Estamos em Vanuatu, um arquipélago soberano em pleno Oceano Pacífico, na parte da Oceania conhecida como Melanésia. São as ilhas de negros que não são africanos — e onde há inclusive negros naturalmente loiros, que eu mostro a seguir.
No post passado, eu relatei a minha chegada a este antigo “pandemônio” (como os nativos chamavam o co-domínio colonial de Reino Unido e França até 1980) e os meus bordejos pela capital Port Vila. Agora, é a vez de conhecermos os campos, as praias, o interior, as paisagens, e mais da gente de Vanuatu.

O que os europeus encontraram aqui a partir dos idos de 1800 foram muitas ilhas pertencentes a um caldo cultural comum, mas de modo nenhum unificadas. Ao contrário, havia muitas tribos (semelhantes ao olho estrangeiro, mas falando línguas diferentes e com particularidades culturais distintas).
Isso significa que, mesmo hoje num mesmo país, as diferentes ilhas de Vanuatu têm coisas diferentes a lhe mostrar. Há certas práticas e hábitos que você só encontra em determinada ilha. (Visitar várias ilhas do país, com voos domésticos, é algo a se fazer. Mas falo disso depois, nas dicas de viagem.)


Estamos na ilha de Efate, que não é a maior do país, mas é onde fica a capital (e o principal aeroporto). Com a minha pousada, arranjei um tour para dar a volta na ilha vendo algumas de suas áreas naturais, uma produção de café, o lugar onde filmaram temporadas do reality show Survivor (inspiração para o brasileiro No Limite, de um tempo atrás), restos da Segunda Guerra Mundial, e visitar uma escola. Para dourar a pílula, um almoço típico, algo (quase) sempre bem vindo.
São 124Km a volta na ilha. Só há essa estrada em Efate, nada mais. Pra o miolo da ilha não há estradas — no máximo uns caminhos de terra por onde a maioria dos veículos motorizados não se aventuram. Como quem introduziu carros aqui foram os franceses (e não os ingleses), o volante é do lado esquerdo como no Brasil.
O guia do passeio ao redor da ilha era, a propósito, praticamente um sósia do Neguinho da Beija-Flor. (Ele, ainda por cima, estava vestido de azul. Cada vez que abaixava a cabeça dando risada eu achava que ele ia voltar cantando algum refrão de samba-enredo.) Esse era J.J. (djêy-djêy), de John Jonah. O motorista era Eddy, um cidadão simpático e risonho mesmo que lhe faltassem alguns dentes. As pessoas aqui são em geral muito tranquilas.

Antes de seguir ao tour, deixem-me só dizer que as pessoas de Vanuatu são enormes fãs do Brasil. Disseram-me que na Copa do Mundo ninguém aqui torce por europeus; é sempre Argentina ou Brasil, especialmente Brasil.
Perguntei-lhes por que, já que a gente nem imagina que tem esses fãs cá do outro lado do mundo. Dizem que porque os jogadores são bons, mas eu acho que não é só isso. Fico sempre com a impressão, pela forma diferenciada com que me recepcionam (em relação à forma mais corriqueira com que tratam os turistas de países ricos), que há uma identificação, não só por o Brasil ser um país “quente”, como também por os jogadores serem mais parecidos com eles próprios aqui.





Nós, na verdade, iríamos a uma escola ver de perto algo do dia-dia dessas crianças.



Se você tiver curiosidade de ver as crianças cantando, eu fiz um pequeno vídeo.
Uma professora aqui de Vanuatu, uma moça que deveria ter a minha idade, com aquele olhar de pessoa que faz trabalho social e gostaria poder fazer muito mais do que consegue, coordenava o trabalho voluntário dos rapazes neozelandeses e nos agradeceu a visita.
A economia de Vanuatu é ¼ da do Estado de Roraima, pra você fazer uma ideia.
Nós partimos dali à famosa Praia de Eton (Eton beach), bonita, embora estivesse ainda com sinais da devastação causada pelo ciclone Pam em 2015. Como se não bastassem as agruras socioeconômicas, eles aqui ainda enfrentam desastres naturais com frequência.


Você caminha por estas paragens e tem uma sensação diferente do habitual no Brasil. Aqui em Vanuatu há uma sensação de quietude e isolamento que é rara no nosso país cheio de gente, de música, de infraestrutura. Aqui nessa praia eu apenas ouvia o vento e o mar, mas até o próprio mar, embora bonito, parecia-me pouco convidativo. Como se fosse selvagem e eu não devesse me atrever a flertar demais com ele.

Onde eu entrei foi na Laguna Azul (Blue lagoon), perto dali, onde um rio caloroso traz águas verdes ao mar. Lugar lindo, onde é possível se banhar e pular no cipó (feito Tarzan) pra cair dentro d’água.


Merendamos mamão, manga, seguimos estrada acima. Paramos a seguir numa imensa árvore banyan, daquela com raízes aéreas que ficam-se dos galhos no solo. Segundo o guia, elas aqui eram tradicionalmente usadas como templos, com cerimônias sagradas tendo lugar debaixo da sua copa.


Chegada era, finalmente, a hora do almoço. Paramos numa cabana onde uma moça dispunha a comida e um homem com três crianças tocavam instrumentos rústicos para nos entreter. Algo mais básico, simples e espontâneo eu jamais vi. Assista para ver se eu não digo a verdade.
Os meninos são animados, as pessoas são tranquilas, mas não fiquemos nessa superfície. Há um grau de carência que você percebe. Os adultos aqui sabem que são pobres — seja esse músico, seja a professora. Por outro lado, é claro, eles estão longe das vidas estressadas e hiper-competitivas dos países mais desenvolvidos. São pessoas afáveis, menos condicionadas pelas loucuras do mundo “civilizado”. Garanto que poucos aqui sofrem de depressão ou de burnouts (esgotamento).
A moça logo nos convidou para servir-nos rodelas de inhame, aipim cozido, bolinhos de peixe, salada crua, pedaços de lap lap (uma massa feita de raízes com leite de coco, e cortada em quadradinhos, ver melhor no post anterior), e frango cozido (daqueles estilo da vovó do interior, com osso e pele) no molho. Acompanhou um refresco servido na jarra plástica Made in China, das mesmas que vendem aí no Brasil.

Éramos eu e mais alguns casais e famílias de australianos e neozelandeses sentados à mesa de toalha plástica debaixo da cabana de palha e madeira. Eu era, portanto, o único objeto exótico de interesse aos olhos dos vanuatenses (australianos e neozelandeses aqui há todo dia). Quando souberam, as crianças deram logo gritos de “Neymar!!!”.
Muitos brasileiros cansam-se de ouvir referências quase que exclusivamente a jogadores de futebol, mas eu já não ligo. Deixa a criançada ser feliz.



Seguimos caminho para conhecer uma pista de pouso construída pelo exército dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Dali fomos levados até a costa, onde se veem restos enferrujados dos tanques americanos. Após as batalhas contra o Japão, muito do material americano não foi levado de volta — foi despejado aqui, fazendo de Vanuatu um ferro-velho. A consideração dos países ricos com esses mais pobres é sempre tocante.



Para terminar o nosso tour ao redor da ilha de Efate, paramos numa fábrica de café orgânico: Tanna Coffee. (Tanna é o nome de uma das outras ilhas de Vanuatu.) O café é saboroso.
Eu, que trabalho com desenvolvimento sustentável e cadeias de valor, sempre pergunto nesses lugares sobre beneficiamento, quem controla o negócio, etc. Não deveria ter sido surpresa minha descobrir que o capital é australiano e que os lucros vão para a Austrália.
Os vanuatenses não são treinados a fazer beneficiamento nenhum; são só mão-de-obra; nem adquirem domínio tecnológico nenhum. Bom começo, mas parar por aí é muito limitado. Gera uns empreguinhos aqui, mas o dinheiro gordo fica com os australianos. (E, não se engane, a coisa é feita assim por design: os países desenvolvidos não querem transferir tecnologia, nem que os países hoje pobres compitam com eles nas produções de grande valor; querem só recursos naturais, mercados pros produtos deles, e mão-de-obra barata.)

Termino este post com a curiosidade que prometi a vocês. Aqui por toda a Melanésia há pessoas negras de cabelo naturalmente loiro. É um gene diferente daquele dos europeus; não tem nada a ver com miscigenação. Comumente, é visto de forma mais pronunciada entre as crianças. Quando estávamos saindo da fábrica de café, encontramos esse par de meninos.


A volta na ilha de Efate se completava. Volto no post seguinte com mais segredos de Vanuatu.
Linda a natureza ,,,prodigiosa, exuberante e primitiva. Magnifica.
Curioso esse gene que deixa alguns lourinhos. Iportante descobrir se é um gene ou uma situação alimentar.
Em medicina há um nível de carência/desnutrição proteico calórica que leva à descoloração capilar: Kwashiorkor que significa ”negro do cabelo louro”, muito comum em paises subdesenvolvidos. Não sei se teria alguma relação ou não. De toda forma muito interessante o relato.
Amei a natureza com seu verde e suas águas azuis/esverdeadas. Apreciei tambem a disposição pacifica e amistosa dos habitantes, São simpáticos. A comilança me pareceu interessante e bem natural.
Corajoso entrar na laguna hahah
Lamentavel a situação de atraso e pobreza.
Bela região. Ótima postagem.
Que horror a escola. Pobres crianças. E o teto deve fritar quem está dentro no verão. Ô coitados. Apesar da boa vontade dos voluntários, o direcionamento religioso ao meu ver é outro problema ja que ”coloniza” a infância e a juventude.
Interessante a semelhança do motorista com Neguinho da Beija Flor.
Adorei as fotos. Ficaram ótima. O senhor está muito bem entre eles, haha. Que bom que gostam do Brasil.
Absurda a negligencia dos norte americanos com suas sucatas, nas terras alheias.
Bela região. Povo simples e tranquilo. Gostei.
Vanuatu o país mais feliz do mundo.
lindas praias, a paisagem já não digo, pessoas completamente diferentes dos outros negros. Não só a sua imagem mas também a sua forma de viver, e conviver com as pessoas.
Gostei do País.
Parabéns pelos detalhes da descrição! Conteúdo pouco conhecido e muito rico. Vivaa a Vanuatu e a este povo incrível.