Kosovo é esse país europeu de que quase todos nós já ouvimos falar, mas que poucos realmente compreendem. Sua guerra de separação da Sérvia nos anos 90 foi algo a que o mundo todo assistiu, e de que todo mundo ouviu falar. (Eu tinha até um amigo apelidado de “Kosovo” à época. Não me pergunte o porquê; ele já tinha esse apelido quando eu o conheci.)
Nunca ninguém nos explicou por que raios esse pedaço de território quis ser independente da Sérvia. Foi apenas em 2014 que a minha ignorância foi resolvida quando, na Bósnia, alguém me informou que praticamente todos os kosovares são de etnia albanesa, falam albanês, e tem pouco a ver com a Sérvia. (Eu fiz aquela cara de “Aaaaaaaah!”)

Hoje, grande parte do mundo reconhece a independência de Kosovo; mas muitos, não. A Sérvia obviamente não a reconhece — até a previsão do tempo que vi na televisão em Belgrado, a capital sérvia, mostra a previsão do tempo para Kosovo muito naturalmente como se fosse parte do país. A Rússia, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e amiga da Sérvia, não reconhece, então Kosovo nunca entrou para as Nações Unidas. Na prática, entretanto, é um país independente.
Embora o Brasil tampouco reconheça a independência de Kosovo, nós brasileiros podemos visitá-lo sem visto e sem problemas. Foi o que eu fiz, vindo cá de ônibus desde Skopje, na Macedônia.

Era um dia de chuva, feio, daqueles ótimo de você viajar e estar na rua com seu mochilão. Por sorte, a viagem de Skopje até Pristina é curta: apenas 2h de viagem as separam, com a pausa pra cruzar a fronteira e a checagem de passaporte. Nem precisamos descer do ônibus: o assistente do motorista passa recolhendo os passaportes, os oficiais de fronteira entram dando bom dia como se já conhecessem o motorista de outros carnavais, olham para a cara de um por um dentro do ônibus, e depois os passaportes nos dão devolvidos e todo mundo seguem viagem. Um sossego.
Era março, inverno, e a chuva e o vento eram apropriados. Só não para caminhar na rua de mochila nas costas e procurar caminho até o centro de Pristina, onde ficava o meu albergue.
A rodoviária de Pristina fica uns 2km afastada do centro, mas dá para andar. Basta seguir o fluxo de pessoas. Os prédios nos arredores da cidade são feíssimos; no centro, são um pouquinho mais bonitos, mas mesmo assim nada muito impressionante. Os kosovares, por outro lado, são prestativos e muitas vezes simpáticos. Fala-se a língua albanesa aqui, uma língua misteriosa, desassociada de qualquer outro idioma indo-europeu, e que lhes dá um talento incrível para aprender com facilidade outros idiomas. Não é raro que eles falem quatro, cinco idiomas. Então você facilmente se comunica em inglês.
Com minha cara morena, o engraçado foi quando me pararam na rua para me perguntar, em albanês, como chegar à rodoviária. (Entendi a tônica da pergunta, e respondi em inglês.) Foi pouco antes de chegar à estátua de Bill Clinton, erigida ali em meio àqueles prédios em homenagem ao presidente norte-americano que bombardeou a Sérvia e ajudou Kosovo a adquirir sua independência.


A independência de Kosovo é até hoje uma questão controversa. Os sérvios dizem que o território era historicamente deles, ainda que albaneses depois tenham se mudado para lá (lembre que, até 1918, tudo isso era parte do Império Turco Otomano, com certa mobilidade entre suas províncias, e os turcos às vezes ordenavam a transferência de comunidades inteiras de lá pra cá). Por outro lado, os kosovares clamam seu direito à autonomia, e dizem que eram mal-tratados como minoria étnica pelos sérvios.
A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar liderada pelos EUA) interveio em favor dos kosovares (de etnia albanesa) quando os sérvios estavam para esmagá-los, e Kosovo ficou sob proteção da ONU até declarar formalmente a sua independência em 2008. Ainda é possível ver soldados dessas forças de paz nas ruas de Pristina.
Como essa independência e esse reconhecimento se deram em 2008 ainda durante a presidência do notório George W. Bush, há aqui uma avenida com o seu nome. (Eu acho que é o único país do mundo, fora dos EUA, a ter uma rua com o seu nome.)

“Kosovo”, pra quem não sabe, é o nome histórico que esta província otomana tinha no século XIX. O nome se origina do grego antigo Kossyfos, ou “pássaro negro”, e foi aplicado a uma batalha em 1389 — A Batalha dos Campos de Kossyfos, ou dos Campos dos Pássaros Negros — onde o exército turco otomano derrotou um príncipe sérvio e começou a consolidar seu domínio sobre esta região, que dominaria por mais de quinhentos anos até 1918.
O lugar mais belo a se visitar em Pristina é, sem dúvidas, um par de casas tradicionais turcas dos séculos XVIII e XIX, que hoje constituem o chamado Museu Etnológico de Kosovo (entrada franca).







As ruas de Pristina estão longe de serem o Ó do Borogodó — e não há quase nada o que ver —, exceto pelo Boulevard Madre Teresa no centro. (Madre Teresa, como eu disse no meu post de Skopje, era albanesa.) Há uma estátua dela no boulevard também e, mais adiante, uma catedral que leva o seu nome. Embora a maioria dos albaneses sejam muçulmanos não-praticantes, há uma minoria católica romana.







A cidade é pequena e tem pouco em termos de atrativos, então muita gente faz uma viagem bate-e-volta a partir de Skopje, na Macedônia. De fato, um dia é mais que suficiente para se ver o que há de interessante. Eu, no entanto, optei por dormir aqui para ir a seguir a Prizren, considerada a cidade mais bonitinha de Kosovo, e um pouco mais distante. Eu de lá entraria na Albânia.
Fui assistir a Logan no cinema à noite pela bagatela de 3 euros — Kosovo usa euros porque não tem moeda própria —, comi sanduíches pela rua, e comprei um livro sobre a história deste lugar. Vaguei pela rua como um dos albaneses, e zarpei na manhã seguinte.
Mairon!!!Muito legal ler posts de lugares que visitei e que qui no Brasil,ninguem fala. Fiz o mesmo caminho que voce.De Skopje fui para Pristina,e de lá fui para Peje,para retornar por Montenegro.Foi uma viagem linda!!!
Ola em 03 de April eu estava em Bucarest e vou visitar kosovo e regiao em 2018. Abraco a todos os viajantes
Caro Paulo, quando voce vir visitar o Kosovo me avisa, sou albanes do Kosovo que morei 5 anos no Brasil. Pelo menos vamos se encontrar e bater um papo sobre o Kosovo. Abraco
Muito interessante a história e a luta de Kosovo para se tornar independente. Soubemos desse drama e vimos fotos terríveis mostradas pelas televisões. Muito triste. Lamentáveis esses fatos que se reproduzem em varias partes do mundo. Infelizmente o bicho gente ainda não aprendeu a viver com seus semelhantes.
Achei linda aquela praça à noite, `Parece um pouco com Fes no Marrocos com seu Portal Azul.
Um encanto esses museus que reproduzem casas turcas. Um dos pontos altos da cultura turca e da postagem.
Curioso o tal lego ‘cheguei’ . Espero que Kosovo consiga se integrar à UE. Seu povo merece.
Achei também curiosa a rua com o nome do Bush.
Pois é o Clinton foi decisivo na luta contra a Servia. Torcíamos por Kosovo, apos ver as matanças do tal Milosevik..
Gostei do Boullevard e de conhecer de perto a capital e a Historia desse new born pais. Que consiga viver em paz. Valeu, viajante.
Boa noite Mairon! Interessante o seu post. No caso estou pretendo visitar o país, partindo de Nis, na Sérvia. Compensa ir primeiro pra Skopje e depois para Pristina ou o contrário? Meu voo de volta sai de Nis e a locomoção pelos locais pretendo fazer de bus, Obrigado pelas dicas, abraço!
Bom dia, Fernando!
De Nis, eu acho melhor você ir primeiro a Skopje, e de lá a Pristina. Se você for de Nis direto para Pristina, as autoridades sérvias (que não consideram Kosovo um país independente) não estamparão seu passaporte na saída, e vai ficar como se você ainda estivesse na Sérvia. Quando tentar retornar a Nis para pegar seu voo de volta, pode ter problemas, pois eles vão dizer que você saiu do país ilegalmente e agora está tentando entrar de novo. Melhor incluir a Macedônia como um “sanduíche” entre Sérvia e Kosovo, e assim você não terá problemas com as autoridades. Os trechos de ônibus são tranquilos. Abraço!
Olá Mairon. Estamos planejando nossa viagem pelos Balcãs passando por vários países e “aceitamos” tua dica é vamos também para Pristina. Sairemos de Skopje e pretendemos ficar um dia d meio mais ou menos, retornando para Skopje e depois Sófia, Belgrado, Sarajevo, Mostar, Split e Zagreb. Ah, antes de Skopje passaremos por Bucareste ; Istambul, Atenas e Tessalonica.
Temos seguindo teus relatos que melhoraram nosso passeio. Continue assim, nós viajantes te agradecemos.
Finalizando :.Somos um casal, de.Novo Hamburgo Rio Grande do Sul.l
Um abraço,
Jurandir e Elaine
Obrigado Jurandir (e Elaine), eu agradeço a gentileza e fico contente que minhas postagens estejam ajudando vocês.
Vocês terão uma riqueza de lugares interessantes aí pela frente. Boa viagem!
Um abraço,
Mairon
Mairon, parabéns pelo blog.
Em outubro de 2023 vou fazer uma viagem pela região dos países Balcãs, iniciando pelas cidades de Bucareste, Sofia e Escopia.
A partir de Escopia, na Macedônia do Norte, gostaria de visitar Pristina no Kosovo (por terra), mas tenho lido muito sobre a questão de ao entrar nesse país diretamente por uma fronteira Sérvia e, posteriormente não conseguir entrar na Sérvia, pois pelo meu roteiro, após visitar Pristina, seguiria para Tirana na Albânia e depois pegaria um avião para Belgrado.
Você poderia, por gentileza, me dar sua opinião, para entender se de fato eu teria alguma restrição ou impedimento de entrar na Sérvia (por um terceiro país – Albania, por exemplo), posteriormente, tendo em meu passaporte um carimbo do Kosovo (tendo entrado pela Macedonia e voltado para lá)?
Muito obrigado pela ajuda.
Olá Diego, tudo bom? Obrigado pelo elogio, e prazer em poder ajudar no possível. No meu entendimento, não haverá problema no que você pretende fazer. A Sérvia não boicota nem pune quem foi ao Kosovo, nem eles vasculharam meu passaporte atrás de carimbos para ver se eu havia ido lá. O problema é apenas *se você entrar ou sair do Kosovo pela Sérvia*, já que para os sérvios aquilo ali é parte do seu país. Então, por exemplo, se você entrar na Sérvia, for de lá ao Kosovo, e sair pelo Kosovo, os sérvios não registrarão sua saída da Sérvia, o que poderia gerar problema futuro.
(Você, inclusive, pode ver uma indagação idêntica aqui, em inglês. Pode viajar tranquilo.)
Exelente ler o que vc descreve sobre viagens!