Itália, famosa por sua boa mesa. Provavelmente você conhece mais pratos italianos do que de qualquer outra culinária estrangeira. Quem não gosta de uma boa lasanha, ravioli, pizza, um bom café espresso, um vinho… Você pode não gostar de todos esses, mas certamente de vários, gosta. (Adora, talvez). Só que há muita coisa que você não sabe, inocente. Minha intenção aqui é compartilhar algumas dicas, alertas, e particularidades sobre o comer na Itália, com base na minha experiência.
Comecemos pelo que vocês provavelmente já conhecem. Esse curto vídeo abaixo (“10 coisas que amamos na Itália”) é todo sobre gastronomia. Certamente há outras coisas a serem amadas na Itália, mas ele sintetiza bem a nossa visão — e, de fato, muito da cultura gastronômica italiana. Além disso, a música de fundo é pra lá de empolgante. (É só clicar e dar o play. Vocês não vão se arrepender.)
10 Coisas que Amamos na Itália.
Legal, né? Eu aí só dispensaria o prosciutto, e deixaria o porco vivo. Mas, no geral, é difícil não se apaixonar (até mesmo porque o próprio vídeo mostra casais de gente simpática celebrando a vida através da gastronomia — parte importante da filosofia de vida italiana). Só que, como diriam os romanos, é preciso tomar isso cum grano salis, “com um grão de sal”. Ou seja, vamos temperar isso um bocadinho.
Se você acha que esse estereótipo o torna preparado para vir comer na Itália sem se surpreender, está pra lá de enganado. Não só há muitos pratos que não se encontram no Brasil ou no exterior de modo geral (já comeu polvo cozido em algum restaurante italiano no Brasil?), como também a estrutura das refeições na Itália é bastante diferente. Em alguns aspectos, ela é diferente de qualquer outro lugar do mundo. Além disso, o que não faltam são armadilhas para turista que chega achando que aqui na Itália qualquer bodega serve uma boa pizza, ou boa comida. Não é à toa que muitos vêm e se decepcionam.
Então, vamos por partes.
Primeiro, uma crítica, até para que fique claro que isto aqui não será simplesmente uma apologia rasgada à cozinha italiana, como costuma ser. O café da manhã na Itália é muitas vezes sofrível. Normalmente, os italianos tomam uma xícara de café com biscoito, um croissant ou algum outro pãozinho com geléia e manteiga, e só. (Agora se pergunte qual é o valor nutricional disso). Na prática, você logo fica com fome novamente — quando então os italianos fazem uma pausa para a merenda matinal e mais café com biscoito. Nada de frutas, ovos, ou essas coisas de café da manhã brasileiro. Se você estiver habituado a cafés da manhã fartos, vai penar aqui.

Uma vez na rua, você encontrará o cafezinho por toda parte. Aqui praticamente não existe o café coado, servido na cafeteira e de cortesia em restaurantes, como ocorre no Brasil. O padrão italiano é um pequeno espresso, que você acha em todo lugar e que normalmente custa apenas 1 euro. É forte e saboroso, como reza a fama do café italiano (café que na verdade é africano, brasileiro, ou de alguma outra parte da América Latina e que a gente exporta pra ser torrado no exterior, como sempre fizemos desde os tempos de colônia). Mas tenha em mente que ele é pequeno. Às vezes acaba sendo mais um ristretto, que é uma “dose” miúda, só para ficar com o gosto na boca. Não se surpreenda se sentir vontade de pedir um segundo; ocorre comigo várias vezes.
Mas logo vai lhe bater a vontade de fazer uma refeição de verdade.
E, na Itália, você come duas vezes. Basta chegar, e sua ingestão de comida dobra.
Seja almoço, seja jantar, aqui na Itália as refeições não são como no Brasil, onde você tem vários pratos dispostos à mesa e vai pegando disso e daquilo. Pode ocorrer, mas em geral — não só em restaurantes, mas também nas casas — as refeições seguem uma sequência. Primeiro, pão com azeite de oliva, depois salada (regada a vinagre balsâmico e mais azeite), primo piatto, secondo piatto, sobremesa, e café no final. Eu explico.
Esse negócio de primo piatto e secondo piatto eu nunca vi em nenhum outro lugar do mundo. Na prática, você come duas vezes. Um amigo italiano me explicou certa vez que “A massa para nós é algo de respeito, não pode ser um acompanhamento; ela precisa ser um prato ela própria“.
Portanto, o primo piatto costuma ser sempre uma massa, e o secondo piatto uma carne ou peixe com acompanhamentos (embora hoje em dia muitos restaurantes ofereçam opções vegetarianas). Não se iluda se o prato parecer pequeno, pois depois vem outro. Na verdade, após pão, salada e um prato de massa, não é raro já estar satisfeito e ainda ter que encarar o secondo piatto por vir. Então não abuse do pão da cestinha, para não perder o apetite.




Tudo isso é normalmente regado a muito vinho. Quase sempre você terá a opção (sempre mais em conta) do “vinho da casa”, normalmente servido em elegantes garrafinhas de vidro sem rótulo. Se não gostar de vinho, está ferrado. (Sim, ao contrário do que se faz crer, há pessoas que não gostam de vinho.) Infelizmente, aqui na Itália raramente há outras opções decentes de bebida, e se você abrir a boca pra dizer que não gosta de vinho, vão lhe olhar como se você tivesse duas cabeças. Os sucos são inexistentes ou de garrafinha, e sempre os mesmos sabores (maçã ou laranja, com aquele gosto de suco de supermercado). Se você não quiser bebida alcoólica, a alternativa quase sempre é água ou refrigerante. Se gostar de vinho, aí as opções são fartas.
É bastante comum encontrar essa sequência de pratos em menus fechados, às vezes até com o vinho da casa incluso num preço fixo. Há quase sempre um “menu do dia” mais em conta. Costuma ser uma boa pedida, pois comer fora na Itália não é exatamente barato. Mesmo o menu do dia às vezes sai por 15, 20 ou 25 euros (ou seja, estamos falando de uns 50 a 80 reais no seu almoço). Já que vai pagar, melhor se certificar de que é de qualidade e não alguma enrolação para pegar turista.
Na Itália, é fundamental saber onde comer. Sei que isso normalmente se aplica a qualquer lugar, mas aqui me parece ainda mais importante. A comida pode ir do céu ao inferno. Todas as vezes em que fui a algum lugar recomendado por amigos italianos — sempre locais lotados de italianos e não de turistas — comi muito bem. Já nas demais vezes, em restaurantes de áreas turísticas, a comida foi muitas vezes lamentável (e não necessariamente mais barata). Portanto, aqui vão algumas dicas importantes.
Dica 1: Procure comer onde os italianos comem.
Se você olhar para dentro de um restaurante e vir muita gente com cara de turista nas mesas, dê meia volta e procure outro lugar. Não é uma regra infalível, mas é um indicador muito útil. Restaurantes que servem para o público turista não estão nem aí para a fidelidade do cliente, e servem qualquer bagulho.
Muitas vezes, a melhor comida está nos lugares mais despretensiosos, como numa simples padaria ou no restaurantezinho de esquina.
Procure pelo Google mapa ou a pé mesmo, e vai ver que logo ali, virando a esquina numa ruazinha perto do seu hotel, há uma cantina que serve comida italiana muito mais autêntica. Não se intimide se às vezes for algo de decoração simples e com mesa longa de refeitório — às vezes esses são os melhores.

Dica 2: Descubra o que é típico de cada região.
Na Itália, há variações regionais imensas, muito maiores do que você imagina. O que dá qualidade à comida italiana é aquele “saber fazer” tradicional, manual, e que normalmente é arraigado a uma região específica, não ao país inteiro.

A pizza que você encontra em Veneza não é necessariamente melhor do que a que você encontrará em Campina Grande na Paraíba. Se você quiser a pizza tradicional original, vai ter que ir a Nápoles, que é onde a pizza surgiu. Assim como o verdadeiro cannolo siciliano você só encontra na Sicília. Esse doce que você encontra em qualquer aeroporto da Itália, eu provei em Roma e achei horrível — até que, depois, fui à Sicília, e o original é incomparável.
No mais, é como vir ao Brasil e comer acarajé no Rio de Janeiro ou tutu mineiro no Ceará. Pode até ser bom, mas a chance de ser algo de primeira é muito maior no local de origem.

Você também vai descobrir que muitos pratos típicos são, na verdade, frutos-do-mar ou peixe, coisa que a gente raramente vê em restaurantes italianos brasileiros. E, admitamos, muitos desses pratos típicos não fariam muito sucesso no Brasil. Polvo cozido? Enguia frita, como se come na costa da Toscana? Ou radicalize um pouquinho mais, e experimente o queijo casu marzu, da Sardenha, feito com leite de ovelha e larvas de mosca. E, segundo dizem, as larvas precisam estar vivas, senão o queijo estraga. (Esse conceito de “estragado” aí precisa ser debatido…).

Há todo um lado mais “peão” da culinária italiana que dificilmente se acha fora da Itália. São muitas as linguiças, salamis, tripa, fatias de banha frita, sanduíche de baço de vaca (este na Sicília) etc. Enfim, são “guloseimas” populares que você normalmente não encontra nos restaurantes italianos fora da Itália. Mas, se vier aqui, vai encontrar.
Prove a seu próprio gosto, e não se esqueça de também descobrir os aperitivos e digestivos de cada região. Cada uma costuma ter o seu próprio: limoncello na região de Nápoles, fragolino ou frágola na região de Veneza, etc. Falando em aperitivo, aqui vai a terceira dica.
Dica 3: Happy hour na Itália não é só de bebida.
A hora do “aperitivo” (como eles dizem também em italiano) é um período, normalmente entre 18-21h, em que há buffets com preços relativamente camaradas, quando você pode jantar por menos de 10 euros. Normalmente, as bebidas também saem mais em conta, e os restaurantes ficam repletos de jovens. A menos que você esteja procurando um jantar romântico, vale a pena.
Abuse das sobremesas, desde um simples panna cotta (um creme de leite com açúcar deixado mais durinho como um pudim), até o lendário tiramisú (“jogue-me pra cima”, traduzido literalmente), feito com biscoitos, creme, rum e pó de café por cima.
E o sorvete? Não o vi muito como sobremesa, mas é claro que as gelaterias estão aqui por toda parte. Só não caia na besteira de se precipitar achando que todos eles são bons só porque você está na Itália. Não faltam cartazes anunciando “sorvete italiano” aqui e ali. Qualquer brasileiro já experimentou sorvete bom e sorvete ordinário, então seja criterioso. Você vai sentir falta dos sabores de frutas tropicais que a gente tem no Brasil (não venha pra a Europa pra tomar sorvete de manga aqui), mas há vários outros sabores, alguns raros no Brasil, como pêra ou pistache, e outro conhecidos, como stracciatella (vulgo “flocos”), e que valem muito a pena experimentar.

Empolgue-se — a fartura da gastronomia na Itália merece a sua empolgação. Mas venha além dos estereótipos, e lembre que aqui é vital ser criterioso, pois o que não falta é gente tentando se aproveitar do romance que o mundo tem com a culinária italiana. Nem de tudo você vai gostar, mas experimente, aprenda, coma. Espero que essas dicas e informações tenham ajudado a dar o tempero de realidade necessário. Preparado, buon appetito! (No caso do queijo da Sardenha, boa sorte.)
Caso queira conferir em detalhes as minhas andanças pela Itália, é só conferir a seção do país.
Mairon que buen post! Me quedé pensando en el queso de larvas, es sabroso? Se come sin larvas verdad?
Gracias, Magda! Este queso con larvas todavía no he probado! (Sardinia sigue en mi lista de destinos a conocer). Pero lo que escucho es que hay personas que las sacan, pero otras comen queso con larvitas y todo 😉