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China

Bem vindos a Hong Kong: Entre prédios, templos e jardins no dia do aniversário de Buda

Bem vindos a Hong Kong, uma das grandes metrópoles mundiais. “Asia’s Global City”, eles aqui gostam de dizer, e sem dúvidas um dos maiores centros financeiros do planeta. (O banco HSBC, caso você não saiba, quer dizer Hongkong and Shanghai Banking Corporation.)

Embora faça parte da China, Hong Kong oferece uma versão mais light do país. Trata-se de uma “região administrativa especial”, com seu próprio controle de fronteiras, certa autonomia política e econômica, moeda própria (Hong Kong dollars), e sem os bloqueios e censuras de Pequim na Internet. Portanto, Facebook, YouTube e Google aqui funcionam. Além disso, não é necessário visto para vir visitar como turista.

Por outro lado, não se engane: culturalmente — e aí entram gastronomia, religião, hábitos das pessoas — Hong Kong é inegavelmente parte da China. Você encontra pela rua aquelas montanhas de produtos baratos e/ou suspeitosamente falsificados; aqueles restaurantes de família com patos assados (inteiros, com cabeça e tudo) expostos em “vitrines” à entrada; templos budistas ou da religião tradicional chinesa em meio aos altos prédios; e pessoas que não são exatamente as mais simpáticas do mundo. Há pessoas cordiais, mas em geral os chineses não são muito de conversa, e podem facilmente ser rudes.

“Hong Kong é uma cidade memorável. Há um cosmopolitismo no ar e uma sensação de que aqui tudo acontece.”

Também não espere que todo mundo fale inglês só porque Hong Kong foi posse britânica (de 1842 a 1997). É muito diferente de Singapura, onde as pessoas efetivamente usam o inglês como primeira língua. Aqui há, sim, sinalização em inglês por toda parte, mas eles falam o cantonês, uma das várias línguas chinesas. A cidade de Cantão, que hoje tem o nome de Guangzhou, fica a poucas horas daqui. (Cantonês é diferente de mandarim; um não entende o outro, nem eu entendo nada de nenhum deles). Quando pedi informação em inglês na rua, às vezes as pessoas ficavam com o olhar perdido, ou arranhavam alguma coisa, ou viravam a cara como quem indica que não entende nem quer conversar.

Seja como for, à sua maneira Hong Kong é uma cidade memorável. Há um cosmopolitismo no ar e uma sensação de que aqui tudo acontece. Seu zum-zum-zum dia e noite, para quem gosta de metrópoles, do circular de pessoas e de lugares movimentados, é um prato cheio. (Se você gosta de sossego e tranquilidade, fuja de Hong Kong como o cão foge da cruz.) Apaixonei-me, como você talvez também se apaixone, e hoje ela é das minhas cidades favoritas no mundo.

Neste e nos posts seguintes eu relato a minha visita à cidade — que, de quebra, aconteceu na época da celebração do aniversário de Buda.

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Vista noturna da movimentadíssima Hong Kong. A cidade fica na costa chinesa do Oceano Pacífico, e tem distritos tanto na borda do continente quanto nas ilhas adjacentes. Hong Kong significa “Porto Fragrante” (de fragrância, devido ao aroma leve de suas águas há séculos atrás), e sua geografia privilegiada à navegação foi a razão pela qual os ingleses tomaram este lugar dos chineses em 1842.
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Ruas do centro.
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Apesar do movimento grande, Hong Kong tem muitas áreas verdes, jardins que são verdadeiras ilhas de tranquilidade, e templos muito bonitos.

Cheguei aqui em maio, em plena primavera, os dias começando a ficar quentes e úmidos do jeito que nós os conhecemos no Brasil. Os cantoneses começando a reclamar, embora admitam que fica muito pior no verão. Eu, saído de mais de um mês por países árabes (de que gosto muito, mas que se tornam um tanto cansativos depois de um tempo), sobretudo vindo do calorão inumano de Omã, achei Hong Kong deliciosa. Finalmente era possível andar na rua sob o sol sem achar que ia morrer.

Hong Kong tem um sistema de metrô excelente e também ônibus por toda parte. (Viva o transporte coletivo de qualidade!) O ônibus A-21 leva você do imenso e belo aeroporto até Tsim Sha Tsui, o distrito mais badalado entre os turistas. O “centro” propriamente dito é uma área mais administrativa (chegaremos lá). É em Tsim Sha Tsui e suas imediações que está o bafafá comercial e o maior movimento de pessoas.  

Compre um Octopus card e você poderá pôr créditos e usá-lo em qualquer transporte público, assim como também nas lojas de conveniências por toda parte. Eu, francamente, amo a sensação de empoderamento que me dão as metrópoles asiáticas. Sua estrutura permite ir a qualquer lugar a qualquer hora, e comer ou comprar o que quiser quase em qualquer lugar a qualquer hora. Todos os bairros têm serviços, e com o transporte público você chega facilmente a qualquer parte.

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O Octopus card, onde você carrega créditos. É essencial para movimentar-se em Hong Kong. (Dica: Se você for ou estiver acompanhado de algum idoso maior de 65 anos, procure pelo Octopus card “senior” ou “elder”, onde as passagens são muito mais baratas. Mesmo turistas têm esse direito.)

No primeiro dia, instalei-me num desses imensos prédios de Hong Kong onde ficava meu albergue. Fui almoçar e depois aos belos Jardins de Nan Lian (Nan Lian gardens) e ao Mosteiro de monjas de Chu Lin (Chu Lin nunnery), onde participei das celebrações do aniversário de Buda. Boa forma de iniciar meu périplo na Ásia.

O aniversário de Buda é celebrado em diferentes datas em diversas partes do mundo oriental — não há um consenso entre os budistas, da mesma forma que cristãos russos e gregos também celebram o Natal e a Páscoa em datas diferentes dos católicos romanos. Aqui em Hong Kong e na Coreia do Sul ele é celebrado no 8° dia do 4° mês do calendário lunar chinês, o que quase sempre resulta numa data em maio. Há filas e mais filas nos templos, onde as pessoas levam flores e vão prestar reverência e fazer pedidos.

O lugar onde almocei foi uma bodega mega-colorida típica chinesa. Já os recantos que fui conferir a seguir foram memoráveis e dos mais notáveis na cidade.

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A minha rua, com ônibus de dois andares (influência inglesa). A densidade populacional de Hong Kong é imensa. O metro quadrado aqui vale ouro, e os apartamentos e quartos são em geral bem pequenos.
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Luzes, lojas, e lugares onde comer.
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Meu almoço, uma sopa de macarrão com bolinhos de peixe.
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Há algumas áreas mais elegantes.
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Outras, decrépitas.
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E, por toda parte, prédios velhos com a cara daquela China dos filmes de artes marciais dos anos 80 e 90.
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Por sorte, há os jardins e templos para equilibrar o fuzuê da cidade. Aqui os Jardins de Nan Lian.

Os Jardins Nan Lian e o Mosteiro Chu Lin são vizinhos um ao outro, e não têm custo de entrada. Estão abertos até o final da tarde (templos budistas, via de regra, fecham ao pôr do sol). São muito bonitos e agradáveis, e repletos de uma tranquilidade bem zen. (Em chinês chama-se chan, “zen” é a corruptela japonesa dessa escola de budismo originalmente chinesa).

Vale o passeio. 

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Jardins Nan Lian, uma ilha de verde e tranquilidade em Hong Kong.
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Pavilhão central, rodeado de água com peixes.
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Na água dos jardins asiáticos quase sempre há carpas ou outros peixes coloridos dando vida ao lugar.
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Nos Jardins Nan Lian naquele dia úmido de primavera chinesa.
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Fonte em forma de flor de lótus aqui, e as chinesas ali já com sombrinhas para se proteger do sol (pois aqui o padrão de beleza é ter pele clara).
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O mosteiro feminino Chu Lin.
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Flores de lótus de diversas cores na água. Tanto Buda quanto Confúcio diziam que as pessoas devem ser como as lótus, capazes de florescer mesmo na água suja. Da mesma forma, as pessoas devem ser hábeis e fazer florescerem suas virtudes mesmo num mundo sujo e vil.
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As flores de lótus na água. São magníficas.
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Close na flor de lótus lilás. Há de múltiplas cores.
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Árvores em miniatura. A técnica, que conhecemos pelo nome japonês de bonsai, é originalmente chinesa e aqui conhecida como Penzai (a palavra japonesa é uma adaptação, de quando os japoneses adotaram a técnica no século VI.)

Para além daquela entrada já não se permitem fotos. Há um pátio central com escadarias e chão assim como esse da foto acima, com mais plantas em miniatura. Nos arredores, há varandas cobertas, brevemente elevadas em alguns degraus, e onde há janelas para vários altares com enormes imagens budistas douradas. Nesses altares há vários lindos arranjos de flores e oferendas de frutas, como pequenas pilhas de maçãs ou laranjas. Há uma atmosfera de paz e aroma de incenso espalhando-se por toda parte.

Mais adiante, ao fundo, no salão do maior altar de todos, havia pequeninas imagens de Buda criança com o dedo direito em riste para cima e o esquerdo apontando para baixo. Todas as várias posturas e signos de mão no Budismo são ricas de significado. Neste caso, é a vinda daquele que ajudaria as pessoas a vencer a ignorância e o sofrimento. Seu ritual de aniversário é o de “banhar o Buda” com água perfumada. Em alguns lugares há botõezinhos na própria fonte de água onde a imagem está, como num bebedouro; em outros, você derrama a água sobre ele com uma conchinha.

As pessoas formavam uma longa fila para “banhar o Buda” — e eu, é claro, me juntei a eles. Fiquei olhando como é que as pessoas faziam, para não cometer gafe.

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O ritual de “banhar o Buda”, realizado em todo o mundo oriental na ocasião do aniversário de Buda. Como em Chu Lin não permitiam fotografar, vejam este aqui de um outro templo. É semelhante.
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E como manda uma boa festividade religiosa, seja onde for no mundo, há umas barraquinhas vendendo comida. A maior parte das pessoas com quem cruzei aqui em Hong Kong não foram das mais simpáticas, mas sempre há exceções. Conheci também pessoas adoráveis, como essas mulheres vendendo bolinhos de arroz.
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Comprei e comi, é claro. A cara é estranha, mas são bolinhos de massa de arroz ligeiramente doce. Elas não falavam inglês, então não deu para perguntar o significado destes ideogramas. Deve ser coisa boa. (Ficavam me olhando pra ver se eu tinha gostado, ao que eu dei um positivo com o polegar, e elas riram.)

E por fim, como prometido, o centro de Hong Kong. Hong Kong originalmente era apenas uma ilha, até que os ingleses foram aos poucos reclamando para si também os territórios adjacentes. Essa ilha original (Hong Kong island) é hoje o centro da grande cidade.

O centro de Hong Kong é uma coleção de prédios empresariais, administrativos ou históricos, do tempo da colonização inglesa. Há arranha-céus que de tão enormes desafiam a lente da sua câmera.

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Prédios do centro de Hong Kong. Esse mais baixo, à esquerda, é um prédio colonial onde funcionava a Corte de Justiça.
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Os ding ding, famosos bondes magros de dois andares, característicos de Hong Kong. São a melhor e mais tradicional forma de locomoção no centro da cidade.
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Sede do banco HSBC no centro de Hong Kong.

Quando vim ao centro de Hong Kong era um domingo, o dia semanal de folga de farofa das centenas de domésticas do Sudeste Asiático que trabalham aqui. Se você acha que conhece farofagem, aqui você irá recalibrar o seu conceito.

Essas mulheres das Filipinas, Indonésia e outros países da região — que vêm trabalhar como domésticas, babás, na limpeza etc. — folgam nos domingos e lotam os parques e praças da cidade. Fazem piquenique numas esteiras de papelão improvisadas, a jogar baralho, distrair-se com o celular, chupar manga, e comer comida da marmita. Quando eu passei havia uma diversão enorme. Algumas dançavam ao som de música em palcos improvisados, e outras várias conversavam sentadas no chão — com aquelas risadas escrachadas, gostosas, típicas do Sudeste Asiático e que você não encontra aqui neste norte na Ásia. 

Eu presenciei até partes de um concurso de Top Model Queen do ano na rua. “Agora vamos escolher entre candidatas dos sete continentes!”, gritou a mestra de cerimônias no palco quando eu ia passando. (Eu fiquei curioso pra ver a representante da Antártida.)

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Farofa das domésticas do Sudeste Asiático no centro de Hong Kong aos domingos.
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As ruas ficam repletas.

Verdade seja dita, não há muito o que fazer nesta parte da cidade (a menos que você queira se juntar a elas, é claro). A única atração turística no centro é realmente o Peak Tram, um bonde em trilho íngreme que te leva às vistas panorâmicas lá do alto da colina no centro de Hong Kong. Prepare-se para encarar uma fila que pode levar 1h ou mais, mas vale a pena. 

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O fuzuê para entrar no bonde, quando a fila se desmancha em bolo. (Se você acha que empurra-empurra e gente furando fila só existem no Brasil, acho bom superar essa ilusão e vir preparado.)
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Lá no alto há uma área de compras e esta linda vista para a cidade iluminada. Percebam a água separando esta ilha de Hong Kong da parte da cidade que fica no continente. (O bairro de Tsim Sha Tsui fica logo do outro lado.)
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Algo que você não pode deixar de fazer é tomar o Star Ferry, o ferry público (que você usa com o Octopus Card) para cruzar do pier de Tsim Sha Tsui ao do centro, de Hong Kong island. À noite, você terá as melhores vistas da cidade.

Eu fiz questão de apresentar os aspectos cálidos (de sossego e budismo) junto ao agito moderno para vocês verem como esses dois lados tão díspares estão tão próximos aqui em Hong Kong. Não há separação; eles estão lado a lado, e vindo aqui você verá ambos.

Quem já foi a Nova York talvez reconhecerá um pouco daquele ambiente de prédios altos e lojas de marca em Hong Kong. No entanto, se Nova York deve muito do seu charme ainda ao glamour dos meados do século XX, com Frank Sinatra, a Broadway e companhia, Hong Kong cheira a final do século XX (com a transferência de seu governo do Reino Unido para a China) e a século XXI.

Hong Kong, se você repara bem, percebe que é uma cidade que tanto tem riqueza quanto pobreza. Ela é um bolo ainda mais-ou-menos, porém com uma cobertura elegantérrima. As partes centrais da cidade exalam o cheiro de dinheiro. Há um prédio de quatro andares só da Armani, praticamente todas as maiores franquias do mundo, shopping centers fenomenais, luminosos e finos. Contudo, um pouco de atenção e você sentirá aquela “sombra” na cidade, aquele “lado B”, aquela sensação de que deve rolar muito jogo sujo, acordos por detrás dos panos, e mutretas mafiosas na cidade. Um pouco afastado do centro e Hong Kong já te lembra os cenários de filmes de artes marciais, com aqueles becos onde ficam latas de lixo de restaurantes, as docas com seus contêineres, etc.

Uma cidade resplandecente, crescente, e cada vez mais relevante no mundo. No próximo post, mostro a vocês outros lugares que visitei na cidade. Por ora, deixo-vos com o show de sons e luzes que rola toda noite às 20h no pier de Tsim Sha Tsui.

Mairon Giovani
Cidadão do mundo e viajante independente. Gosta de cultura, risadas, e comida bem feita. Não acha que viajar sozinho seja tão assustador quanto costumam imaginar, e se joga com frequência em novos ambientes. Crê que um país deixa de ser um mero lugar no mapa a partir do momento em que você o conhece e vive experiências com as pessoas de lá.

One thought on “Bem vindos a Hong Kong: Entre prédios, templos e jardins no dia do aniversário de Buda

  1. Meu jovem, que maravilha essa cidade. Belíssima. Um espetáculo!… Nao sei como consegue ser tão charmosa envolvente, com seu burburinho contagiante e combinar tão bem o seu ser cosmopolita, moderna, um eixo econômico com o bucolismo e a paz dos seus lindos, verdes e floridos jardins, dos seus belíssimos templos e da sua cultura religiosa. Um espetáculo de luzes, cores movimentos, vai e vem, e ao mesmo tempo incríveis ilhas de tranquilidade, de água corrente, de pontes delicadas, e de contato com a natureza. Incrível!… Belíssima e moderna cidade!… Sem deixar de respirar o agito da grande metrópole, reserva magníficos e escondidos espaços de meditação, de prece e de contato com a natureza. Impressionante. Maravilhosa. Esse espetáculo de luzes cores e acordes sonoros que acontece em plena travessia é de uma beleza difícil de traduzir.Indescritível. Uuma maravilha. Adorei. A cidade e a postagem. Lindas. Um magnifico cartão postal chines com ares do capitalismo ocidental e misto de religiosidade que surpreendem quem chega, Congratulations.

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