Continuação de Crônicas em Samoa, Oceania (Parte 2): Descobrindo as comidas e as pessoas.
Eu confesso que vim a Samoa essencialmente atraído por sua beleza natural. Praias, coqueiros, a brisa do mar. No entanto, rapidamente aprendi que essa não está por toda parte, como mentem os cartões postais. É preciso às vezes dirigir horas (numa terra sem transporte público de confiança) para chegar da cidade a um daqueles paraísos. Também aprendi que Samoa tem uma cultura pra lá de interessante, e sobre a qual eu quase nada sabia.
Num país essencialmente rural, insular, economicamente pobre, onde a maioria da população vive na subsistência e na informalidade, você há de imaginar o quanto eles são tradicionais, os samoanos. E são.
Hoteis caros quase todos oferecem espetáculos noturnos de dança e música tradicional aos seus hóspedes. Esses eventos são chamados de fia-fia na língua samoana. Todo mundo aqui sabe o que é, e vale a pena procurar.
Mas eu tenho uma notícia melhor: no Centro de Informações Turísticas, no centro da capital Apia, há de terça a quinta às 10h um espetáculo gratuito de três horas de duração com almoço livre incluso e demonstração de muitas tradições de Samoa: música, dança, o método tradicional de cozinhar nas pedras quentes e debaixo de folhas, esculturas em madeira e confecção de tecidos rústicos. Você aprende muito, e é sensacional.
Se você tiver sorte, como eu tive, haverá alguém também fazendo uma tatuagem tradicional samoana. Os polinésios são os mais antigos mestres da arte das tatuagens, e as tem como algo quase sagrado. Há todo um ritual em torno delas, e foi daqui que a prática passou aos ocidentais.
Neste post eu quero passar a vocês algo do que vi.








O coco, segundo o nosso apresentador samoano, é o alimento mais básico de Samoa. Segundo ele, uma família aqui consome em média 4-6 cocos por dia.
A seguir, ele nos mostraria como abrir um coco seco usando uma mera pedra. Se você souber onde bater, ele abre direitinho como se tivesse sido cortado por uma máquina. Veja no vídeo abaixo.






Enquanto as mulheres se especializaram nessa fabricação dos tecidos, os homens é que fazem as celebradas tatuagens samoanas. Não qualquer homem: é preciso pertencer a uma família de tatuadores, como no tempo das guildas medievais europeias.
“Nas línguas de vocês, alguém passa a ser um homem quando completa 18, ou 21 anos. Na língua samoana, não. Ser ‘homem’ tem um outro significado — significa dizem que ele é alguém que provê, que é capaz, em quem você pode depender e confiar. Alguém, portanto, poderia ter 60, 70 anos e ainda assim não ser considerado um homem“, explicou-nos sério o apresentador.
“Se você não sabe subir num coqueiro, se não sabe ir ao mar e pescar para a família, em Samoa você não é considerado um homem“, eu o ouvi dizer já, inevitavelmente, me dando conta de que eu em Samoa teria problemas.
“E se você quiser ser ainda mais reconhecido, você pode fazer essa tatuagem dos quadris“, disse ele mostrando a sua própria, um padrão tatuado que tomava tudo do umbigo às coxas. “O processo é bastante dolorido, leva 11 a 12 sessões, 3 a 4 semanas, mas se você decidir fazer, não pode desistir sem terminar, senão trará vergonha a toda a sua família.“

Quando chegamos, havia um samoano gordo estirado na esteira do chão parecendo que morreu. Um tatuador com dois assistentes martelavam, cuidadosamente como se fossem escultores, a tinta nas virilhas do cara. Seu pai o acompanhava pra dar um apoio moral enquanto o cara gemia. Segundo o guia, horas a fio daquela dor, por vários dias, requerem uma fortitude mental muito grande também. (Por respeito ao cidadão, o guia nos pediu que não o fotografássemos naquela situação.)
“Deixar a tatuagem sem terminar é o maior ato de covardia e humilhação para um homem em Samoa, assim como para os seus pais e toda a família e toda a vila“, nos disse o guia. Por isso, segundo ele, é comum que os pais desencorajem os filhos a tentarem a tatuagem, pois sabem que, se eles desistirem no meio do caminho, é uma humilhação para todos.
Na duração do processo, só quem pode se dirigir à pessoa sendo tatuada são os seus acompanhantes, o tatuador (que sempre precisa ter recebido ele próprio a tatuagem, pra saber o quanto dói), ou outros homens que já tenham feito a tatuagem, e que portanto podem empatizar com ele. Caso contrário, fica sendo uma provocação, alguém que nunca passou por aquela dor chegar e dizer “Não grite tanto”, etc. A pessoa é capaz de se aborrecer.
Há muitos turistas que vêm aqui querendo fazer uma tatuagem também — embora não exatamente dessas. A esses, o guia recomendou fazê-las no último dia da viagem, para evitar exposição ao sol. Se antes, quando tatuavam com extratos vegetais, havia muitos casos de infecção, parece que hoje estes são bem mais raros. Não é a minha praia, mas fica aí pra quem for fã. Seja como for, é impressionante.
É justamente essa parte do corpo, o quadril, que segundo o nosso guia samoano eles chamam de tatau na língua daqui, e que teria dado origem à palavra nas línguas ocidentais — seja a tatoo dos ingleses, tatouage dos franceses, ou uma “tatauagem” que virou tatuagem pros navegadores portugueses.
Esta aqui abaixo é uma dança tribal veloz dos hábeis samoanos, homens e mulheres. (Pra você treinar em casa e ficar fit.)
Depois de um tempo, o nosso breve almoço grátis estava pronto. (Você, ao final, podia deixar-lhes uma gorjeta, o que todo mundo fez.)

Eu deixo vocês com uma dança mais cerimonial feminina que nos demonstraram. Há algo de semelhante às danças javanesas e balinesas da Indonésia, de quem os samoanos são parentes.
Queria as vestimentas… Tudo de um colorido lindo! Me custa crer Mairon que você não tenha se animado a fotografar “em lava lava”. Excelente!
Haha e não é que não me ocorreu de fazer isso? Obrigado, Daniele!
Lindas danças, belos coloridos, belas flores, belas moças. E que rituais bonitos de ambas as danças. Riqueza cultural. Que dança ligeira aquela com os rapazes. Muito interessante.
Que horror essa tatuagem e que curiosa, a provável origem do tatoo. É procedente.
Que trabalheira essa para a confecção de tecidos e estampas. Estas bem bonitas. Tudo simples mas muito bonito. Curiosas essas habitações sem paredes haha
Sugestiva e prática forma de cozinhar.
Povo bonito, peles lindas. Adoro flores. Ficam lindas com elas.
Muito bem o senhor ficou meu amigo viajante como irmão samoano de Pocahontas haha. Gostei da região.
Você sabe dizer como são os nomes e sobrenomes deles?
Oi Julia,
Eles não me disseram. Mas não me parecem ser pessoas famosas nem nada assim. A minha impressão foi a de que estas danças são da alçada de muitos em Samoa. Alguns mais treinados que outros, mas me pareceu algo bastante difundido, do tipo que quase todo mundo aprende a fazer.
Não foi nada disso que quis dizer rsrs, eu queria saber da estrutura, estou escrevendo um livro e adoraria que o personagem principal fosse samoano. Assim como no Brasil os nomes mais comuns são ”João, Pedro, Matheus, Maria etc…” e em EUA eles soam como ”Jake, Josh, Noah”, era isso que eu gostaria de saber.
Aaahhh entendi! Haha. Legal que você está escrevendo um livro assim!
Eles em Samoa às vezes usam nomes tradicionais samoanos, às vezes nomes ingleses. (Até pela influência de Samoa Americana, que segue sendo colônia dos EUA, logo ali do lado.) Então eu encontrei Peter, Kimberly, mas também encontrei gente com nomes samoanos tipo Fiasili, Uaita, Faafetai, e por aí vai rss.
Às vezes a estrutura é 1 nome + 1 sobrenome, mas às vezes são nomes longos — e não sei se o que tem no meio é nome ou sobrenome, tipo: Asovale Vaivaimalemalo Tevaga (este é o nome real de uma pessoa).
Outra duvida que me ocorreu são quanto a/o falé, qual é o artigo usado para essas construções?
Boa pergunta! Em inglês, artigo não tem gênero, e até onde eu sei a língua samoana também não. Acho que em português você terá que definir 🙂
Oi! Aqui estou eu novamente para outra duvida que me ocorreu.
Antes da colonização você saberia me dizer se existia essa ideia de ”quarto” ou sala” entre os samoanos?
Oi Julia! À disposição!
Eu duvido muito. Ainda hoje, você pouco vê essa distinção na zona rural. Na família que visitei, por exemplo, a “sala” nem era propriamente uma sala, mas um falé ao ar livre, com uma televisão posta ali e conectada por um fio com extensão que levava até alguma tomada não sei onde. Ali a mãe da minha amiga ficava sentada, em cima do falé aberto, costurando e olhando a TV. Tudo ao ar livre. Só tinha mesmo o chão e o teto.