O Memorial da Guerra da Coreia é a atração mais popular de Seul — e, de fato, de todo o país. Não é à toa. Pouco comentada no Brasil (pela nossa distância geográfica e histórica), a Guerra da Coreia nos anos 1950 foi um dos eventos mais importantes do século XX, e a razão pela qual ainda há duas Coreias hoje.
Em Seul, gratuitamente, você pode visitar um lindo e moderno memorial — na prática, um museu — dedicado a explicar os ocorridos. Tudo é segundo a versão da Coreia do Sul, é claro. Ainda que ninguém em sã consciência defenda a louca Coreia da Norte, você não deixa de perceber um certo nacionalismo exacerbado (à là filme norte-americano) por parte da Coreia do Sul. Mesmo assim, há bastante a aprender, e a visita é interessante.





Em suma, para você que não sabe bem sobre a Guerra da Coreia, o resumo é o seguinte: a Coreia como um todo era unida e independente, por séculos governada por suas próprias dinastias, como cheguei a mostrar num post anterior com seus palácios medievais. Em 1910, o Japão invade e anexa a Coreia como uma colônia sua (daí os coreanos, em geral, não gostarem dos japoneses). Isso durou até a Segunda Guerra Mundial, com a derrota japonesa. A libertação da Coreia em 1945, no entanto, se deu com grupos comunistas apoiados pela União Soviética no norte, e grupos republicanos (capitalistas) apoiados pelos EUA no Sul.
Em 1948, esforços para reconciliar as duas partes falharam, e a Coreia ficou dividida no paralelo 38, com regimes militares dos dois lados. Em 1950, Kim Il-Sung (o avô do atual ditador) na Coreia do Norte tentou tomar o sul, e quase conseguiu. Os EUA, então, com o General Douglas MacArthur, veio em ajuda ao sul e quase conquistou a Coreia do Norte, não fosse por uma intervenção militar da China em ajuda à Coreia do Norte. Acabou com todo mundo voltando às posições de origem, divididas pelo paralelo 38, ao término do conflito em 1953. Desde então, as duas Coreias mantêm nada mais que um cessar-fogo.
Vale saber que as designações de “Coreia do Norte” e “Coreia do Sul” são meramente informais. O que existe são dois governos que clamam ser os únicos legítimos governos da península coreana inteira. Ou seja, a Coreia do Sul não vê a Coreia do Norte como um país vizinho, mas como um regime ilegítimo que acontece de controlar a metade norte da península. Sempre que se refere ao país, ao povo coreano etc., a Coreia do Sul refere-se à Coreia inteira (ou seja, ao território das duas Coreias). Sonham com a reunificação.
É uma situação muito parecida com a da China e Taiwan. “Taiwan” é o nome da ilha (apelidada pelos navegadores portugueses de “Formosa” no século XVI), não do país. O país chama-se República da China, versus a República Popular da China, que veio a dominar toda a China continental. Para a República Popular da China (a comunista), a ilha de Taiwan é parte de seu território, mas que acontece de estar sendo governada por um outro regime, visto por eles como ilegítimo. A diferença é que, no caso chinês, houve um claro vencedor, que veio a dominar 99% do território, enquanto que na Coreia os dois lados mantêm-se divididos aproximadamente meio-a-meio.





A República da Coreia, vulgo “Coreia do Sul”, é talvez o único exemplo contemporâneo de país de terceiro mundo que evoluiu para o primeiro mundo. Esse país que nos anos 60 era uma ex-colônia japonesa agrária pobre e destruída pela guerra, hoje é um expoente tecnológico e industrial, com nível de vida alto, excelente infraestrutura, e uma das economias que mais crescem no século XXI.
Não creditem todo esse êxito ao esforço trabalhador do povo coreano, contudo. Isso seria o chamado viés culturalista, que muitas vezes ignora outros fatores fundamentais. (Lembrem que o mesmo povo coreano é responsável pelo país mais maluco que o mundo já viu: a República Popular e Democrática da Coreia, vulgo “Coreia do Norte”, dos ditadores Kim, cujo totalitarismo de estado chega ao ponto de haver a crença de que o ditador é capaz de ler a mente das pessoas e de descobrir se você estiver cultivando pensamentos subversivos.)
No contexto da Coreia do Sul, é preciso observar o quanto de investimento norte-americano houve aqui ao longo dos últimos 70 anos, com muita vontade política de fazer a Coreia capitalista prosperar, para mostrar ao mundo a superioridade do seu modelo em contraste ao norte comunista. É um caso parecido com a Alemanha Ocidental, cujo reerguimento após a destruição da Segunda Guerra é frequentemente creditado ao puro esforço do povo alemão, esquecendo-se de que os EUA puseram bilhões de dólares em investimentos para industrializar, capacitar e desenvolver a Alemanha Ocidental para “derrotar” a Alemanha Oriental comunista.
Terminada a Guerra Fria, a Coreia do Sul mantém-se como um aliado importante dos EUA na região, e continua a receber altíssimos investimentos. Afinal, a Coreia do Norte segue aí, aliada à inimiga China, e o próprio Japão não é tão confiável, por ser um ex-inimigo de guerra (e nutrir um certo anti-americanismo) e competir com os EUA pela influência no Oceano Pacífico. A aliança comercial e militar com os EUA é para os sul-coreanos talvez a principal peça de sua geopolítica. Daí eles estarem hiper-inseguros com Trump presidente.
Gostei da visita? Gostei, sobretudo porque foi de graça. Embora informativo, no memorial há uma tônica geral daquele patriotismo militar americano piegas e chovinista, a-crítico e típico de filme de Hollywood, que me agrada pouco.
Os coreanos, como a maioria dos asiáticos, não têm uma visão global de mundo (como o têm muitos jovens europeus, por exemplo), mas uma visão extremamente nacionalista. Veem o progresso de sua nação, não o desenvolvimento do mundo, como meta. Legal, mas os coreanos são quase tão etnocêntricos quanto os japoneses. Ou seja, eles se crêem um povo particularmente dotado e aprumado do ponto de vista moral e intelectual, e agem um tanto como se o povo coreano fosse o centro do sistema solar. (É algo que outros povos também fazem, mas não todos.) E eles só não o são tanto quanto os seus vizinhos nipônicos porque sua história recente é de conquistados, não de conquistadores, por isso o nariz ainda está um pouco baixo, mas subindo.
Não quero dizer que sejam pessoas mesquinhas, individualmente. Mas, como povo, transmitem esse sentimento social. Há um certo sentimento de “triunfalismo em andamento” exalando daqui. O que quero dizer com isso? “Triunfalismo” é um termo comumente usado para designar o sentimento e a atitude de patriotismo vitorioso. Tipo a de muitos norte-americanos após sua “vitória” na Guerra Fria e o triunfo do capitalismo ocidental sobre o comunismo soviético. Aquele atitude de “nós triunfamos, e somos mesmo os melhores”. Aqui na Coreia não há ainda a sensação de vitória alcançada, mas uma de vitória em andamento.
Você bem possivelmente encontrará soldados americanos aqui no memorial — eu encontrei —, e certamente na chamada Zona Desmilitarizada (um nome fantasia, pois ela é altamente militarizada) na fronteira entre as coreias. Não faltam tours de Seul até lá, mas eles custam caro (coisa de 70-120 dólares), e é preciso reservar com dias ou até semanas de antecedência. Eu, francamente, não quis gastar esse dinheiro todo pra ver videozinho e ouvir lero explicação de soldado americano. Fica a seu critério.
A visita para conhecer de perto a Coreia do Sul continua, agora fora de Seul, nas outras áreas do país.
Muito interessante o museu, arrojada estrutura, bastante significativa. Importante, também o resgate histórico da famosa e ao mesmo tempo pouco explicada guerra, para não dizer desconhecida pela maioria das pessoas do lado de cá. Mesmo os professores de Historia recebem do Oriente em geral, pouca informação exceto se pesquisarem por conta própria. É sempre inquietante esse eurocentrismo na educação e na cultura.
Muito interessantes os comentários do viajante, com quem concordo. A viseira que existe no ocidente em relação ao oriente parece ter uma reciproca verdadeira. Lamentáveis essas limitações. Gostei muito do Memorial,
No mais um belo país. Ao meu ver merece ser visitado, É de se esperar que consigam um denominador comum que leve à união. Chi lo sa adesso?