Estamos de volta em Moscou.
Moscou não são só o Kremlin e a Praça Vermelha, ao contrário do que as agências de viagem e a mídia nos fazem crer. Esse largo rio na foto por exemplo, o Rio Moscova, passa bem no centro da cidade. Eu vim aqui duas vezes antes, relatos que você verifica aqui e aqui, ou mais amplamente na minha lista de postagens sobre a Rússia.
Eu desta vez chegava de uma noite mal-dormida no Aeroporto Liszt Ferenc (em homenagem ao compositor clássico, que era húngaro), de Budapeste, em um voo na madrugada até o Aeroporto Vnukovo (um dos três de Moscou, e aquele aonde chegam os voos mais baratos vindos da Europa). Dali, uma van — aqui na Rússia, chamam-nas de marshrutka, nome importante para aprender — me levou até a estação de metrô Yugo Zapadnaya, de onde eu iria até o meu albergue que acontecia de ser de frente ao Hotel Budapeste, cujo sinal de wi-fi eu de cá alcançava. Sincronicidades curiosas da vida.
Estar de volta a Moscou, quatro anos depois, me dá a impressão de que estive aqui mês passado. Não vejo grandes mudanças. O metrô agora tem um sistema diferente de cobrança, mais avançado, com cartões de papel em vez de fichas plásticas, e que parecem tentar compensar a desvalorização do rublo russo diante do euro e do dólar: de 30/40 rublos por 1 euro/1 dólar, para 59/66 por 1 euro/1 dólar em dois anos. A passagem custava 28 rublos (ou 0,8 euro), e agora continua custando o mesmo 0,8 euro, mas que agora são 55 rublos se você não tiver o Cartão Troika. Vale a pena comprá-lo se você pretender usar bastante o metrô, ou for ficar em Moscou mais que um par de dias.
Embora mais caro ao turista, o metrô de Moscou continua lindo — e relativamente barato, admita-se. O afamado Stálin, nos anos 1930, determinou que as riquezas de mármore etc. deveriam estar acessíveis ao povo, e não exclusivas à gente rica. Determinou então sua remoção das suntuosas igrejas e palácios e os pôs nas estações de metrô pra todo mundo apreciar. A Mayakovskaya, a Kievskaya, e a Ploshchad Revolyutsii são particularmente bonitas, mas a verdade é que quase todas são lindas, com muitos lustres e tal.
Afora isso, e algumas ciclovias que agora parecem mais presentes (e melhores que em muitas outras grandes cidades da Europa), Moscou exala a mesma sensação de sempre.
“Jovens, casais, e funcionários de empresas (com seus ternos e maletas) a beber café em agradáveis cafeterias que poderiam estar em Londres”
Em 2015, a bielorrussa Svetlana Alexievitch venceu o Prêmio Nobel de Literatura com o livro “O Fim do Homem Soviético”, que conta como aquelas pessoas de mentalidade do comunismo soviético desaparecem. De fato, o que temos em Moscou hoje me parecem classes de pessoas nada muito diferentes das que se veem Ocidente afora: jovens, casais, e funcionários de empresas (com seus ternos e maletas) a beber café em agradáveis cafeterias que poderiam estar em Londres; carros finos pelas ruas, revelando dinheiro aos pedestres de aspecto mais humilde, que no caso daqui têm frequentemente feições asiáticas; redes de marcas mundiais como McDonald’s, Zara e Massimo Dutti, por volta das áreas históricas onde massas de turistas circulam tirando selfies e outras fotos (no caso daqui, a Praça Vermelha, o Kremlin e seus entornos).
Nesse aspecto, Moscou revela-se a cidade europeia que é, pouco diferente daquelas encontradas na União Europeia. (Na verdade, é até melhor que certas capitais de países mais a oeste, onde, por exemplo, às vezes parece tarefa impossível encontrar uma cafeteria onde não se fume no interior, como em Belgrado, na Sérvia).




Apesar da semelhança com outras partes da Europa, é claro que aqui há aspectos culturais russos permeando isso tudo. Uma característica é que na Rússia as pessoas amam vestir-se a caráter — mesmo que não se trate de uma ocasião de gala. Não são todos, mas não é raro ver mulheres de salto alto e muita maquiagem desfilando uma ultra elegância quase desnecessária pelas ruas. Os homens posam de macho-alfa e as moças, de bonecas.
“Os russos tendem a ser pessoas calorosas, mas entre estranhos o habitual são silêncio e ar de poucos amigos, especialmente aqui na capital.”
Outro aspecto é a rigidez social entre estranhos. Os russos tendem a ser pessoas calorosas, mas entre estranhos o habitual são silêncio e ar de poucos amigos, especialmente aqui na capital. Palavras curtas, semblante sério de “não sei quem você é, não lhe dou ousadia”. Isso muitas vezes se quebra, e a pessoa sorri, revela um coração humano, até uma certa dose de humor que parecia ausente naquele indivíduo. Mas o habitual são semblantes sérios. Não poderia ser mais distante da minha Bahia de origem, onde as pessoas sorriem e se afagam ainda que sem razão aparente, somente por ser.
Fui rever a famosíssima Catedral de São Basílio (aquela dos domos coloridos que parecem jujuba) e a Praça Vermelha. Não entrei novamente no Kremlin porque, embora os preços em Moscou sejam comparáveis aos das outras capitais europeias, os preços das atrações turísticas são um tanto abusivos. Não vi sentido em gastar dezenas de euros pra encarar filas e ver algo que eu já tinha visto (fotos do interior do Kremlin você vê neste post anterior meu).
Fui, em vez disso, à Galeria Estatal Tretyakov, um impressionante museu de arte russa cuja visita relatarei mais adiante.












Encerrei o meu sábado cedo, tirando o atraso do sono que me faltou na noite passada no Aeroporto Liszt Ferenc em Budapeste, para vir pra cá.
No domingo de manhã, acordei para ver que havia chovido e uma manhã nublada dominava o céu. As ruas ainda estavam relativamente quietas. Eu tinha fome, e logo após me banhar saí pra caçar uma cafeteria que já estivesse aberta às 9am. (Não foi tão fácil; a maioria só abre às 10am nos domingos.) No caminho, deparei-me com uma massa humana de homens asiáticos, que eu não sabia se eram muçulmanos ou o quê, alguns portando chapeuzinhos bordados na cabeça. Se eu soubesse russo, teria parado um deles para perguntar do que se tratava aquilo. Eram centenas, todos homens.
À saída da primeira cafeteria aberta que achei (um lugar grã-fino), presenciei o diálogo entre uma moça russa com ar de boneca e fala afetada e um senhor, que tinha idade de ser seu pai, todo de branco, inclusos aí paletó claro, calças brancas e sapatos brancos, naquele ar de mafioso. Conduziu-a até o táxi aos beijos, ela a andar feito uma Barbie aparentemente tentando convencê-lo de algo. O senhor ainda parecia um pouco grogue e tinha ares de quem queria encerrar aquela conversa, ainda que aos beijos.
Segui caminho pelas ruas molhadas, até achar uma venda, daquelas de apenas dois corredores com prateleiras de um lado e do outro, e um caixa só. Do lado de fora na entrada, alguns homens asiáticos falavam uma língua que eu não sabia qual era, fumando cigarros e comendo pães e linguiças da venda ali mesmo. Pareciam animados.
Entrei, e me lembrei da hecatombe que são a venda e o consumo de álcool aqui na Rússia. A última prateleira, a mais próxima do caixa, parece já de araque repleta de uns 5 metros de tipos de vodkas e outras bebidas — como que para tentar o cidadão que porventura tivesse virado a cara e tentado evitar a “marvada”. À minha frente no caixa, um senhor com aquela cara emaciada de gente que bebe muito (cara comum aqui na Rússia) comprava apenas uma garrafa de destilado transparente (às 9 da manhã de domingo). Eu acabei comprando só um sanduíche vagabundo e um iogurte.
Voltei, arrumei minhas coisas, e saí novamente agora para tomar um devido café numa das várias redes que há aqui hoje em dia. A Mu-Mu (ou My-My se você preferir no alfabeto cirílico, que a língua russa usa) é clássica, mas a Karavaevi é também muito boa, com muitos quitutes de café da manhã e comidas de almoço, e por preços razoáveis para Moscou, frequentada sobretudo por russos e pouco por turistas. De tarde chegou Karla, uma amiga canadense que faria comigo a rota trans-siberiana até a Mongólia.

Tivemos ainda tempo de dar umas voltas em Moscou e ir conferir algumas poucas coisas remanescentes da Idade Média aqui na cidade. Como se sabe, os principados russos medievais foram todos conquistados pelos invasores mongóis no século XIII. Iniciaria-se aí uma conexão perene entre estes eslavos e a Ásia Central.
Krutitskoe Podvor’ye é uma antiga “eparquia” (que é como se chama uma diocese na Igreja Ortodoxa) estabelecida aqui ainda no século XIII, e expandida no século XVII. Hoje se podem visitar estas estruturas que são das mais antigas que restam na cidade. (Os príncipes de Moscou foram muito obedientes aos mongóis durante os séculos XIII e XIV, e com isso ganharam proeminência. Por isso é que, quando os mongóis caem no século XV, Moscou é quem emerge como a capital.)






Antes de sair de Moscou, eu ainda retorno no post que vem com a impressionante Galeria Tretyakov, talvez a mais bela da cidade.
Olá Mairon,
parabéns pelo blog.
Chego em Moscou na terca. Já arrumei a mala com muitos casacos. Vendo voce de camiseta, fiquei na dúvida. Será que tiro a roupa de frio da mala e levo só um casaco mais leve para usar a noite?
Oi Ana!
Primeiro de tudo, obrigado!
Sobre a roupa de frio, eu sugiro que você a mantenha na mala. O tempo em Moscou é notoriamente flutuante. Como não tem montanhas por perto para barrar correntes de ar, as temperaturas oscilam muito. Pode ser que você pegue alguns dias bonitos de sol, mas com aquele ventinho frio, e às vezes você acorda no outro dia e — de repente — aquele tempo bonito se foi, para ser substituído por chuva fria invernal. O melhor é ir preparada.
Bons preparativos! Qualquer outra dúvida, estamos aí.
Muito obrigada pelas dicas. Prefiro as viagens na primavera e outono. Mas detesto fazer as malas, nunca sei exatamente o que vou encontrar. Vou torcer para nao chover. De resto, frio ou sol está valendo!
Uma boa transiberiana pra voce. E conte-nos tudo, com todos detalhes. 🙂
Nossa!….. que bela Moscow nessa estação ai em que o senhor foi, jovem viajante. Lindissima. Maravilha essa praça vermelha, essa deslumbrante catedral de jujuba, belas e floridas praças, lindas igrejas, maravilhosa arquitetura, de detalhes e coloridos deslumbrantes, Um esplendor de cidade. Assim como Budapest que conheço no inverno, esta Moscow, também conhecida em outro inverno, parece outra cidade, mais bela e atraente, Uma maravilha. Amei esta Moscow, Creio que mais bela que no inverno. Adorei essa profusão de cores, as belas flores, os monumentos magníficos e a maravilhosa praça vermelha, por si só um espetáculo para os olhos. Gostaria de revisitar esta bela cidade nessa época em que o senhor foi, meu jovem.E que burburinho de gente!… que povo alegre!… gostei. Imagino que esteja bela assim agora para a festa do futebol mundial. Linda, Espero revisita-la. Chi lo sa?Parabens pela postagem, Linda
Grande Dostoiévsky, escritor, romancista, jornalista, pensador , filosofo e psicologo de renome mundial de todos os tempos, e tao pouco conhecido aqui no Ocidente onde as pessoas deveriam ler mais e se interessar pelos grandes do mundo inteiro. Preocupou-se com os pobres, com as tragedias humanas e o cotidiano de Moscow no sec. XIX. É dele os Irmaos Karamazov. Muito bom.
Ih essas comilanças russas nesses gostosos café, eu lembro com saudades. Ótimos chocolates e guloseimas. Excelentes cafeterias. , Serviam muito bem. Pelo visto continuam. Adorei. Deu vontade de tornar a Moscow.
Shopping belíssimo. Lembro bem. Maravilhoso, Um show!… charmoso, elegante e nao achei muito caro nao. Nos – 8 º graus ele era uma gostosura hahah