O Taiti sempre foi pra mim um lugar de sonhos, um lugar quase mítico, fantástico, tão remoto que quase inalcançável. Não é pra menos: o Taiti, essa terra tropical de flores, sol e dançarinas atraentes, está no meio do Pacífico, o oceano maior do mundo, a milhares de quilômetros de qualquer continente. Eu cria que, aqui, você se sentia isolado do restante do mundo.

O Taiti hoje faz parte da Polinésia Francesa, um amplo conjunto de vários arquipélagos que são, oficialmente, território francês. Claro, não foi sempre assim; é só em 1880, com os poderes europeus e norte-americano conquistando o Pacífico, que o então Reino do Taiti é conquistado pela França (como cairia, de forma semelhante em 1897, o Reino do Havaí perante os Estados Unidos).
Dentre os vários arquipélagos da Polinésia Francesa, o das Ilhas de Sociedade (Îles de Société) é o mais habitado e sede do governo provincial, sendo o Taiti sendo sua maior ilha, a principal. É lá que fica a capital da Polinésia Francesa, Papeete [Papê-êtÊ], e o meu próximo destino.
PRÓLOGO: Viajando de volta no tempo, cruzando a Linha Internacional da Data
Isso pra nós do Brasil está tão distante da nossa realidade, que às vezes até esquecemos que — no meio do Oceano Pacífico — há a convencionada “Linha Internacional da Data”, onde teoricamente deixa de ser oeste e passa a ser leste. Convenções humanas; não há nada de “natural” nisso, no nosso planeta redondo.
Só que, viajando da grande maioria da Oceania até o Taiti, isso significa que você deixa o extremo leste e passa ao extremo oeste do mundo. Na prática, se no Brasil às vezes viajar entre estados que têm e que não têm horário de verão é engraçado por se chegar na mesma hora ou até antes da hora em que se saiu, viajar aqui na Oceania significa que você chega ao destino no dia anterior aquele em que saiu. Eu vivi uma sexta-feira duas vezes.

Era sábado de manhã quando acordei na Nova Caledônia, num dos primeiros fusos horários do mundo; tomei café, fui ao aeroporto, e já havia passado até do meio-dia quando decolamos para as 5h30 de voo que separam sua capital Nouméa de Papeete, na Polinésia Francesa, aonde eu chegaria sexta à noite. O Booking ficou louco me informando que eu tinha duas reservas pra a mesma noite em países diferentes.
A sensação? A sensação é a de que você abandona qualquer esperança de tentar acompanhar, com lógica, a mudança no relógio — mesclado a uma breve sensação de déja vu também. Eu, basicamente, procurei saber que hora e dia seriam no Taiti ao chegar, ajustei no pulso, e movi-me como quem entre numa espaçonave ou máquina do tempo e simplesmente obedece à informação de que agora é dia X, hora Y. (Se você pensar muito, confunde.)
Dia X, hora Y, era noitinha e uma mulher francesa branca (dos seus 40 anos e sorriso vivo) segurava uma placa com o meu nome no Aeroporto de Faa’a, no Taiti. (Tem essa quantidade de “a”s mesmo, não é erro de digitação.) Ela era amiga do cidadão francês, Olivier, que estava por uns meses tomando conta da pousada onde eu ficaria; ele havia solicitado que ela, como estaria por perto fazendo supermercado, me pegasse e trouxesse de carona, ainda que esse fosse o serviço pago de traslado oferecido pela pousada. (Informalidades francesas que muita gente — erroneamente — crê que só brasileiro faz.) Com ela havia um outro francês, conversador fiado e fumante.


Se você acreditava que, ao chegar a um lugar tão remoto, veria apenas taitianos isolados do mundo, enganou-se e muito. Aqui você a todo momento percebe que está na França. Os franceses de todo o império, digo república, têm liberdade para vir trabalhar aqui, e muitos o fazem em busca da tranquilidade e do sol. Como na Nova Caledônia, há uma combinação de nativos e europeus. Todos os taitianos são fluentes em francês.
Culturalmente, no entanto, são dois mundos muito diferentes e apenas justapostos. Eu confesso que, após já uma semana circundado por franceses na Nova Caledônia, eu começava a me cansar deles e mal podia esperar para me jogar no meio dos taitianos.
Se me permitem uma breve digressão, os homens franceses têm frequentemente o hábito de acharam-se mais engraçados do que realmente são. As mulheres, não; é uma coisa masculina. Acham que precisam ser sarcásticos todo o tempo pra se afirmar. Acham também que são mais instruídos que todo mundo o mais — seja um agricultor, ele vai achar que é melhor que você porque o que ele sabe, na cabeça dele, é superior ao que você sabe; se for um bancário, a mesma coisa, ele vai se comportar como se o que ele sabe é superior ao que você sabe, e assim por diante. Empáfia francesa.
Já as mulheres, que adoram fumar, afirmam-se adotando comportamentos que, ao seu ver, equiparam-nas aos homens. Parece haver uma preocupação corrente em não se sentirem menores que os homens em momento algum, e o caminho pra isso (na cabeça delas) é impor-se na imitação de certos comportamentos tradicionalmente masculinos: são orgulhosas, não levam desaforo pra casa, fumam, bebem. Por outro lado não têm o senso de humor muito desenvolvido — as mulheres francesas raramente são engraçadas, até porque estão tão preocupadas com a sua auto-imagem e o respeito que a sociedade lhe dará (ou não) que não tem muito espaço pra fazerem graça de si mesmas, como fazem as italianas, por exemplo.
As mulheres francesas geralmente não são carismáticas. São confrontativas, habituadas a protestar e contradizer para afirmar-se. Acabam ficando um pouco amargas. Aquele estilo de Marine Le Pen, do tipo “Eu não engulo merda sua”, não está longe do típico comportamento feminino francês. Pretensiosamente elegantes, mas aquele estilo “elegante” de capa de revista de moda, e não de uma elegância doce e carinhosa. Têm frequentemente aquele jeito de pessoa desprovida de afeto, tipo Marine Le Pen ou Christine Lagarde. Não são exceções ao comum da mulher francesa. Pelo contrário. (Ainda assim, obviamente não são *todas* as mulheres, mas são padrões culturais muito reais.)
Já os taitianos, Jesus Cristo, são em geral um poço de simplicidade e de amorosidade. As fotos revelam mais do que as minhas palavras são capazes de expressar.



Quando eu cheguei na noite (repetida) da sexta-feira, instalei-me na pousada manejada por Olivier, um francês até simpático, e tirei o dia seguinte para ir percorrer o Taiti e conhecer a sua capital, Papeete.
Como eu cometi o erro de ficar alojado a 20Km da cidade, crendo que seria “mais cênico”, acabei foi na zona semi-rural por entre as galinhas ciscando na rua (ainda que galinha aqui cisque até no aeroporto, como visto) e dependendo de transporte para poder ir bordejar.
Eu precisei faire du stop, como eles dizem em francês. É pegar carona. Pela primeira vez na vida fiquei pedindo carona com o polegar na beira da pista. Aqui é a melhor maneira de se deslocar, já que o sistema de ônibus é sofrível (às vezes passa um por hora, e no sábado só até meio dia. Domingo não tem ônibus.) Era sábado.
Comigo, veio um senhor austríaco que conheci na pensão e que era um clone vivo do célebre escritor uruguaio Eduardo Galeano. Eu ficava estonteado a todo momento.


Haviam me dito horrores de Papeete (que era suja, bagunçada, feia, e outras mentiras que me levaram a hospedar-me fora da cidade), mas francamente eu achei a cidade bem simpática e organizada, ainda que relativamente pequena. Para os padrões da maior parte da Oceania, está ótimo.
Logo uma dupla de rapazes franceses num carro esporte, conversível, passou descendo a pista e nos deu uma carona, a mim e ao sósia de Eduardo Galeano. Nem o relógio biológico às avessas me impediria de aproveitar o sol e o frescor pelas ruas de Papeete, onde eu passaria o dia e a noite também.










Algumas comidas taitianas que eu vi e experimentei no mercado:
- Peixe cru no leite de côco levemente fermentado;
- Taro, raiz muito típica daqui, bananas e batatas-doces de diferentes cores;
- O doce po’e, que cheguei a mostrar neste post na Nova Caledônia, de goma de mandioca e frutas como banana ou mamão;
- Pãezinhos com coco;
- E um insuportavelmente odorento prato de peixe fermentado (este último eu não me dignei a comer, só senti o cheiro).







Eu prometi flores, danças e pérolas negras. Mostrei algo de flores (ainda tem muito mais), as danças eu mostrarei no post seguinte, mas as pérolas negras eu mostro logo como encerramento deste post inicial do Taiti. A quem não sabe, a Polinésia Francesa é sítio nativo de pérolas negras das mais valiosas do mundo. São belíssimas.
O sósia de Eduardo Galeano e eu havíamos começado o nosso trajeto no Ponto de Informação Turística (essencialíssimo), onde fomos atendidos pelo mui prestativo Manu, um jovem taitiano gay de 1.90m, brilho nos lábios e modos ultra-refinados. Dali passamos no mercado, na igreja, nas ruas diversas, pelas praças onde tirei algumas das fotos acima, e nos despediríamos após visitar o Museu da Pérola, do empresário chinês Robert Wan. (Sim, há uma minoria chinesa há várias gerações aqui no Taiti também. Eu os conheceria melhor num dos dias posteriores.)

As pérolas negras taitianas são assim pela espécie de ostra que as cultiva. A quem não sabe, as pérolas são criadas quanto um grão de areia entra na concha viva e o animal deposita sobre ele uma camada nacarada, essa substância orgânica brilhosa que as próprias conchas às vezes também têm.
Na prática, você acaba tendo pérolas de diversas tonalidades — das mais claras às realmente pretas. O pequeno museu, que é gratuito, tem (é claro) uma loja com ornamentos carésimos feitos dessas pérolas.



O Taiti me encantaria de diversas formas. Algumas, muito visuais, como essas pérolas. Outras, um encanto de coração, por solidariedade.
Na praça, eu passei por um monumento estranho que me chamou a atenção, algo que remotamente me lembrava um cemitério tribal. Era um marco erigido contra os tantos testes nucleares que a França realizou em suas dependências aqui no Pacífico.



Quer saber? Me apaixonei. Longa vida ao lindo Taiti. No post seguinte eu volto com as danças e a continuidade das minhas andanças.
Ai que fofura, que povo simpático que carinhas redondas e risonhas. Que lindas flores. e que comilanças com otima aparência. Exceto o peixe cru haha;
Linda a marina com seu espetacular por de sol. Uma beleza. Amei tambem a cidadezinha arrumada limpa e bonitinha e sua igrejinha elegante, simples e de vivas cores. Muito bonitinha. Curiosa essa adaptação/representação dos Ícones religiosos aos locais.
Rapaz, esse mercado é mesmo uma perdição!… adoro essas lojinhas e essas comilanças típicas sobretudo de frutas e verduras/legumes/tubérculos etc e tal.
A cidade e o povo são uma simpatia só. Tem razão, o viajante brasileiro. Apaixonante.
Ahahaha adorei a galinha no aeroporto. Sui generis hahah, Gostei tambem do aero e achei curiosa a lingua.
Que surpresa boa essa regiao/ essa ilha bonita de gente simpática.
E que loucura, esta de 2 reservas no mesmo dia ao mesmo mesmo tempo em locais diferentes. Essas convenções são uma ”onda” haha Nossa!….. deve ser muito interessante, senão confuso, haha ir e voltar no tempo a la Hermione em Harry Potter hahah. Imagino a confusão hahaha
Que me desculpem os/as franceses/as mas eita que esses perfis ai traçados são próprios dos ditos cujos/cujas. Nossa. Não só deles mas também de outros habitantes de outros países da Europa. Jesus, hahah Poderiam ser um pouco mais naturais e simpáticos/as. Fazer o quê?
E que horror esses testes. Lembro das noticias e das pressões sociais e dos órgãos internacionais de defesa de povos e ambiente no sentido de pararem com esses testes ai no Pacifico.. Absurdos, desrespeitosos para com os povos e o ambiente, Coisa de pais desenvolvido sem noção. E foi por muito tempo, lembro. Uma tristeza.