Fiji não é apenas um arquipélago de ilhas-resort com praias e coqueiros — embora estes sejam lindos —, mas um país real com pessoas e seus hábitos. Fiji inclusive é dos maiores países da Oceania, atrás apenas de Austrália, Nova Zelândia, e Papua Nova-Guiné. São quase 1 milhão de pessoas aqui (mais que em alguns países europeus como Malta, Chipre ou Luxemburgo.)
Fiji foi colônia britânica até 1970 (daí quase todo mundo aqui ser fluente em inglês), que os ingleses exploraram com plantações de cana-de-açúcar. Como muito da população nativa morreu vítima de doenças trazidas pelos europeus e para as quais não tinham imunidade (ex. só o sarampo em 1875 matou 1/3 da população de Fiji), os ingleses trouxeram indianos de sua outra colônia para trabalhar nas lavouras em regime servil. Vejam aí que não foi nada muito diferente do modelo das Américas.

Os fijianos, negros da Melanésia, já viviam há pelo menos 3000 anos nestas ilhas. Elas foram chamadas por um tempo pelos europeus de Ilhas dos Canibais, pois o canibalismo era prática comum aqui. Inclusive, no Guinness, o livro dos recordes, o chefe fijiano Ratu Udre Udre do século XIX sustenta o recorde — que provavelmente jamais será superado — de ser o canibal mais voraz da História, tendo comido 872 pessoas de que se tem notícia. Os europeus tinham um medo enorme até de passar perto demais, com medo de atolarem e serem comidos.
Os nativos chamavam a sua terra de Viti. As pessoas de Tonga, país insular próximo daqui, é que chamavam estas ilhas de Fisi, daí Fiji. O inglês Capitão Cook promulgou o nome no século XVII e ele nunca mais mudou.


Embora não se tenha mais notícia de que ninguém coma mais ninguém (no sentido literal) aqui em Fiji, eu preciso lhes dizer que o país não é o mais seguro do mundo. Os motoristas são loucos e os registros de crimes não são raros nas mal iluminadas ruas. Atenção se saírem à noite.
O meu albergue a beira-mar descrito no post anterior fica em Wailoaloa, uma praia, mas a cidade de Nadi está próxima. Eu, como não resisto, precisei ir conferir como é a cara do Fiji de verdade, fora dos espaços turísticos.
O meu passeio seguiu uma escala decrescente de conforto: fui primeiro de carro a Port Denarau, um shopping center a céu aberto vendido como cidade, e depois voltaria de Nadi de ônibus com o povão.
Port Denarau é um lugar plástico que abriga o Hard Rock Café, muitas lojas, bares e sorveterias em ruas falsas que fingem ser uma cidade (um pouco como o Downtown Shopping no RJ). Turistas abundam. É bonitinho, mas não é uma cidade.




Pedi a Funmike, a minha amiga fijiana, que me deixasse em Nadi no caminho de volta. “Não tem absolutamente nada pra você ver lá. Não sei o que é que você está esperando encontrar.“, me disse ela em seu jeito despachado de sagitariana, sem saber que o que eu queria ver era precisamente o “nada”, os lugares reais nada turísticos.
“Nada turístico” é um exagero, confesso. Há turistas e lojas de souvenirs em Nadi, mas bem menos. A grande maioria fica limitada aos resorts ou outras espaços privatizados.
Nadi (que por alguma razão os fijianos pronunciam Nandi) é onde há os mercados de hortifruti e de artesanatos, mulheres negras carregando crianças de colo pela rua, meninos e meninas em idade escolar uniformizados passando em grupo, e cidadãos de óculos escuros e ar malandrão parados na rua.







Lembra que eu disse que os ingleses trouxeram pra cá servos da Índia para trabalhar nas plantações de cana-de-açúcar? Pois bem, eles nunca foram embora.
Um terço da população de Fiji são indianos de origem, que falam hindi (e inglês), seguem a religião hindu, e não se misturam com os fijianos nativos (os quais são em geral cristãos protestantes com toques de animismo tribal). Eles não se dão muito uns com os outros, e é um quiprocó.


Afora o aspecto religioso, você encontra comida indiana muito boa em Fiji (embora a comida fijiana, diferente, também seja ótima; mais sobre isso posteriormente).
Dei uns bons bordejos em Nadi, comprei souvenirs numa das lojas, e no cair da tarde fui atrás do ônibus que me levaria de volta a Wailoaloa, ao meu albergue. A cidade é pequena de num turno você vê absolutamente tudo.
Vi os vendedores de frituras, bobagens e refrigerantes às pessoas esperando ônibus muito parecidos aos do Brasil. A precariedade daqui é a mesma, embora os ônibus fijianos sejam bem piores (e muitas vezes não circulem aos domingos). Não sei o que pensaram de mim. Talvez tenham me tomado por indiano, como na própria Índia fizeram.
No cair da tarde, misturei-me aos estudantes de ar muito simples retornando para casa, e retornei eu ao mundo mágico — e artificial — do Fiji dos turistas.





Massa! :)👏
Muito bonitinho o lugar. Belo este templo, barraquinhas bonitinhas, linda vegetação. E muito simpático esse pontinho para turistas. Muito bonita a regiao. Com cheiro de beira-mar do Brasil.
Um pouco melancólica essa situação de subserviência, de exploração que é uma marca do colonialismo da soberba(soberbia) Europa. Por essas e outras ações ela hoje começa a penar e devolver um pouco do muito que retirou desses e de outros povos. O subdesenvolvimento a pobreza o atraso que marcam inúmeros povos tem origem ai. Lamentavel.
E que historia macabra de canibalismo, Deus nos livre. haha. Muito bom conhecer a regiao, seu povo e suas origens.
Amei seus posts.
Estava com receio de Mamanucas e Yasawas serem muito “artificiais”, coisa pra turista ver, e abarrotada de gente, mas acho que vale à pena visitar…. Falo isso pq curto muito mais lugares mais remotos, contato com os costumes, onde o turismo não maquiou tudo. Obrigada!