Vamos a uma jornada por este país que quase todos os brasileiros conhecem, só que não.
Sereníssima Respublica, em latim, é a alcunha que recebe San Marino, este país independente encravado no território italiano. Um dos micropaíses da Europa, ele é conhecido de quase todos os brasileiros graças à Fórmula 1 (embora tenha sido o infeliz Grande Prêmio da morte de Ayrton Senna), só que poucos brasileiros de fato vêm aqui. É uma joia a ser descoberta, pois San Marino oferece um dos mais lindos cenários medievais de toda a Europa.

San Marino é atualmente a república mais antiga do mundo. Estabelecida em 303 d.C., ela não participou da Unificação Italiana no século XIX, como tampouco participa da União Europeia — embora use o euro e não haja controle de fronteiras. É um território pequenino, de meros 61km² (um terço da cidade de Aracaju, e provavelmente o tamanho de algum bairro de São Paulo), mas impressionantemente elevado e cheio de fortificações medievais.
A quem ficou curioso, o título de sereníssimo foi uma honra medieval atribuída certa vez pelo imperador de Constantinopla ao duque da República de Veneza (o doge). Com o tempo, isso foi estendido à república veneziana como um todo, que foi conhecida na Idade Média como La Sereníssima. Outras repúblicas italianas independentes à época, como Gênova e San Marino, não querendo ficar pra trás, adotaram a mesma alcunha. Mas, delas todas, só San Marino se manteve como república independente — a última das sereníssimas repúblicas.
Para quem gosta de cenário medieval, San Marino é um dos lugares mais bonitos de toda a Europa, digo-lhes.



Para chegar aqui, o mais fácil é vir de ônibus saindo de Rimini, a cidade italiana mais próxima. Não há trens para San Marino. Esse ônibus direto sai todas as horas da estação de trens de Rimini e faz o trajeto em cerca de 50 minutos. A parada final dele é a entrada da cidade antiga de San Marino, já no alto. Ele custa 5 euros a ida, e você pode comprar a passagem direto com o motorista. Seu ponto fica em frente a um Burger King próximo da Stazione di Rimini.
Rimini foi também onde me hospedei. Há bem mais opções, e mais econômicas que em San Marino. A sereníssima república é pequena, e você a vê num dia. Só é necessário se hospedar aqui se você fizer questão de vê-la iluminada à noite.

A minha noite anterior em Rimini havia sido de bonança. Basta chegar à Itália e, imediatamente, a sua ingestão de comida dobra. Você toma o dobro de sorvete e, como eles aqui têm o peculiar hábito de comer dois pratos por refeição (primo piatto e secondo piatto), você basicamente come duas vezes. (Ver aqui o meu post sobre as peculiaridades do comer na Itália.)
Aqui na região da Emilia-Romanha então, onde fica Bolonha, eles são famosos na Itália por sua qualidade de massa, e eu me fartei. (O molho que chamamos popularmente de “à bolonhesa” é aqui conhecido como ragù, caso você venha procurar.)

Na manhã seguinte, achei o meu caminho até lá o alto, os drásticos 749m de altura da Città di San Marino que você sobe de ônibus. É tão alto e repentino que, embora San Marino esteja península adentro, você avista até o Mar Adriático lá de cima. (Você também percebe que não foi à toa que a cidade conseguiu permanecer independente ao longo de tanto tempo.)
Como era março, as ruas estavam tranquilas, e às 10h da manhã as lojas ainda ensaiavam abrir. O ventinho de seus 15 graus avisava que ainda era inverno, mas o sol raiante dizia que a primavera já estava por vir.
O ônibus deixa você no exterior da Porta de São Francisco, uma das entradas pelas muralhas para a cidadela medieval, também conhecida como Porta del Loco.



Não faltam a San Marino ruelas charmosas, conventos reclusos, igrejas decoradas, e recantos variados a visitar, além da área fortificada de passadiços e torres medievais. Eu bordejei tentando passar por todas as ruas que encontrava, e entrando em todos os lugares que pudesse. A cidadela toda é desde 2008 reconhecida como Patrimônio Mundial pela UNESCO.












Dos lugares de cunho religioso, a Igreja de São João Batista é muito bonita, em típico arranjo neoclássico italiano. Se quiser algo mais simples e antigo, o Convento das Clarissas, iniciado no século XIV, tem uma atmosfera de paz e sossego.
E, afora esses, há a catedral do patrono do país: San Marino. Você vai dizer que você nunca parou pra se perguntar quem era o tal São Marino que dá nome ao país? (Eu mesmo confesso que nunca.) Marinus foi um pedreiro cristão do século IV, oriundo de uma ilha da atual Croácia no Mar Adriático (daí o seu apelido Marinus, aquele que vem do mar). Ele fugia da perseguição do imperador romano Diocleciano aos cristãos, a mesma que martirizou personagens como Santo Expedito e São Jorge, e no ano 301 ele fundou aqui uma capela e um mosteiro. Neste monte é que, poucos anos depois, a sereníssima república independente viria a surgir.





Quando aproximou-se o meio-dia, parei para comer uma pasta italiana com vista para os campos. Embora sejam politicamente independentes, culturalmente os são-marinenses são praticamente idênticos aos italianos, e usam o italiano como primeira língua. (No entanto, não diga isso a eles, pois eles se orgulham de ser independentes e dizerem-se diferentes.)






Você pode caminhar por várias dessas muralhas, mas não todas. Subir é permitido até um certo ponto. Nesta baixa estação, houve momentos em que tive pedaços inteiros desse cenário medieval pra mim, deixando as sensações a cargo da imaginação.
Depois, deixei as sensações a cargo da língua, e fui tomar um sorvete. Bordejei ali um pouco pela tarde, não comprei nenhum perfume, e retornei a Rimini antes do fim do dia. Era o final desta viagem que levou-me à Sérvia, Macedônia, Kosovo, Albânia, um tiquinho da Itália, e agora esta sereníssima República de San Marino. Prazer em conhecê-la.
Caso você ainda não tenha visto e queira conferir os posts anteriores desta viagem, são estes:
SÉRVIA
Belgrado, Sérvia: Cristãos ortodoxos entre os mundos austríaco e turco
Novi Sad, a capital do amor, e minhas andanças pela Sérvia
MACEDÔNIA
Visitando a Macedônia de hoje: Em Skopje, a capital deste curioso país
Ohrid e seu lago na Macedônia: Os Bálcãs e suas belezas
KOSOVO
Visitando Kosovo e sua capital, Pristina
Prizren, a cidade mais charmosa de Kosovo
ALBÂNIA
Albânia (ou Shqipëria, “a terra das águias”): O lindo país europeu que você nunca pensou em conhecer
Gjirokastër, a cidade de pedra nas montanhas da Albânia
Berat, Albânia: A cidade das mil janelas
ITÁLIA
Rimini, Itália: Entre a Ponte de Tibério, o Arco de Augusto, e o sorvete italiano
Adorei a apresentacao que fez sobre esta linda e desconhecida Republica. Sou uma fa incondicional de historia antiga e a Idade Media e minha paixao. Estou indo a Italia agora em maio. Vou colocar esse pedacinho historico no meu roteiro. Obrigada..
Obrigado, Maria Celi! Contente em tê-la inspirado. Faça uma ótima viagem, e tenha boas experiências!
Além de ser muito gostoso ler e ver tudo que vc posta, vc também é cultura pois aprendemos muito com seus artigos e suas viagens.
Obrigado, Wilson! Eu fico contente em poder transmitir o que aprendo nas viagens.
Nossa, que pequena notável essa Sereníssima Republica!.. e que íngreme e perigosas subidas. Amei os belos arcos, as fortificações, a altura e as paisagens dela decorrentes. Lindas. Impressionante a altura. Só não me apraz a subida. haha. Este ambiente medieval é deveras cativante. Adoro. Encantei-me com a paz das clarissas. Uma graça a natureza e as construções. Bela região.
Linda a paisagem da comilança. Adorei.
O casario e as ruelas são um encanto à parte. Tambem prefiro lugares sem muitos turistas. Adorei. A Itália e seus espetáculos.