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França Île-de-France

Bordejos em Paris na primavera (Parte 2): “Les Invalides” com o mausoléu de Napoleão, e o “Panteão” de grandes homens da França

Muita gente crê que Paris é somente a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo e aqueles monumentos principais — um ledo engano. Paris tem “pano pra manga” capaz de ocupá-lo por muito tempo.

Eu sou do tipo que viaja relativamente rápido, mas mesmo assim Paris tem lugares que você simplesmente não pode deixar de visitar. 

Uma série de lugares belíssimos, históricos e interessantes são os vários mausoléus de notáveis da França. A França parece ter dedicação suprema quando se trata de zelar pelo seu patrimônio histórico e cultural, e isso se refere também às pessoas. Afora uma vinda a Les Invalides, onde está o Mausoléu de Napoleão, relativamente bem visitado, uma visita a Paris também merece uma ida ao Panteão de Grandes Homens da França, onde estão enterradas figuras como Voltaire e Rousseau. É um belo prédio neoclássico que teria sido igreja, mas que foi convertido pela Revolução Francesa num templo à República. Que tal?

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O imponente mausoléu onde está enterrado Napoleão Bonaparte, em Paris.

A caminhada até aqui é tranquila e relativamente curta, vindo-se da Avenida Champs Elysées. E caminhar em Paris na primavera é sempre agradável. Era hora de vir conhecer o túmulo que os franceses arranjaram para Napoleão no complexo conhecido como Les Invalides, ou Hôtel des Invalides, onde estão enterrados as mais notáveis figuras militares da História francesa. Em destaque entre eles está, é claro, Napoleão. 

Napoleão Bonaparte é daquelas raras figuras da História que qualquer pessoa que tenha feito no mínimo feito o Ensino Fundamental reconhece. São poucos que chegam a esse nível de fama.

Napoleão, pra quem perdeu aquela aula de História ou esqueceu-se, foi o grande general francês que, nos albores do século XIX, invadiu a Europa inteira para espalhar os valores da Revolução Francesa. Isso não faz dele um mocinho; mas, para o bem ou para o mal, foi ele um dos grandes responsáveis pela difusão de muito do que norteia a nossa sociedade de hoje, como separação entre Estado e Igreja, liberdades individuais, sistema educacional laico e público, igualdade de todos perante a lei, etc. Claro que Napoleão também quis sobejamente ampliar o Império Francês, mas com ele chegaram os ideários do liberalismo e do nacionalismo.

Foi na esteira das campanhas napoleônicas pela Europa (1804-1815) que muitos dos povos europeus sem estado (como os húngaros, os checos, os poloneses, entre outros) encorajaram-se para insurgirem-se contra os impérios que os dominavam. A auto-determinação tornou-se uma meta, assim com a ideia de soberania popular (a ideia de que monarcas ou outros chefes de estado representam o povo, e não a si mesmos). Várias revoluções nas décadas seguintes (em 1830, 1848) levariam gradualmente à Europa plural que temos hoje.

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O pomposo túmulo de Napoleão na França.

Curiosamente, dos maiores impactos da expansão napoleônica na Europa foram sentidos na América Latina. Dom João VI e Dona Maria a Louca, sua mãe, saíram fugidos de Portugal e acabaram — com o tempo — deflagrando a Independência do Brasil. Foi a primeira vez na História que um monarca europeu punha os pés nas Américas. Já pela América hispânica, a liberalíssima Constituição de Cádiz adotada na Espanha em 1812 sob a batuta de Napoleão foi decisiva para que a aristocracia colonial optasse pela independência (e não é à toa que, hoje, a América hispânica continua mais conservadora que a Espanha.) 

Reforma agrária com expropriação das vultuosas terras da Igreja? Sufrágio universal? Liberdade de imprensa? Que loucuras são estas? Os pios e conservadores mexicanos, colombianos e outros disseram um retumbante não, e desagregaram-se da Coroa Espanhola. Que a América Latina siga sendo o continente mais desigual do mundo não é mera coincidência.

Na própria Espanha, quando a monarquia tradicional retomou o poder em 1814, ela rapidamente rasgou a Constituição de Cádiz, assim como na própria França o Antigo Regime retomou o poder e tentou apagar as transformações sedimentadas durante o governo de Napoleão. Mas as sementes do liberalismo e de uma nova era política já estavam lançadas. Era tarde.

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No Mausoléu de Napoleão, em Paris. Napoleão era, ele próprio, religioso, mas não queria a Igreja metendo-se com o seu governo.
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“Chique” é eufemismo para o esplendor do lugar. O túmulo propriamente dito fica abaixo, no interior desse círculo.
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A cúpula vista por dentro.
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O “sarcófago” de Napoleão ao fundo, e aqui uma nota de euro comemorativa, de souvenir, com a figura de Napoleão estampada. (É claro que alemães e outros jamais aprovariam uma nota de euro verdadeira com Napoleão estampado.)

A visita é bonita, brevemente solene, e não demora muito. Contemplei tudo aquilo ali ao meu redor e segui caminho.

Ainda mais impressionante, na minha modesta opinião, foi a visita ao Panteão de Grandes Homens da França — um lugar menos visitado em Paris, mas mais notável a meu ver. O nome ainda segue machista assim, como se apenas homens fossem dignos de homenagem, mas desde o século XX já há francesas sendo enterradas aqui também, como a cientista franco-polonesa Marie Curie (duas vezes recebedora de um Prêmio Nobel, o de física e o de química).

O lugar é fabuloso, todo em arquitetura neoclássica, com colunatas e grandes vãos serenos onde você se sente miúdo, além das catacumbas subterrâneas onde os múltiplos túmulos de notáveis estão. O curioso é que o prédio foi originalmente desenhado para ser uma igreja a Santa Genoveva, mas que os revolucionários franceses resolveram transformar em “panteão” para os pensadores iluministas e outros.

Como a visita de turistas aqui é bem menor que no “Hotel dos Inválidos” onde está Napoleão, achei o clima aqui muito mais tranquilo e autêntico. De quebra, o Panthéon fica no Quartier Latin (“bairro latino”), área estudantil e das mais agradáveis para passear em Paris.

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Uma esquina no Quartier Latin durante a primavera em Paris. Calçadas largas, ruas arborizadas, e enfeites floridos aqui e ali dão uma atmosfera muito agradável a esse bairro.
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Prédio da prestigiosa universidade Sorbonne no Quartier Latin. O bairro tem uma atmosfera bem universitária.
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Fachada do Panteão, devotado aos Grandes Homens aqui reconhecidos pela pátria. A ideia, assim como o estilo, é imitação do Panteão antigo de Roma, que ainda está lá. Daí a fachada neoclássica.
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Mil detalhes neoclássicos à entrada do prédio.
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Vãos imensos e magníficos no interior do Panteão.
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Obras de arte pontuam momentos-chave da História francesa. Aqui temos o batismo de Clóvis, rei dos francos, em 496 d.C.. Ele é tido como o fundador da França por unir através da conquista vários tribos francas. Clóvis foi o primeiro rei católico da Europa após a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C.
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Aqui a coroação de Carlos Magno, rei dos francos, pelo Papa Leão III como “imperador dos romanos”, no dia de Natal do ano 800. Esse evento marcou a fundação do Sacro-Império Romano, uma estrutura um pouco frouxa que agregou várias monarquias independentes ao longo da Idade Média, e que Voltaire depois esculhambaria dizendo que não tinha nada de sacro, nem de império, nem de romano.
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E, falando em Voltaire, eis aqui o túmulo do próprio. Seu nome era François-Marie Arouet;  “Voltaire” era seu codinome de escritor. Viveu de 1694 a 1778 e foi um dos grandes pensadores do Iluminismo francês. Suas ideias e de outros sobre o liberalismo individual e político é que criaram terreno fértil para a Revolução Francesa que estouraria em 1789.
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O Altar Republicano, ou Altar da Convenção Nacional, que foi um dos organismos de governo criados durante a Revolução Francesa, antes de Napoleão tomar o poder. O ideal de República é tão caro aos franceses quanto é a monarquia aos ingleses.
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Catacumbas de notáveis sob o Panteão. Aqui também estão enterrados o filósofo Rousseau, o escritor Victor Hugo (autor de O Corcunda de Notre-Dame e de Os Miseráveis), os cientistas Marie Curie e Pierre Curie, o escritor Alexandre Dumas (autor de Os Três Mosqueteiros e O Conde de Monte Cristo), o notável revolucionário haitiano Toussaint Louverture, entre muitos outros. Esse subterrâneo é extenso e pode não oferecer muito visualmente, mas pra mim valeu pela significação do lugar.
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A este amoroso escritor francês não há um túmulo, pois não há seus restos mortais, apenas um marco. Desaparecido durante um voo de reconhecimento em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, Antoine de Saint-Exupéry foi piloto e autor do inesquecível clássico O Pequeno Príncipe, traduzido em mais de 300 línguas e dialetos. Mas não importa a falta de túmulo, pois, como lembrou-nos ele, “o essencial é invisível aos olhos”.

A França é mesmo cheia de notáveis. Pena que às vezes isso os leve ao chovinismo, aquela atitude de arrogância e empáfia de quem crê que o seu grupo é inerentemente superior. O nome vem de Nicolas Chauvin, fanático soldado francês sob Napoleão que nada mais conhecia que não a sua devoção à França, tida como superior a todas as demais nações. O termo foi originalmente usado para acusar um nacionalismo exacerbado, mas com o tempo passou a denotar também o chovinismo ocasional de alguns regionalistas, de homens machistas que depreciam as mulheres, entre outros.

Então, com reconhecimento, mas sem chovinismo, Vive la République, Vive la France.

O bordejo por Paris na primavera continua.

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Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

One thought on “Bordejos em Paris na primavera (Parte 2): “Les Invalides” com o mausoléu de Napoleão, e o “Panteão” de grandes homens da França

  1. uaaaaauuuuuuuuu. Que maravilha para um coração que ama Paris e sua cultura. Bela civilização, Rica história. Preciosos e preciosas notáveis. Um ‘banho’ de arte e de historiografia. Um espetáculo para os olhos que sabem apreciar a alma francesa e seu legado. Linda arquitetura, esculturas, simbologia e arte. Um primor. Essa parte da história da França me encanta,
    Clóvis era filho de Clotilde que era cristã. Ela o queria cristão. A sua conversão se deu numa batalha quase perdida onde ele clama dizendo. “Jesus Cristo, filho de Deus vivo, segundo Clotilde, Se tu me deres a vitoria eu crerei em ti e me farei batizar.” Ganhou a guerra e se tornou um rei cristão. Conta a História da formação da França.
    Vale concordar com o viajante nas suas impressões sobre Napoleão, considerado um dos grandes generais de todos os tempos.Com todos os senões, bastante conhecidos, foi responsável pela fisionomia que a França adquiriu apos ele e pela difusão dos ideais da Revolução que mudou a forma do mundo e dos povos verem a si e aos outros. Ainda hoje são perseguidos os lemas de Liberdade, igualdade e fraternidade.
    E isso ai. Apesar do chouvinismo, e das suas atitudes imperialistas, a França é uma grande nação. Valeu, jovem viajante, Como é bom viajar assim. Melhor so ao vivo e a cores

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