(Eu ♥ Irkutsk, em russo.)
Faz alguns anos desde a primeira vez que eu vi “Irkutsk” no mapa. Lembro-me de — ajudado por esse nome siberiano — imaginar um lugar gélido, polar, um lugar remoto onde poucas pessoas, permanentemente em roupas de frio, viviam isoladas do mundo. Não acho que eu seja o único a ter essas imaginações acerca da Sibéria.

Irkutsk talvez fosse assim há 300 anos atrás, mas não mais. A Sibéria, como eu coloquei no post passado, tampouco é permanentemente fria. Tal qual o miolo do Canadá e dos EUA, ela tem o clima continental de invernos muito rigorosos mas também verões bem quentes. (Vai de -40ºC a 40ºC.) E Irkutsk, fundada em 1661 como um entreposto comercial de onde os russos colhiam impostos dos nativos em peles de animais, é hoje uma cidade relativamente grande com 600 mil habitantes, a maior da região.
Após dois dias de trem desde Ekaterimburgo, ao desembarcar numa manhã em Irkutsk, duas coisas me foram perceptíveis de imediato. A primeira foi o calor: no meado do ano, por mais estranho que pareça dizer isso, aqui na Sibéria faz mais calor que em Moscou ou naquelas outras cidades russas que eu havia visitado. Segundo, ao chegar em Irkutsk, eu já comecei a achar que a Rússia fica com cara um pouco de Ásia.
Não só havia uma quantidade substancial de asiáticos nativos daqui (os siberianos nativos, que os russos conquistaram ao longo dos séculos), como também muitos imigrantes das repúblicas ex-soviéticas da Ásia Central (os “stão”) e da China. Quase nenhum trabalhador braçal aqui na cidade é loiro de olhos azuis com aquela cara sorridente de Yuri Gagarin.
Aqui eu veria belas casas coloniais de madeira em arquitetura típica siberiana, muitas igrejas ortodoxas esplandecentes (das mais bonitas de toda a Rússia), e também algo de legado soviético. Com a cultura nativa eu viria a ter algum contato a seguir. Era apenas o começo da minha incursão por estas terras.


Tomar banho após dois dias e duas noites no trem com a mesma roupa foi a glória. Mas antes disso tivemos que lidar com a recepcionista do nosso albergue, que não falava uma única palavra que não fosse em russo. Por sorte, ela tinha um curioso aplicativo (não sei o nome) que não só traduzia o que ela escrevesse como também lia a tradução, numa voz feminina computadorizada. Ela, uma impaciente senhora, nos assistia impassível enquanto ouvíamos a voz do seu celular ditar a tradução.
Ao final deu tudo certo, e uma vez banhados, saímos para fazer uma refeição e conhecer a cidade. Irkutsk tem uma útil linha verde desenhada no chão que te leva por todos os principais pontos da cidade, de casarões de mercadores dos séculos passados a igrejas e museus. Basta seguir, e há painéis explicativos (com tradução em inglês) à frente de cada atração. São muitas, bem umas 25 a 30.


O que há de típico e que mais chama a atenção aqui em Irkutsk são as casas tradicionais siberianas, feitas todas em madeira e com intricada ornamentação. Há uma espécie de shopping a céu aberto chamado 130 Kvartal onde todos os estabelecimentos são feitos nesse estilo; é bonito, mas visivelmente falso. As originais, que você ainda localiza aqui e ali na cidade, são muito mais autênticas e bonitas.








Essa tradição advém de um tempo em que construções de alvenaria eram muito custosas e, portanto, mais raras. Madeira, por outro lado, sempre houve em abundância aqui na Sibéria.
Da mesma forma que nos Estados Unidos houve uma “marcha para o oeste”, em geral às custas dos índios, na Rússia houve uma “marcha para o leste” conforme o Império Russo foi conquistando terras até chegar ao Oceano Pacífico — e, sim, também à custa dos nativos. Isso se deu progressivamente dos idos de 1500 até o final do século XIX.
Essas casas de madeira são emblemáticas dos comerciantes e expedicionários que vinham até essas terras distantes explorar a mineração, o comércio (em geral, de peles) com os povos locais, e assegurar o domínio da coroa russa na Sibéria e no Leste Distante. Se na América do Norte houve o Far West (que traduzimos por “faroeste”), aqui há o Far East.
E é claro que, junto com os colonos russos, veio a religião cristã ortodoxa. Os nativos da Sibéria, como os mongóis de Gêngis Khan, eram xamanistas, ou seja, tinham uma religião espiritualista muito aberta, com reverência aos espíritos da natureza e comunicação com o mundo espiritual através de rituais e médiuns, um pouco como nas religiões indígenas das Américas. Depois chegou o budismo (sobretudo a partir do século XVI), e o que há hoje é uma convivência dessas três religiões aqui. Mas disso falaremos mais depois.
Por ora, vale mostrar algumas das magníficas igrejas ortodoxas que foram construídas.




Como você pode notar, nesse dia o céu não estava para brincadeira. Choveu quase o dia inteiro, em diferentes intensidades, e num dos momentos mais fortes nos abrigamos aí na catedral. Mas nem todo o tempo do mundo parece ser o bastante para reparar em todos os detalhes das pinturas no seu interior.






São tantas as igrejas ortodoxas na cidade (há também uma católica polonesa) que é difícil ver todas. Eu gosto de conhecer legado cultural de qualquer sorte, mas a amiga canadense que me acompanhava nesta viagem chegou a ficar exausta de ver igrejas. (Se for facilmente esse o seu caso, estas acima são as mais bonitas que eu recomendo.)
Como, mesmo com toda a graça de Deus, também do pão vive o homem, nós fomos comer. A recomendação aqui é um simpaticíssimo café chamado Baikal Love, numa das ruas principais de Irkutsk. Gente adorável, ambiente agradável, e… bem, comida russa. A comida russa é um pouco repetitiva (como todas, talvez?), mas tem sustança. O que não tem muito é tempero.


Naturalmente, não muito longe do Baikal Love havia uma estátua de Lênin a nos observar. Quase toda cidade russa tem uma.
Apesar dos marcos anteriores ao regime comunista na cidade, e de outras renovadas em anos recentes (como as igrejas ortodoxas, que ganharam muita força após o fim da União Soviética), muito de Irkutsk ainda relembra aquele longo período soviético (1922-1991) que dominou o século XX na Rússia.
Impressionou-me o imenso prédio cinzento do atual governo da Província de Irkutsk, em cortes modernistas retos dos anos 1930. É uma imagem vívida daquele tempo. Junto a ele, há um memorial com uma chama eterna aos russos mortos entre 1941 e 1945 na Segunda Guerra Mundial.





Passados um par de dias em Irkutsk, iríamos finalmente adentrar um pouco mais a Sibéria indomada, o norte.
Quase não há linhas de ferro para o norte da Sibéria, e as estradas que há são poucas e péssimas. Viajaríamos 6h em estrada de chão, o que é um nada na imensidade territorial russa, mas que já nos levaria ao majestoso Lago Baikal, o mais volumoso lago do mundo, e um lugar de incrível beleza. Essa experiência vem a seguir.
Meu jovem, que cidade!…que acervo cultural, que maravilha de arquitetura com seu belo estilo colorido, pleno de vida, arrojado, elegante e charmoso. Que belezas essas casas tradicionais, mesmo as mais novas, as exuberantes catedrais e demais igrejas. Que beleza. As igrejas russas são belíssimas. Os interiores são um espetáculo à parte, Esplendorosos!… Que riqueza detalhes, que bom gosto e delicadeza. Lindas. Essas fachadas parecem as ”eiras beiras e trieiras” dos portugueses. Será que estiveram ai e copiaram hahaha. Por outro lado nao tem graça nenhuma o estilo soviético. As construções parecem feitas a facão. hahahah Hurriiiiiiveis.
Amei aos tons dos diversos prédios. Essa sede do governo é um monumento. Linda . Assim como a Estação de trem. Muito charmosa.
Adorei as cores dessa igreja vermelha e azul de NS de Kazan, Ela não é conhecida aqui no Ocidente. Essa amarela e verde escuro tambem linda. Essa ante sala parece ser uma sacristia, à semelhança da Igreja do Bomfim e de outras,
Linda postagem, belo acervo cultural/arquitetônico. Uma surpresa nessa Sibéria que julgava cheia de florestas e gelo. Linda região, belo acervo cultural. Obrigada por nos permitir conhecer essas belezas em região inusitada. Valeu viajante.
Verdade
amei os tons*