Bem vindos à Malásia! Após andanças pela Coreia do Sul, era hora de um canto mais tropical da Ásia. Eu cheguei por uma das mais fascinantes cidades por onde já passei no mundo (e olhe que não foram poucas).
Georgetown, na simpática ilha de Penang, Malásia, não impressiona por seus arranha-céus ou vida urbana moderna; na verdade, trata-se de uma cidade pequena. O que impressiona em Georgetown é um cosmopolitismo estabelecido de diferentes culturas asiáticas que convivem aqui há séculos: chineses, malaios, hindus, entre outros.
Eu já havia, em Sarajevo, escutado o sino da igreja e o chamado da mesquita ao mesmo tempo. Mas nem isso havia me preparado para Penang. Cá você escuta o sino da igreja e o chamado da mesquita enquanto olha para um dragão chinês num tempo taoísta e escuta o conversê em tâmil dos hindus na rua. Não se tratam de imigrantes recentes à là as Chinatown do mundo ocidental, mas de povos que convivem aqui há séculos. É uma multiplicidade cultural justaposta, não misturada, mas ainda assim fenomenal.
Para entender por que isso se dá, é preciso perceber a localização estratégica onde estamos. Penang está no Estreito de Malacca, uma das mais importantes rotas de navegação do mundo, há séculos uma área comercial importante nos ricos e povoados mercados asiáticos. Não à toa, aqui vieram se instalar mercadores chineses, indianos, árabes, malaios nativos, e mais tarde também cristãos portugueses e ingleses.


A Malásia tem a curiosa situação de ser uma monarquia constitucional eletiva. Ou seja, o rei é eleito — ou melhor, o sultão, pois eles aqui são de maioria muçulmana e usam esse título. Porém, antes que alguém se empolgue achando isso muito interessante, vale observar que não há soberania popular: quem votam são nove sultões regionais que elegem-se entre si quem será o manda-chuva principal por um mandato de cinco anos. E fazem um rodízio.
Eu sabia pouco ou quase nada sobre a Malásia antes de chegar cá, mas gostei de ter vindo. No Brasil, quase só se ouve falar do país durante o seu grande prêmio da Fórmula 1, e nada mais. Uma pena, pois o país é culturalmente rico e bastante interessante (e muuuito barato).
Já no aeroporto de Kuala Lumpur, a capital, eu tive uma conexão noturna para um voo doméstico a Penang e aproveitei para me relembrar das delícias culinárias desta região. Eu já havia experimentado a culinária regional na Indonésia, e a comida da Malásia é praticamente idêntica. Uma delícia, rica em pratos apimentados, bem temperados, com leite de côco e muitas especiarias. (Só de escrever isso já está me dando fome.)

Naveguei no aeroporto de Kuala Lumpur os seus corredores altos de paredes brancas estreitas, como o caminho para a sala da cadeira elétrica. É um aeroporto que parecia estar em reforma; básico mas funcional, e brasileiros não precisam de visto, então podem vir sossegados.
No entanto, a Malásia é um país pobre. Ou melhor: desigual. Você vê prédios modernos lado a lado a uma infraestrutura precária, à là Brasil ou muito do Sudeste Asiático. Há ainda assim o bastante para você se deslocar: ônibus e metrôs levando você aonde precisa. Eu chegaria tarde (depois das 23h) ao aeroporto de Penang, mas de lá há os ônibus 401 ou 102 que levam você baratamente até o centro da cidade, que é o prédio chamado de Komtar (o terminal de ônibus fica embaixo dele). Dali é fácil caminhar até onde for o seu destino.
Quer dizer, “fácil” no sentido geográfico de distância. Caso você não tenha se dado conta nos mapas, estamos em plena linha do equador. Esta é uma região quente e úmida, de chuvas torrenciais em boa parte do ano (geralmente de setembro a fevereiro, época a evitar!). Mesmo fora desse período, uma chuvinha equatorial sempre ameaça.
Eu tomei o último ônibus saindo do aeroporto e já estava a uma quadra do meu albergue quando uma dessas chuvas se formou e caiu sobre a minha cabeça. Veja abaixo (o vídeo mostra a infraestrutura do lugar também).
Eu havia notificado o albergue da minha chegada tarde. Estávamos quase à 1h da manhã quando a chuva torrencial passou e eu finalmente me aproximei. As ruas já estavam vazias, somente aquela umidade tropical pós-chuva, e o meu albergue de esquina já tinha suas luzes apagadas — uma casa simples com um avarandado no exterior. Lá, sentado de cabeça baixa fumando um cigarro, o lúcido tio chinês que geria o albergue.
“Mairon…“, anunciou-me ele com a voz sóbria, sem sair de onde estava, e antes que eu dissesse qualquer coisa. Eu a ainda alguns metros de distância, o vi soltar uma clássica baforada do cigarro após dizer o meu nome, e eu de repente me senti num daqueles filmes asiáticos de artes marciais.
Para sorte minha ou do tio, não houve combate. Ele dali me albergou para o que seriam alguns dias na simpática e cosmopolita Georgetown, cidade principal da ilha de Penang.

Eu descobriria as múltiplas faces de Penang nos dias seguintes. Eu poderia dividir os posts entre os aspectos chineses, hindus, e malaios, separadamente, mas isso tiraria a maior graça daqui, que é exatamente a mistura (ou, pra ser mais preciso, a justaposição, pois eles convivem lado a lado mas não se misturam).
Iniciarei mostrando a vocês os diversos templos, de religiões tão distintas quanto o hinduísmo, taoísmo, islã, cristianismo (quase de tudo você acha aqui), a poucas quadras uns dos outros.
No vídeo abaixo, no centro histórico de Georgetown, você tem uma amostra da mistura.
Aquele tempo chinês que você vê no vídeo é dos mais bonitos que já conheci. Já comentei algo da religião tradicional chinesa neste post aqui da minha visita a Hong Kong. Ela, em resumo, concilia tradições populares milenares da China (ex. culto aos ancestrais, figuras mitológicas como o dragão, etc.) com escolas filosóficas diversas, como o taoísmo, o confucionismo, entre outras.
Não há uma “igreja” centralizada, no sentido institucional da coisa; normalmente, o que ocorre é que clãs de famílias chinesas bancam e mantêm templos de acordo com a sua tradição regional de origem e vertente filosófica preferida. Esse templo (Yap Kongsi), por exemplo, é taoísta e mantido pelo clã Yap, de comerciantes originários do sul da China.







E daqui de dentro, com o incenso chinês no nariz, era possível ouvir a mesquita ali próximo chamar os muçulmanos a uma de suas cinco orações diárias. Eu sorri, diante que estava do multiculturalismo que tanto me encanta.
A mesquita mais notável de Penang é a do Capitão Keling, aqui no centro histórico. Ela foi construída por ninguém menos que a Companhia das Índias Orientais inglesa, a famosa que colonizou a Índia. No começo do século XIX, com o crescente número de indianos muçulmanos que vieram parar aqui — transitando que viviam pelos portos junto com o comércio inglês — o Capitão Keling, indiano muçulmano, obteve a licença para construir esta mesquita aqui. Esse design data de 1916, da última reforma.







Nesse vídeo abaixo eu mostro um pouquinho da atmosfera de um templo hindu de Penang.
Se você achou pouca a diversidade, saiba que é possível também encontrar aqui templos budistas birmaneses e tailandeses, pra quem gosta daquele dourado esplendoroso ou da serenidade do budismo.


E de repente eu me vi num daqueles episódios especiais em que todos os personagens da série aparecem juntos. Me vi contrastando, num mesmo dia, elementos culturais diversos que eu já havia encontrado em várias partes do mundo, e que se encontram aqui em Penang.
No próximo post eu continuo com as minhas andanças aqui, conhecendo melhor o lugar. [Continua em Georgetown, Penang, Malásia (Parte 2): Comidas, curiosidades e templos.]
Nossa, ave-maria….. quanta maravilha reunida!… que diversidade estupenda!…. Concordo com o viajante: é uma riqueza ver esse multiculturalismo e sua vivencia juntos e sem disputas ou agressões. Que beleza. Todos os templos lindos, em particular o Taoista e a Mesquita. Belíssimos. Meus olhos se encantaram com tanta beleza junta. Maravilha. Lindo o templo Budista com seu dourado e vermelho, com seu rico interior. A Mesquita é deslumbrante, magnifica, linda. Amei esse estilo e o jogo de luzes e cores, De muito bom gosto., E que esplendor de cores, . detalhes, luzes, simbologia e significação nesse belíssimo templo Taoista. é de encher os olhos.O Mantra nem se fala , uma beleza. Linda postagem, bela região. Valeram a chuva e o sacrifico para chegar. Parabéns meu jovem. Que bom conhecer o” mundão de Deus” como diziam os antigos, através dessas postagens. Valeu. que venham mais belezas.