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Sérvia

Novi Sad, a capital do amor, e minhas andanças pela Sérvia

Novi Sad é a cidade mais bonita da Sérvia. Assim dizem todos, e eu concordo que ela é mesmo mais charmosa que a capital Belgrado. Estamos falando de uma cidade de médio porte no norte do país, quase na fronteira com a Hungria, também banhada pelo Rio Danúbio e dotada de bela arquitetura típica da Europa Central. (Aos meus compatriotas pouco familiarizados com essas designações europeias, a Europa Central abarca Alemanha, Áustria, Suíça, Rep. Checa, Eslováquia, Hungria, Polônia, e toda essa região da Europa que foi por séculos parte do Sacro Império Romano-Germânico e, posteriormente, sofreu influência do Império Austro-Húngaro. Esses países compartilham muitos traços culturais, como arquitetura e gastronomia bem semelhantes.)

Belgrado é a capital do país, mas de que importa ser a capital do país se você pode ser muito maior que isso: ser a capital do amor? Assim declara-se Novi Sad. Eu confesso que não fiquei aqui tempo o bastante para me apaixonar, nem me envolvi em algum romance, mas foi o único lugar no mundo onde eu — de fato — vi um Festival do Amor, com barraquinhas vendendo pinga, doces, artesanato de madeira de um dulçor mimoso, e que tocava versões-metal de cantigas populares. Tudo isso diante da igreja.

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“Aquele que você escolher, com ele terá que viver.”

Eu cheguei para apenas um dia, fazendo de ônibus uma viagem bate-e-volta desde Belgrado. Vale a pena. Novi Sad está a menos de 100km de distância, que o ônibus cobre em uma hora e pouco de viagem. Basta chegar à charmosa rodoviária de Belgrado e pedir passagem para o próximo ônibus a Novi Sad — não é necessário compra antecipada, nem creia demais nas tabelas de horários que você encontrar por aí, pois há muitas empresas fazendo esse trajeto, todas saindo desta mesma rodoviária e vendidas no mesmo guichê, mas cada qual com sua tabela. O(a) funcionário(a) olhará pra você as opções disponíveis.

(Se você for retornar a Belgrado como eu, compre já uma passagem de ida e volta, que sai mais em conta que duas separadas. No entanto, perceba que — como é típico aqui na Sérvia e países vizinhos — eles lhe darão uma espécie de “vale ticket” com validade de 30 dias para o seu retorno e que precisará ser trocado por uma passagem de verdade lá na rodoviária de destino, onde você também deverá pagar à parte a tarifa de embarque.)

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A rodoviária de Belgrado. Fica ao lado da estação de trem. (Eu me esqueci de dizer que eles aqui na Sérvia usam o alfabeto cirílico, o mesmo do russo. Ali está escrito o mesmo que “bus”. C tem som de S.)
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A Estação de Trem de Belgrado. Você pode ir de trem a Novi Sad, mas há menos horários e a viagem demora mais tempo. Embora eu goste mais de viagem de trem, achei aqui os ônibus muito mais práticos.

Uma longa avenida ao estilo dos largos e amplos boulevards comunistas liga as vizinhas rodoviária & estação de trens ao centro histórico de Novi Sad. Uma caminhada tranquila num dia de sol, passando por mercadinhos de frutas e verduras, ambulantes vendendo produtos chineses em banquinhas na calçada, e idosos proseando nos bancos. É um lugar humilde, mas parece que há amor em Novi Sad.

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Longa avenida que liga o centro histórico à estação de trens (e à rodoviária). Muita gente passeando, às vezes com banquinhas de camelô e idosos sentados aqui e ali.

É no centro histórico de Novi Sad que a coisa fica bonita. Você se sente quase numa cidade da Áustria, da Alemanha ou da Hungria — como se estivesse na Europa Central. O que ocorre é que, enquanto Belgrado permaneceu sob o Império Turco Otomano de 1521 até 1841, Novi Sad e toda esta região norte da Sérvia foi conquistada pelos austríacos Habsburgo muito antes, em 1687. Então há uma influência centro-europeia muito maior aqui.

Como ainda assim se trata de uma região de fronteira, há aqui — como em Belgrado — uma fortaleza às margens do Rio Danúbio que foi usada tanto por romanos antigos, quanto por romanos do oriente (de Constantinopla), quanto por turcos e austríacos — a depender de quem tinha conquistado a cidade no momento. Hoje uma ponte separa essa fortaleza de Petrovaradin do centro histórico de Novi Sad. A fortificação é a parte mais antiga da cidade, onde as pessoas mais afortunadas viviam em segurança, protegidas pelas muralhas.

O que ocorreu foi que, quando os católicos austríacos conquistaram a região em 1687, eles proibiram não-católicos (ou seja, muçulmanos ou cristãos ortodoxos como os sérvios) de viverem no interior. Foram expulsos, postos para morar do outro lado do rio, onde fez-se então a cidade de Novi Sad.

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O Rio Danúbio em Novi Sad.
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A fortaleza de Petrovaradin, às margens do Rio Danúbio, em Novi Sad. (O centro de Novi Sad fica atrás de mim, do lado de cá do rio. Os austríacos malandros ficaram com a fortaleza e mandaram os sérvios pro outro lado.)
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Mais de perto.

Tudo se faz a pé e não há custo de entrada para a fortaleza — o acesso é livre. Não há muito o que fazer lá em cima, mas dá pra ver as estruturas antigas, e há uma bela vista.

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Pelos túneis entre as muralhas em Petrovaradin.
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Lá em cima. Bela vista para o Rio Danúbio e a cidade de Novi Sad.
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Torre do relógio.
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Com Novi Sad e o rio lá atrás.

Novi Sad, ainda que feita originalmente pelos e para os sérvios expulsos de Petrovaradin, foi feita sob os ditames austríacos. Quando em 1848 o Império Austríaco vira Austro-Húngaro, dividido entre Áustria e Hungria, a Sérvia fica como parte da Hungria, e vêm muitos húngaros pra cá, então o estilo da cidade se manteve mesmo muito centro-europeu.  Há uns calçadões muito agradáveis.

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As ruas do centro de Novi Sad.
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Calçadões.
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Muita gente passeando.
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A Rua Dunavska no centro histórico, talvez a mais famosa daqui.
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O casario típico da Europa Central.
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Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça…

Foi nessa que parou pra conversar comigo não uma dessas garotas, mas uma senhora de seus 70 anos, vestida como se estivéssemos nos anos 1920, com luva de pelica, chapeuzinho da Rainha Elizabeth, etc.

Ela me mirou entusiasmada quando me viu tirar fotos. Começou logo com o “Oh! De onde você é?“. Eu não quis desapontar tão bem quista senhora, e parei para conversar. Revelou-se húngara, dos tempos de outrora quando havia mais húngaros aqui (a Hungria de hoje, de qualquer forma, está a menos de 100km).

Eu ataco os estrangeiros na rua. É o meu hobby.“, disse ela divertida. Quis saber da minha vida, o que eu havia visto na cidade, me falou um pouco sobre sua história, e disse que escrevia contos infantis. “Eu ainda não fui ao Brasil, mas a minha filha foi. Ela adorou. Ela organiza festivais de música, de trance psicodélico. Você já foi?“, comentou com muita naturalidade.

Não, não fui ainda, mas fiquei fascinado com o ecletismo da senhora.

Ficamos ali uma boa meia-hora, a prosear no calçadão, não muito distante de onde haviam montado as barraquinhas do Festival do Amor.

Dirigi-me até lá e, tal qual uma abelha, fui zumbindo por uma barraquinha e outra, a ver o que queria. Comprei uma geleia de damascos, um presente para uma amiga feito à mão (“minha mãe que costurou“, mas aqui nos Bálcãs isso costuma ser verdade), e perguntei como era isso de “Festival do Amor”.

Passou agora o Dia de São Valentim em fevereiro, tem o Dia da Mulher em março, então resolvemos juntar um com o outro e celebrar um Festival do Amor. É o primeiro ano que ocorre.“, disse-me uma sérvia simpática, de pele branca e cabelos negros, de seus 35 anos. “Há eventos à noite, com música“, completou.

Lamentei de fato ter já comprado a minha passagem de volta a Belgrado e não ficar para a noite.

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As barraquinhas do festival na praça central da Europa. Ali à esquerda na foto é a prefeitura de Novi Sad.
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A Igreja do Nome de Maria, catedral católica em frente à prefeitura. (Afinal, embora os sérvios sejam ortodoxos, quem mandavam eram os católicos.)
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Telhado de típico estilo húngaro, o mesmo que você verá na Igreja de Matias em Buda, Budapeste, na Hungria.
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Interior.
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A catedral ortodoxa, não longe dali.
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Interior da igreja ortodoxa.

Eu ainda veria belas paragens de Novi Sad antes de retornar a Belgrado.

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Área movimentada no centro de Novi Sad com estátua de Jasha Tomic (1856-1922), nacionalista sérvio que ajudou seu povo a conquistar a independência do Império Austro-Húngaro. (A independência foi obtida em 1918, ao fim da Primeira Guerra Mundial.)
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O Parque Danúbio, no centro da cidade.
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Praceta por detrás da catedral.

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EPÍLOGO: De volta a Belgrado

Rambo!“, foi o apelido que eu ganhei do funcionário do albergue (que não falava inglês) na manhã seguinte. Não parecia muito sóbrio, como a própria escolha do apelido revela. Ele nunca aprendeu o meu nome.

Acordamos todos às 5h da manhã quando os eslovenos chegaram da festa e resolveram dar seguimento a ela dentro do albergue. O funcionário da noite (o que me apelidou) devidamente juntou-se a eles e saiu pra comprar mais cerveja, pra o desespero de quem queria dormir. Eu, como pessoa matutina, não me afeto por esses despertares cedo, mas houve quem ficasse furioso.

As lindíssimas eslovenas morenas mal acertavam dar dois passos sem cambalear. Estávamos no mesmo dormitório. Lá havia também uma holandesa que eu conheci (cuja mãe morreu, namorado morreu, madrinha morreu, e que agora estava viajando o mundo). Ela achou pouca graça.

Goran, o rapaz inglês de origem sérvia que havia se juntado a eles e também já estava tomado, declarava em alto em bom som que a Croácia não existe. Estava só de cuecão no lobby do albergue procurando as calças. “I don’t know where my pants are [eu não sei onde minhas calças estão]”, declarava ele na pompa típica do seu sotaque inglês, segurando uma lata de cerveja com a cara lívida e achando aquilo tudo curiosíssimo.

Eu, poucas horas depois, rumaria para o Aeroporto Nikola Tesla em Belgrado. Esse fulano foi um inventor do início do século XX que era de família sérvia mas nascido onde hoje é a Croácia. É uma disputa interminável entre ambos pra definir se ele era sérvio ou croata (depende de a quem você perguntar, e se você considera que nacionalidade se define por sangue ou pelo solo onde a pessoa nasceu. Há respostas diferentes a isso.).

Eu, de todo modo, iria agora conhecer um outro canto da antiga Iugoslávia: a Macedônia. Ou melhor, a Antiga República Iugoslava da Macedônia. Um dos países mais curiosos que eu já visitei.

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

6 thoughts on “Novi Sad, a capital do amor, e minhas andanças pela Sérvia

  1. Nosssa!… que interessante!… não sabia que havia uma cidade do amor e muito menos aonde ficava. Lindinha mesmo!… Adoro cidades assim, com jeitinho de cidadezinha, mimosa, com belos calçadões, com mesinhas do lado de fora, aprazíveis locais, belvederes como ai em Novi Sad, Belas igrejas e fortaleza, tudo isso sob um céu maravilhoso anilado e beijada pelas belas águas também azuis do histórico e majestoso Danúbio. Uma pintura!…
    Essas igrejas ortodoxas, tem um interior simples e primoroso. Essas são belíssimas. Amo essas iluminuras. São de uma riqueza e graça incomparáveis.
    Amei a cidadezinha. Fofíssima.
    Engraçadíssimo esse final de festa, típico dessa juventude que turista em grupo. haha
    Pobre Jesus Cristo com esses seguidores Dele:. cada um mais ‘maluco’ que outro.
    Adorei a viagem. Gostaria muito de conhecer a região, seja pela sua sua beleza quanto pela historicidade.. Quem sabe um dia?!…
    Muito boa postagem. Valeu.

  2. Pronto, agora acabei de ler todos os seus posts da antiga Iugoslávia (e como não vou à Macedônia esse ano, beleza). Muito legal seu jeito de misturar história e dicas turísticas, aventuras e sentimentos, palavras e imagens. Pois vou ficar nessas últimas, principalmente sobre as Igrejas Ortodoxas: no geral (Croácia, Sérvia, etc) não é problema tirar foto dentro dos templos? Igreja católica romana eu sei que não; mas nas ortodoxas pela Polônia ou Países Bálticos, sempre tirei meio escondido. E aí? Enfim, valeu, de novo, pelas viagens compartilhadas. Abraço.

    1. Muito obrigado pelas palavras, Décio. Fico contente pela sua apreciação ao estilo.

      Vamos à sua pergunta. Tirar foto dentro dos templos ortodoxos geralmente requer maior discrição, e nem sempre é possível. Ao contrário dos casos da Igreja Católica Romana (onde frequentemente há mais turistas que fiéis), nos países de religião ortodoxa as igrejas costumam estar bem movimentadas, tanto com fiéis quanto com funcionários espiando o movimento, recolhendo velas já queimadas, etc. Há, em especial, um ou mais funcionários idosos comumente à espreita. São ambientes em geral de maior discrição, você verá muitas mulheres de cabeça coberta, etc. Dificilmente haverá avisos explícitos de que não se pode fotografar, mas se você chamar demais a atenção e ficar óbvio que você entrou para fotografar, provavelmente alguém o censurará e dirá que não o faça. Não é muito diferente do que se encontra nos Países Bálticos.
      Um abraço!

  3. Eu e meu marido faremos um passeio fluvial pelo Danúbio agora em setembro 2019 e, pesquisando sobre as paradas do barco trombei com seu post e adorei !

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