“Roterdã ganha dinheiro, Amsterdã gasta dinheiro”, é o que muita gente repete por aqui.
Roterdã é a segunda maior cidade da Holanda, e um dos maiores e mais movimentados portos do mundo (o de maior tráfego no Ocidente). Na desembocadura do Rio Reno, um dos principais da Europa, ela fica numa localização estratégica, e foi prontamente bombardeada pelos nazistas em 1940 quando a Alemanha invade a Holanda. A consequência vê-se hoje: esqueça o casario bonitinho encontrado em Amsterdã, Haarlem, Delft, Gouda e tantas outras cidades holandesas. Roterdã esboça uma arquitetura arrojada, moderna, e que divide opiniões.

Adiantemos a fita em alguns anos, desde que eu narrei a minha chegada e explorações iniciais aqui na Holanda em Haarlem e Amsterdã. Há alguns meses, sempre de retorno ao país para visitar amigos ou resolver uma coisa e outra, retornei a Roterdã. Estava a caminho de algum outro lugar, que revelo a seguir.
Quando completaram a renovação dessa estação em 2014, eu estava lá. Dei entrevista à televisão, quando me perguntaram — de supetão — o que mais eu gostava na estação remodelada. Fiz aquela cara sorridente de paisagem, e respondi que talvez o espaço amplo para circulação de pessoas no interior. (Os holandeses correm, e ninguém gosta ficar se batendo em espaços apertados, como acontece em outras estações.)
Eu desta vez tinha 1 noite aqui antes de deixar (novamente) a Holanda, e aproveitaria para rever atrações antigas e conhecer algumas novas em Roterdã.



Eu falei que a arquitetura moderna de Roterdã dividia opiniões. Tudo antigo foi arrasado ao chão em questão de horas durante o chamado Rotterdam Blitz, em 14 de maio de 1940, quando a força aérea alemã nazista (Luftwaffe) bombardeou a cidade para forçar uma rápida rendição holandesa. Conseguiram. (Se os holandeses tivessem resistido, talvez Amsterdã fosse a próxima.)

Desnecessário dizer que hoje a paisagem da cidade é completamente diferente. Tudo precisou ser construído novo a partir dos anos 1950. Em vez de tentar reconstruir para parecer antigo, que fizeram muitas cidades polonesas (o centro histórico de Varsóvia parece antigo, mas é todo reconstrução), Roterdã decidiu inovar. Abraçou a arquitetura modernista dos anos 60 e segue inovando até hoje.


Erasmo, a quem perdeu aquela aula de História, foi um dos grandes autores renascentistas, talvez o maior da Holanda.
O senhor Desiderius Erasmus (1466-1536), mais conhecido como “Erasmo de Roterdã”, foi um humanista cristão. Contemporâneo de Martinho Lutero, ele criticava os abusos da Igreja, mas não rompeu com ela. O Elogio da Loucura (1511), sua mais famosa obra, satirizava precisamente as superstições e tradições — a seu ver, descabidas — da Europa medieval.
No entanto, o seu debate mais polêmico mesmo — e relevante até hoje, sobretudo num país religioso como o Brasil — foi na obra O Livre Arbítrio (1524), em que ele questiona a crescente interpretação protestante de “predestinação”. Erasmo argumenta que Deus em sua onisciência pode saber de antemão o que vai acontecer, mas que isso não significa que Ele necessariamente causa aquilo — como um astrônomo que conhece algo do cosmos pode prever um eclipse sem necessariamente ser isso a causa do eclipse acontecer (a comparação é de Erasmo).
Já Lutero, pai da Reforma Protestante, e que em sua obra De servo arbitrio (1525) articula sua posição, dizia que o livre-arbítrio humano está comprometido pelo pecado, e que só Deus é quem diretamente liberta. Calvino, outro dos reformadores, iria um passo mais adiante pregando que Deus “salva os eleitos”, e que o destino final das pessoas, seja a danação ou a salvação, já está predeterminado independente das suas atuais escolhas. (Dessa doutrina derivam os muitos chavões comuns no Brasil, inclusive entre não-protestantes, de “Deus é fiel“, “Deus está no comando“, etc.)
Erasmo manteve que, se não houvesse livre-arbítrio, os Mandamentos teriam sido em vão, e os atos bons ou maus, se já predeterminados por Deus, seriam de responsabilidade Dele, não de quem escolheu cometê-los. Escolha é, portanto, um conceito central para Erasmo. Daí o seu “humanismo cristão”, pondo o foco nos atos das pessoas, mas à luz dos valores cristãos.
Voltemos à Roterdã do século XXI…




Roterdã é o que chamaríamos de “uma cidade normal”, não é uma cidade excepcionalmente turística — não vou mentir. Mas é uma “cidade normal” avançada, que parece oferecer boa qualidade de vida.
Na falta de marcos antigos, aqui há sempre algo novo, e a “sensação” mais recente é o arrojado Rotterdam Market Hall, um imenso prédio contemporâneo que mistura apartamentos e um vão interior onde há um mercado fechado.




O albergue onde eu fiquei era perto desse centro, naquela rua animada das cervejas. Meu voo seria cedo no outro dia; eu teria direito a um café na cafeteria onde o albergue funcionava, mas não sabia se dava tempo, pois eu precisava sair antes de o lugar oficialmente abrir.
Quando desci, o funcionário na recepção era um rapaz loiro de aspecto levemente rústico. Parecia não ser dali. Disse-me prontamente que faria um café pra mim antes de abrir as portas.
Enquanto fazia o meu café, perguntou-me aonde eu viajava naquele dia.
— “Budapeste.”
— “Ah! É de lá que eu sou.“, respondeu-me.
Deu-me algumas dicas, e conversa ganhou contornos que jamais vou esquecer.
— “Dê um alô ao meu país. Espero que você curta esse tempo lá.”
— “Eu acho que vou. Eu amo Budapeste.”
— “Quem sabe você acha uma garota por lá…“, disse ele faceiro.
— “Por que não? As húngaras são bem bonitas.“
— “Como as brasileiras.”
— “Ambos temos um padrão alto.“, disse eu, ao que ele concordou, e ali nos vimos ali naquela abertura à qual os europeus do leste sempre me parecem muito mais prontos que os europeus dos países mais ricos do oeste.
— “Quem sabe, de repente eu acabo ficando por lá…“, despachei eu.
— “Cuidado, elas tomam a sua vida!“, advertiu-me ele quase rindo mas sem rir.
— “Talvez eu não veja problema nisso ;-)”, respondi casual.
Ele riu, eu já à porta, de partida.
Uaaaauuu Interessante essa Rotherdam de Erasmo, com seu belo Reno, sua charmosa e moderna Estação Central, seu centro amplo e movimentado, suas mesinhas nos passeios e seu ar de grande cidade, embora tranquila e calma.
É mesmo uma cidade diferente daquelas comuns na Holanda, e que encantam a todos os que chegam. Sente-se o peso do seu status hoje e do seu progresso mas não se sente a magia que respiram as cidades holandesas, com cheiro de passado , com um urbanismo quase bucólico que encantam, mesclada com um presente que é um verdadeiro colírio para os olhos.
Mesmo sem essa magia, é uma bela cidade onde nasceu o historico e marcante pensador, que merece ser visitada. Adorei o porto, o Reno e a homenagem a Erasmo na bela ponte. Valeu viajante, A Holanda agrada sempre.
Esqueci de comentar esse magnifico e arrojado mercado interno, ultramoderno e de esfuziante efeito visual. Maravilha. Belíssimo.
o mesmo não posso dizer em relação à arquitetura da Igreja. Perdoem-me os que percebem a beleza das suas formas mas achei horrivel. hahaha