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Macedônia do Norte

Visitando a Macedônia de hoje: Em Skopje, a capital deste curioso país

Não há dentre os alfabetizados quem não tenha ouvido falar de Alexandre, o Grande, o conquistador da Antiguidade que nos idos de 330 a.C. derrotou o Império Persa e expandiu seus domínios Ásia adentro até a Índia. Ele era da Macedônia, um reino ao norte das antigas cidades-estado gregas (Atenas, Esparta…) mas dentro da sua esfera cultural (ao que se sabe, os macedônios falavam um dialeto do grego usado nas cidades-estado, e tinham a mesma religião). Seu império se partiu em pedaços quando ele aos 32 anos morreu, mas isso deflagrou o chamado Período Helenístico, quando seus generais  dividiram entre si as terras conquistadas e nelas floresceram a cultura e a língua gregas  pelos séculos seguintes — até o aparecimento dos romanos.

A Macedônia propriamente dita, como reino independente, some quando os romanos a conquistam em 146 a.C. e fazem dela uma província. Seu nome, no entanto, nunca sumiria da memória das pessoas. Os vários impérios e países a dominar a região ao longo dos séculos viriam quase sempre a ter uma província chamada “Macedônia”.

O último a fazer isso foi o finado presidente iugoslavo Josip Broz Tito, que em 1944, no apagar das luzes da Segunda Guerra Mundial, organizou o país nos moldes da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e estabeleceu dentro da Iugoslávia uma “república” (na prática, uma província) chamada Macedônia. A sua vizinha ao sul, a Grécia, à época já tinha também uma província com esse nome. (Isso não é tão incomum quanto você talvez imagine. Na China há uma região chamada “Mongólia” na fronteira com a Mongólia independente; no Irã há uma província “Azerbaijão”, ao lado do país Azerbaijão; e na Romênia há uma região chamada Moldávia, ao lado da República da Moldávia, independente. Entre outros casos. Isso ocorre porque quase sempre se tratam de nomes históricos, cuja entidade original não existe mais, e cuja região nem sempre coincide com as fronteiras atuais. Então o nome é adotado tanto num lado quanto no outro.)  

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Quando a Iugoslávia se despedaça em 1991 e essa República da Macedônia tenta entrar na ONU como país independente (como fizeram a Eslovênia, a Croácia…), a Grécia faz um escândalo. Disse que não aceitaria, argumentando que o nome Macedônia era inseparável da herança grega, que esses eslavos não tinham nada a ver com isso, e temendo que depois esse novo país viesse a reclamar para si e querer anexar a região “Macedônia” que estava na Grécia.

O país só conseguiu entrar na ONU com o nome formal de Antiga República Iugoslava da Macedônia, cujo nome completo os gregos sempre insistem em utilizar. É um dos quiproquós também nas negociações para entrada desse país na União Europeia, da qual (ainda) não faz parte, pois seu desejo é usar simplesmente República da Macedônia. Eles, esses eslavos cuja língua (“macedônio”) é um dialeto do búlgaro, reclamam que os gregos na Antiguidade sempre viram os macedônios antigos como estrangeiros, e que hoje convenientemente clamam para si a herança deles. 

Cheguei para conferir pessoalmente essa história.

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Desembarquei no Aeroporto Internacional Alexandre o Grande, de onde estava prestes a tomar a rodovia Alexandre da Macedônia, e antes mesmo de alcançar a capital Skopje  [skópie] você já percebe a tietagem que este país faz com a Macedônia antiga.

O aeroporto é bonito, mas pequeno e quieto. Lembra uma grande caixa de vidro. As lojas estavam quase todas fechadas, e o ambiente tinha um jeito rarefeito de que era muito espaço para pouca gente circulando. O ônibus Vardar Express custa 175 dinares macedônios (o equivalente a uns 3 euros) e te leva ao centro de Skopje, a uns 30 minutos dali. Você pode comprar a passagem direto no ônibus ou num guichê que eles têm no saguão do aeroporto, mas que estava vazio. Uma moça do guichê vizinho — uma morena bonita e elegante, com cara de também boa de papo — perguntou se podia me ajudar e deu aquele “O rapaz estava aqui agorinha, ele foi ali mas peraê que eu chamo ele” tão comum a nós no Brasil. Ligou no celular pro rapaz, que não apareceu, e ela me disse que comprasse no ônibus. Perguntei como se dizia “obrigado” em macedônio. Soa algo como blagodaram, que eu pronunciei com certa precisão e ela fez uma cara de “Ae!”, e ela veio com o punho pra se cumprimentar com o meu, tipo dois manos skatistas. Os macedônios são divertidos.

Era um sábado de tarde, e algumas famílias passeavam pela margem do Rio Vardar, que corta a cidade no centro. De um lado, o centro histórico turco, do tempo em que isto aqui foi parte do Império Otomano (de 1392 a 1918, mais de 500 anos!). Do outro lado do rio, a cidade moderna erigida no século XX. Por toda parte, de qualquer maneira, Skopje exala um ar de “estamos em obras”, com a construção de inúmeros prédios neoclássicos, de arquitetura greco-romana antiga mas com aquele aspecto de estrutura pré-moldada, meio piegas. 

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Estátua do imperador romano Justiniano, com prédio do Museu de Arqueologia em estilo neoclássico ao fundo. Não é feio, mas é algo que você sente que é meio forçado.
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Ponte com fileiras de estátuas de macedônios da antiguidade (note o elmo e o escudo na estátua da esquerda).
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Prédio de governo. A bandeira do país, essa vermelha e amarela, é o Sol de Vergina, um dos símbolos da Macedônia antiga.

Eu nunca havia visto um centro de cidade com tantas estátuas de bronze, nem tamanha dedicação ao chamado nation building — termo em inglês que se refere ao esforço para construção de um imaginário nacional e um sentimento de nação. Há no meio da praça principal uma estátua (de 2014) representando Alexandre em seu cavalo Bucéfalo; uma estátua gigante de Filipe II da Macedônia (o pai de Alexandre) do outro lado do rio; e — a que mais me chamou a atenção — uma enorme fonte com quatro estátuas da mãe de Alexandre: grávida, amamentando, com uma criança de colo, e por fim com uma criança mais crescidinha abraçando-a. (Fiquei feliz que tivessem se lembrado dela.) Os gregos piram!

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Alexandre em seu cavalo, na praça central de Skopje.
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Imagens da mãe de Alexandre o Grande, que era uma estrangeira da região da Illyria, mais a noroeste. (Daí Angelina Jolie, que no mais recente filme sobre Alexandre faz o papel da sua mãe, ter um sotaque de estrangeira.)
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De outro ângulo, com a estátua de Filipe II da Macedônia (o pai de Alexandre) lá atrás.

Claro que, sob essa tintura nacionalista um tanto forçada, existem as grossas camadas de sua História real: de um povo eslavo que foi subjugado pelos turcos e, depois, submetido ao regime comunista iugoslavo.

O centro histórico é um bazar turco ainda deveras autêntico, cheio de personalidade, com muitas mesquitas, lojas, e restaurantes. (Um terço da população é muçulmana; os outros dois terços são quase todos cristãos ortodoxos como os sérvios e os búlgaros.) E o centro moderno de Skopje é repleto de prédios típicos comunistas — grandes, retangulares, acinzentados e sem enfeites —, com um notável centro dedicado à sua filha mais prodigiosa: a Madre Teresa de Calcutá.

Você jura que nunca percebeu que a Madre Teresa de Calcutá não tinha cara de indiana? Ela viveu e trabalhou na Índia, mas não era originalmente de lá. “Madre Teresa”, cujo nome original foi Anjezë Gonxhe Bojaxhiu, era albanesa nascida aqui em Skopje em 1910 quando estas ainda eram terras dominadas pelos turcos. Ela emigrou quando adolescente na vocação de freira, e veio a receber o Prêmio Nobel da Paz em 1979 pelo seu trabalho com os pobres na Índia. Aqui em Skopje há um bonito centro em sua homenagem, com objetos pessoais, cartas, fotos, e uma capela. 

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Ruas de Skopje, Macedônia, com o aspecto de antigo país comunista. Se por um lado há os prédios feios, por outro há as largas calçadas também características.
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Foto da Madre Teresa de Calcutá com Edward Kennedy, irmão do presidente John F. Kennedy.
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Foto da jovem albanesa de olhar determinado que viria a se tornar a lendária Madre Teresa de Calcutá. Uma foto que poucos conhecem.
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A Madre Teresa de Calcutá em aperto de mãos com o Dalai Lama (também recebedor do Prêmio Nobel da Paz, ele em 1989).
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Centro à Madre Teresa no centro de Skopje hoje.
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Interior da bela capela de vidro. A madre faleceu em 1997, aos 87 anos de idade. Foi canonizada pelo Papa Francisco em setembro de 2016.
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Calçadão principal do centro moderno de Skopje.

Se esse acima é o centro moderno, deixem-me agora mostrar-lhes o centro histórico do outro lado do rio, o bazar turco.

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Bazar turco, centro histórico de Skopje. Nem parece que é a mesma cidade das fotos anteriores, mas é.
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Calçadas históricas em Skopje, com uma mesquita ali. Um terço da população da Macedônia é muçulmana.
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Anoitecer no centro histórico (ele fica pouco movimentado à noite), com muitos restaurantes servido pratos de influência turca.
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Comi um belo feijão cozido na vasilha de barro.

E um video breve que fiz quando um tiozinho tocava um instrumento tradicional na rua.

Convenhamos que nem o lado antigo nem o lado moderno de Skopje têm nada a ver com Alexandre. Daí essa insistência em ligar-se à Macedônia antiga parecer um tanto forçada. 

Eu ainda veria mais deste curioso país e de sua gente.

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

12 thoughts on “Visitando a Macedônia de hoje: Em Skopje, a capital deste curioso país

  1. Muito interessante essa história da Macedônia e do litigio com a Grécia, que, a bem da verdade, nunca a viu como grega, nem a ela nem a Filipe que invadiu e conquistou a Grécia, nem a seu filho famoso, que num dos ataques fulminantes destruiu varias cidades gregas, entre elas Tebas deixando de pé só a casa de Píndaro um poeta. Claro que Alexandre apesar de tudo foi responsável por difundir a cultura e a civilização gregas. Dai a tomar posse dele, desconhecer que ele era Macedônico e seu pais tem direitos a ele são outros ‘quinhentos’ como se diz na gíria aqui no NE do Brasil.
    Apesar de amar a Grécia acho um abuso esse fato e o não deixar a Macedônia entrar na UE com seu nome histórico.
    Afora esses conflitos históricos atuais, gostei muito da cidade e achei curiosa também a quantidade de estatuas..
    Amei como sempre, os belos calçadões, os lampiões, as mesinhas nas calçadas. Sempre gosto mais dos lados turcos, acho mais aprazíveis e autênticos.
    Curiosa essa homenagem à mãe de Alexandre.
    Lindo esse centro em homenagem à Madre Tereza. Gente, fiquei surpresa, nem sabia que não era indiana hahah, Passei batida haha

    1. Olá, planejo fazer essa viagem no próximo ano e gostaria de saber se dá para visitar a cidade, tranquilamente, falando apenas inglês, ou se isso limita muito as coisas. O que acha?

      Qual a melhor moeda para se levar, o euro, ou a moeda local?

      Obrigado.

      1. Olá, Fassarella!
        Sim, é perfeitamente possível visitar Skopje falando apenas inglês. Nem todo mundo é fluente, mas se você tiver certa paciência e estiver preparado para, eventualmente, ter que misturar inglês a gestos, resolverá tudo sem problemas.

        Quanto à moeda, traga euros para esta região e os troque pelas moedas respectivas quando chegar aos países (não troque antes de vir). Aqui na Macedônia, para os gastos no dia-dia vocês precisará de dinares macedônios. (Hotéis e alguns restaurantes maiores podem até aceitar euros, mas sempre será numa cotação que lhe será desvantajosa.) A rodoviária, lugares mais simples onde comer, etc. sempre quererão o pagamento em dinares macedônios. (Se você ficar com algum excesso deles após sua viagem, pode trocá-los por euros em Kosovo, ou por lari da Albânia, a depender de aonde você estiver indo em seguida. Os países vizinhos trocam os dinares macedônios sem dificuldade.)

        Boa viagem! Qualquer outra dúvida, é só dizer.

  2. Boa tarde Mairon Giovani! Adorei o wue escreveu sobre a Macedónia. Gostava de saber, por favor, se se pode beber água da torneira em Skopje, na Macedónia do Norte. Muito obrigada!
    Ana Luísa Geraldes

    1. Bom dia, Ana Luísa!
      Contente que tenhas gostado do que escrevi sobre a Macedônia. Quanto à sua pergunta, a resposta é sim. A água da torneira em Skopje é potável. Eu bebi dela e não tive problema algum.
      Bons preparativos!
      Mairon

  3. Conheci seu blog hoje numa busca sobre a Macedônia e já estou apaixonada pelos seus textos, achei muito criativos e esclarecedores…
    Farei um intercâmbio em julho/2020 em Skopje e gostaria de aproveitar pra conhecer outros países da região. Como vou fazer estágio durante a semana, terei apenas os finais de semana livres (a partir de sexta à tarde). Vi que vc responde com muito carinho e paciência os comentários, por isso resolvi pedir uma dica de quem conhece bastante a região.
    O que vc sugeriria de fazer em 3 finais de semana diferentes? Estava pensando em Ohrid, pois parece bem bonito, mas gostaria também de conhecer um pouco alguns países próximos.
    Li em outro lugar que alugar carro e cruzar essas fronteiras é meio complicado, então tô achando bem difícil montar um roteiro legal…

    1. Oi Marissol, bem-vinda ao site!
      Muita gentileza sua. Agradeço o carinho e os elogios. Fico contente que esteja gostando, e no que eu puder ajudar, estamos aí.

      Vamos lá. Em Julho você vai pegar o alto do verão na Macedônia. Prepare-se para um certo nível de calor (seus 30 e poucos graus, secos se comparados com a maior parte do Brasil). Muita gente irá para o Lago Ohrid, e a cidadezinha provavelmente estará em pleno vapor. Reserve acomodação lá com certa antecedência. Sugiro que um dos seus 3 fins de semana seja de fato lá. As passagens de ônibus você compra com facilidade de um dia para o outro na rodoviária de Skopje (tente já comprar também a passagem de volta para não ter dificuldade de retornar no domingo, já que provavelmente muita gente da capital fará o mesmo trajeto que você).

      Os outros dois eu sugeriria uma ida a Kosovo e outra à Albânia — são os países mais práticos aonde ir por um fim de semana a partir de Skopje. Num deles, você pode tomar um ônibus para uma curta viagem até Pristina, a conhecer a capital de Kosovo. Mas não gaste todo o fim de semana lá; vá já no sábado a Prizren, que fica mais um pouco afastada (requer um outro ônibus, saído de Pristina) e é mais pitoresca que a capital.

      No terceiro fim de semana, você pode ir a Tirana, a capital albanesa. É uma cidade mais interessante do que se imagina. Como é um destino um pouquinho mais distante, não sei se você encontrará ainda ônibus na sexta no fim do dia. Talvez tenha que esperar para ir sábado de manhã; mas procure; eles podem atualmente ter algum ônibus noturno. (A Albânia não é tão perigosa quanto os outros europeus pensam.) Há outras cidades de interesse na Albânia, como Berat, mas talvez seja mais tranquilo você passar o fim de semana visitando a própria Tirana. Ela tem suas áreas belas, gente simpática e poliglota, e muita coisa histórica.

      Nos links acima você chega às minhas postagens de cada uma dessas cidades. Eu as visitei no fim do inverno; você em julho as pegará ainda mais bonitas, eu creio!

      São algumas ideias :-). Se tiver outras perguntas, não hesite. E ótimos preparativos!

      1. Nossa, só queria mesmo agradecer tanta informação pertinente que deu aqui. Nem pensava em ir por estas paragens e agora me interessei. Obrigada!

  4. Parabéns pelas descrições objetivas e sintéticas dos pontos relevantes. Tenho vontade conhecer essa região. Qual a empresa de turismo mais conhecedora e experiente pra se procurar aqui no Brasil. Mor em Brasília.
    Grato e continue publicando experiências de visitas a esses lugares remotos.

  5. Outro ângulo interessante dessa rivalidade entre gregos e macedônios. Ouvi o seguinte argumento: “Alexandre era grego? Ora diabos, Alexandre conquistou a Grécia e usou os gregos como escravos a seu serviço. Nunca fomos o mesmo povo.”

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