a tarde, e concluir o dia com um programa noturno num dos vários bares. E repetir o ciclo no dia seguinte. Tenho vários de amigos europeus que conseguem fazer isso dias a fio.
Eu deixei a mochila na pousada e fui passear. Caminhei pela beira-mar, visitei o forte, e fui ver a tal igreja construída sobre o túmulo de Lázaro. Avisaram-me que, no calendário grego ortodoxo, hoje era Sexta-Feira da Paixão, e que haveria uma procissão na cidade.
(A Igreja Ortodoxa Grega celebra as datas em dias diferentes porque, ao contrário da católica romana, nunca abraçou o Calendário Gregoriano que nós atualmente usamos. Este foi introduzido pelo Papa Gregório XIII em 1582. As igrejas cristãs orientais, contudo, mantiveram-se usando o Calendário Juliano, introduzido por Júlio César em 46 a.C. Por isso, ainda hoje, russos, gregos e demais cristãos da tradição ortodoxa celebram a Páscoa, o Natal e as demais ocasiões do calendário religioso em dias diferentes do Ocidente.)






A quem se interessar, filmei parte da Procissão de Sexta-Feira da Paixão, que aconteceu de passar por debaixo da minha janela. Há alguns personagens quase caricatos, como os distintos senhores da bandinha militar, e me impressionei com a quantidade imensa de pessoas. Eu, no dia seguinte, zarparia a Nicosia, a capital do país.
Nossa, que interessante esta postagem com a História da ilha de Chipre, suas avenças e desavenças, divisões e dissensões. Pena que não puderam viver bem. Há anos atras, essas lutas eram relatadas em todos os jornais e revistas que circulavam no Brasil e Nicozia aparecia sempre nas manchetes como cidade campo de batalha. Depois deixou de ser falada e o povo esqueceu.. Nada mais se falou de la para cá e o Chipre foi esquecido. Dai a importância de viagens como esta para mostrar /atualizar as informações sobre os diversos povos, seus países e suas culturas e o que ocorre com eles e as regiões hoje. Ótima prestação de serviços, meu jovem. Ótimo resgate.
Aberta a discussão sobre os nacionalismos e suas consequências para o viver pacifico entre os povos de etnias, pensamentos culturas, religiões diferentes..
Destaque para a beleza da orla com suas palmeiras, o belo mar de águas azuis, suas luzes, progresso e movimento de pessoas. Gostei muito
Porem saltam aos olhos a graça e a beleza da arquitetura, em particular a otomana e o esplendor do interior da Igreja ortodoxa grega. Lindas Iconostasis, belíssimos painéis, riquíssimas iluminuras. Um show de arte e de bom gosto.
Amei o ritual da Sexta-feira Santa. Muito bonito. Interessante a quantidade de pessoas. Antigamente, no Brasil, mais precisamente no NE brasileiro, as procissões e festas outras eram abrilhantadas pelas Bandas de Música . Aqui na cidade havia 03 ótimas Bandas. Com o fim dessas belas expressões musicais e culturais, houve um empobrecimento da musicalidade nas festas populares brasileiras. Lamentável. Eram bandas como essa daí de Larnaca.
Achei também interessante a sensação agradável que o viajante experimentou ao retornar ao ambiente europeu hahah com uma infraestrutura ,melhor. Bom seria que houvesse mais países/regiões com essas boas estruturas que facilitam a vida. Viver bem é um direito de todos
.Interessante esse ´tumulo e igreja de Lazaro. Contam que ele morreu anos depois do mesmo problema que o vitimou na época em que Jesus o fez ressurgir.
Ótima postagem. ótimas observações e reflexões. Lindas imagens. Muito bom.