Cada um tem a sua menina dos olhos: a minha é Amsterdã. Ainda que a minha lista de cidades favoritas inclua várias outras, até mesmo algumas mais próximas do meu coração, pra mim é Amsterdã a mais bonita e mais pitoresca de todas. Se não fosse clichê, eu diria que ela é um grande museu a céu aberto.
A capital holandesa, povoado medieval das margens do Rio Amstel (Amstel + dam, de “represa no rio Amstel”, para daí Amsterdam) que emergiu como cidade nos idos de 1300, é uma metrópole europeia sui generis com suas centenas de canais e pontes por ruas estreitas num centro histórico bem preservado que data sobretudo dos séculos XVII e XVIII. Como dizia uma campanha recente da prefeitura: “Muitos povos produzem obras de arte, mas os holandeses vivem numa“.

Não posso falar de Amsterdã sem levar em conta que morei aqui por 6 anos da minha vida recente.
É, em verdade, difícil até saber por onde começar, já que não dá para falar de tudo que eu experienciei nesse período aqui. Cheguei um estranho, saí um velho amigo — não um enamorado, pois apesar de muita convivência e histórias juntos para contar, nunca tivemos a afinidade que permite despertar aquele afeto maior. Como eu disse, tenho outras cidades mais perto do meu coração, mas Amsterdã é talvez a minha velha amiga mais bonita.
Quando eu cheguei, naquela tarde ensolarada de setembro, me chamaram logo a atenção as suas movimentadas ciclovias onde altas moças loiras pedalavam com determinação. Essas onipresentes faixas de pavimentação vermelha são as veias e artérias de Amsterdã — com efetivamente muito mais tráfego que as ruas. Só nos piores dias de chuva é que os trens, o metrô e os bondes elétricos se enchem um pouco mais. Amsterdã é um paraíso da mobilidade urbana.

No começo da minha estadia na Holanda, quando ainda vivia em Haarlem, eu pouco passeava por Amsterdã. Até que um dia após me mudar pra cá — me lembro com clareza —, caminhando à noite no centro por uma das muitas vias com um canal no meio, eu vi os lampiões refletidos na água e me dei conta da beleza da cidade onde morava. Decidi então que precisávamos nos conhecer melhor.






O coração de Amsterdã, como ocorre em tantas cidades da Europa, é a sua Estação Central de trens. Ali ficava o antigo porto, término de muito do tráfego marítimo holandês antigamente. Construí-la bem ali foi uma das maiores controvérsias que a cidade experimentou no século XIX, quando a Holanda já não era mais uma potência comercial mas ainda mantinha seu orgulho naval.
A 800m dali, em 10 minutos você chega à Praça Dam (Dam square), outro dos pontos centrais da cidade. Ali ficava o antigo mercado principal e a represa que, junto com o rio, dão nome Amsterdã. (Há muito que o rio já não chega até aqui, desviado que foi para a miríade de canais ao longo dos séculos.)




Esse nome de “Palácio Real” às vezes confunde alguns visitantes. A Holanda é uma monarquia parlamentarista (como o Reino Unido, onde a família real tem poder mais simbólico que real), mas nem o rei vive aí nem ele é comumente visto aqui na capital.
Amsterdã é a única capital na União Europeia que não é sede de governo. Constitucionalmente é ela a capital da Holanda, mas a sede de governo do país, tanto do parlamento quanto a morada da família real, é Haia, cidade que acontece de também abrigar a Corte Internacional de Justiça. (Há outros exemplos disso fora da Europa, como na Bolívia, onde a capital é Sucre, mas a sede de governo é La Paz.)
A explicação do porquê disso tem a ver com a História holandesa e revela muito das origens do espírito livre que tanto marca a cidade de Amsterdã.

A Holanda, quando surge em 1568 como entidade independente, revoltando-se contra a coroa espanhola que então governava o Sacro-Império Romano Germânico, o faz como uma federação republicana de províncias que queriam se ver livres da taxação imperial. Além disso, aqui haviam se tornado quase todos protestantes num império cada vez mais ferozmente católico (lembre que estamos na época da Inquisição).
Haia já era sede do governo regional dentro do império, mas Amsterdã crescia comercialmente. Foi aí que surgiu a curiosa mistura de república e monarquia que foi a Holanda durante toda a sua “Idade de Ouro” das navegações e conquistas do século XVII até a Revolução Francesa: havia um monarca da linhagem dos Orange, que lideraram o movimento de independência e dão até hoje a cor nacional laranja ao país, mas tudo precisava ser bem negociado com os donos do dinheiro (os mercadores) e cidades semi-autônomas, como numa república. O título do monarca não era bem de rei, mas de stadtholder, um regente, ainda que às vezes chamado de “príncipe”.
Quando passa a Revolução Francesa em 1789, Napoleão domina a Holanda, instala o seu irmão Luís Napoleão como rei “pra valer”, e este então toma a prefeitura de Amsterdã para ser o seu “Palácio Real” particular.
Uma curiosidade é que os holandeses até então não tinham sobrenomes, exceto as famílias nobres. Napoleão então em 1811 decreta que todos arranjem o sobrenome que for, o que levou à renca de sobrenomes simples que há na Holanda hoje: Janssen (“filho de Jan”), van der Laan (“da rua”), van Veen (“do brejo”), entre outros.
Só ao apagar das luzes das guerras napoleônicas, em 1814, é que se instala a família real que governa a Holanda atualmente. Eles são parentes distantes dos Orange de antigamente. Num gesto de união nacional, eles reconheceram Amsterdã como a capital do país, ainda que se mantenham em Haia.
Daí você vê as raízes das atmosferas existentes nas duas cidades ainda hoje: Haia bastante monarquista e com aquela aura burocrático-governamental digna da maioria das capitais, e Amsterdã uma cidade hiper-liberal de espírito livre.




Todo esse liberalismo tem raízes na História da cidade, assim como na atitude habitualmente indiferente dos holandeses em relação às escolhas alheias: “se não me afeta, não é problema meu.”
Em tese, só é permitido fumar maconha no interior dos coffee shops, mas na prática você facilmente sente o cheiro por todo o centro da cidade, especialmente no Distrito da Luz Vermelha (basta uma caminhada e você inala quase um baseado inteiro como fumante passivo). Drogas pesadas são proibidas, mas você acha do mesmo jeito. Há tipos suspeitos oferecendo-as à plena luz do dia, ainda que isso não seja acompanhado da violência que se poderia ver em outros países.
Nessa mesma veia liberal, Amsterdã provavelmente é a cidade mais LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) da Europa. Não são poucos os bares voltados a esse público, com suas bandeiras arco-íris em destaque, e a “Parada Gay” todos os anos é sempre um dos mais movimentados eventos da cidade, comparável apenas ao Dia do Rei (King’s Day, dia 27 de abril, uma espécie de Carnaval de um dia só em que o país inteiro festeja vestido de laranja.)


Como você já deve ter percebido, Amsterdã é uma cidade de festas (com uma pontinha de hedonismo) bem voltada à vida noturna, aos prazeres e ao entretenimento livre. Ela talvez seja a cidade do mundo que melhor representa a filosofia epicurista do carpe diem — “agarre o dia”, aproveite a vida.
De modo geral, já há algumas décadas Amsterdã é uma cidade hipster por excelência. O termo, a quem desconhece, refere-se à cultura urbana alternativa, tão comum entre a população mais liberal dos países ocidentais ricos, das modinhas do diferenciado (ex. do hambúrguer gourmet acompanhado de suco funcional com linhaça dourada e sementes de chia). Não é a escolha em si, é a atitude social de se projetar como pretensamente diferenciado por uma questão de estilo.
Talvez por isso tenha dado amizade em vez de namoro. Eu respeito a liberdade das pessoas, mas às vezes a pretensão de certas coisas em Amsterdã me cansa.

No entanto, ainda que festejo e estilo sejam a ordem do dia em Amsterdã, é realmente o seu lastro artístico e histórico a grande base sólida sobre a qual os festejantes pululam.
Amsterdã é onde você pode visitar a Casa de Anne Frank, onde ela se escondeu dos nazistas com a sua família e escreveu o mais famoso diário do mundo (peloamordedeus, compre o ingresso online ou padecerá na fila). É o sítio do pequeno e belo Museu Van Gogh, com a maior coleção de obras desse pintor holandês do século XIX. É onde fica o Museu Real (Rijksmuseum), com a história nacionalista das navegações holandesas e as maiores obras do pintor Rembrandt. E é onde melhor se testemunha a paixão nacional holandesa por flores, sobretudo tulipas. O Mercado das Flores, embora bastante turístico, não deixa de ser interessante.


Além desses lugares, vale a pena visitar os jardins do Begijnhof, que você acessa pela praça Spui; o Museu Histórico Judeu, belo e onde encontrará a carta original de excomunhão do filósofo Spinoza (em português, já que sua família era original de lá e buscou a Holanda como refúgio); o Hermitage, extensão da galeria famosa de São Petersburgo que agora tem uma filial aqui; e uma volta pelas 9 straatjes, uma área de nove ruelas particularmente pitorescas.
E o que realmente você não pode deixar de fazer para experimentar Amsterdã é um passeio de barco pelos canais da cidade.



Morar em Amsterdã é comprar uma bicicleta já nas primeiras semanas (viver na Holanda e não possuir uma bicicleta é inconcebível); ter amigos internacionais; aproveitar todos os raros dias de sol nesta cinzenta cidade de vento forte e chuviscos constantes; descobrir e comentar sobre os melhores cafés, bares e restaurantes (especialmente os de comida estrangeira, já que culinária holandesa quase não existe para além do purê de batata com linguiça); fazer piquenique na grama nas longas tardes de verão no Vondelpark ou num dos outros muitos parques verdes da cidade; esbarrar sempre num Albert Heijn, a onipresente rede de supermercados holandesa; e estar sempre atento ao repleto calendário de eventos e festivais da cidade.

Valeu por tudo, Amsterdã. Como velhos amigos com experiências de convivência marcantes, mesmo já não estando perto nós nos reencontraremos de tempos em tempos.
Ainda falarei mais da minha vivência na Holanda, assim como darei algumas dicas sobre a cidade.
Maravilha essa Amsterdam encantadora, cheia de canais e pontes,sua natureza estupenda, suas fantásticas ciclovias, seus bondes, e metrôs pontuais que cortam e ligam toda a cidade, de ruelas lindas, e bem arborizadas, de mesinhas nas calçadas, de cafés, de arquitetura sui generis , seus monumentos, com suas belas praças, de magníficos jardins floridos, museus, suas festas, um recanto de sonho e fantasia, Parece uma cidade saída dos livros de estorias, Seu burburinho e vai e vem de turistas, contrasta com os bairros pacatos e quase desertos. Impossível não amar Amsterdam. Uma vez a tendo visto se torna imperativo retornar, Morre-se de saudades longe dela. Bela postagem, Saudades dessa cidade de luz, de beleza impar. Espero retornar a ela, um dia próximo.
Ahhh!.. Amsterdam é um gostoso caso de amor!… inesquecíiiivel. Parabéns, meu jovem, sintetizou bem o que é estar e viver na magnifica Rainha do Mar do Norte, Um museu a céu aberto, muito bem dito.
Esqueci de comentar que o senhor está otimo neste belo ‘quadro, com este cenário fantástico.Valeu. otima postagem.
Tinha muito interesse nessa cidade e hoje não tenho nenhum.Lugar mais superestimado do Mundo.Provavelmente por ter morado aí o autor não consiga avaliar bem a situação.É a mais feia dentre as capitais da Europa Ocidental,junto com as nórdicas.Isso posto ainda consegue ser a mais bonita urbe da Holanda.Passa a mesma sensação que o autor descreveu sentir nas capitais nórdicas,o fato de tanta riqueza não se refletir em um caráter monumental e artístico que encontramos em Paris,Londres,Roma,,Madrid,Milano,Barcelona,Budapeste,Moscou,São Petesburgo,Praga,Viena,Munique,etc.Até Bruxelas,Kiev e Bucareste são mais bonitas que Amsterdam,mas nesse caso a diferença está na propaganda…