Ulaanbaatar, a capital da Mongólia, é um lugar muito mais dinâmico e movimentado do que você talvez imagine. Eu várias vezes olhei o mapa, vi essa cidade de nome estranho perdida cá nos confins da Ásia Central, e imaginava “não deve ter nada”. E isso não era somente por eu ser brasileiro, do outro lado do mundo: eu conversei com russos da Sibéria, aqui vizinha, que imaginavam a mesma coisa da Mongólia.
Estávamos todos enganados. Embora remota (para quem vive no Ocidente), a atual capital da Mongólia é uma cidade de mais de 1 milhão de habitantes, com prédios, shoppings, restaurantes estrangeiros, e muita coisa moderna. E vai crescer ainda mais, pois a Mongólia tem desenvolvido relações estreitas com a sua quase vizinha e agora rica Coreia do Sul; e mesmo com a China, sua histórica rival, a Mongólia tem sabido pôr as diferenças socio-políticas de lado para construir relações econômicas.
A China, como se sabe, tem aspirações de financiar uma nova “Rota da Seda” do século XXI, com infraestrutura e crédito para atrair as repúblicas centro-asiáticas (ricas em minerais e combustíveis) à sua esfera econômica e fazer mais comércio com a Rússia e até com a Europa diretamente por terra, sem ser incomodada pela marinha dos EUA, que é quem efetivamente policia os mares.
De volta à Mongólia, estamos portanto num nodo estratégico do século XXI.
Eu, após passear pelo Gorkhi-Terelj National Park para ver um pouco da natureza e dos templos budistas na montanha, e após visitar o passado vivente dos mongóis no Parque “Século XIII”, chegava finalmente à capital.



Vocês me conhecem, e sabem que eu não gosto de dourar a pílula — ela é apresentada do jeito que é, ou no mínimo como eu sinceramente a vejo.
Ulaanbaatar, embora moderna no centro, continua sendo uma cidade de Terceiro Mundo na sua periferia. Pouco há de transporte coletivo afora alguns ônibus urbanos, então viajar pelo país sem carro é algo extremamente limitado. E as estradas, restritas aos arredores de Ulaanbaatar, são estreitas com apenas uma pista que vai e outra que vem. Engarrafamentos para entrar e sair da cidade não são raros.
O que você tem são alguns prédios novos no centro, vários modestos (e um tanto acabados) prédios residenciais da era comunista, de quando a Mongólia esteve alinhada à União Soviética (até 1990), e uma ou outra edificação diferente, sejam templos budistas de inspiração tibetana ou edificações do início do século XX de inspiração europeia. Rodeando isso tudo, um amplo cinturão de casas precárias e, para além dessas, áreas ocupadas por gers, as brancas tendas redondas dos mongóis, de pessoas que vêm do interior para a capital e simplesmente acampam nos seus arredores.










Na tarde em que chegamos, já era quase noite. Levamos um tempo para adentrar a cidade com aquele engarrafamento, e Tamir ainda levou eras para achar o endereço. Ele falava com a dona do albergue incontáveis vezes pelo telefone e, no seu jeito disperso, se perdia pela cidade. E nisso quem se perdia também era a minha paciência, sobretudo porque eu estava com fome. Esse havia sido o dia no “Século XIII”, em que as únicas opções de comida o dia inteiro haviam sido coalhada, queijo azedo e pastel de carne (que eu não comi).
Finalmente achamos o lugar, e — como já deve ter acontecido aos outros também habituados a ficar em albergue — fomos avisados de que “Ah, não, vocês estão no outro, aqui perto“, e tivemos que mais uma vez nos deslocar. Mas era perto mesmo, e o lugar era limpo e aconchegante o bastante. A dona, uma senhora mongol tranquila cujo nome inédito eu esqueci, era sossegada, atenta e cordata. Eu viria a perceber ao longo do tempo que os mongóis são muito mais práticos e não tem nada (ou quase nada) daquele cerimonialismo (às vezes falso) comum às culturas asiáticas.

Mas eu ainda estava com fome, e encontrar um lugar pra comer à noite foi uma dificuldade. Não espere pagar nada com dólares ou qualquer outra moeda que não seja a mongol, o tugrik. E não espere que muitos falem inglês ou mesmo russo; há quem quebre algo em inglês, mas em geral só falam mongol.
Circulamos pelas avenidas próximas ao albergue, e as comida de bar eram só carne, cardápios em mongol (nada em inglês, e nem mesmo em russo, que eu sou capaz de ler um pouco). Não tínhamos tugriks ainda, e sendo de noite os bancos estavam fechados. Nem havia casas de câmbio nem os restaurantes aceitavam cartão. E pior, estavam começando a fechar também.
— “Open?”, perguntava sempre eu num inglês básico e sem rodeios.
— “Yes, open“, e o rapaz sai prontamente agarrando os cardápios para nos acompanhar a uma mesa.
— “Visa, Mastercard?“, pergunto eu logo.
— “Ah, no no”, fazendo um gesto com as mãos, e com a mesma prontidão devolve os cardápios ao lugar de origem e retorna a detrás do balcão.
Achamos um restaurante coreano, mas tampouco aceitava cartão, então estávamos às 23h na rua vazia a tentar tirar dinheiro. O primeiro caixa automático engoliu o meu cartão e era todo em mongol, e lento. Eu vi a hora de não receber meu cartão de volta. Devolveu e fomos a outro, onde tivemos sucesso.
Retornando ao restaurante coreano, que cheirava bem e parecia muito bom, a porta continuava aberta, com a mesma última mesa de clientes ainda a rir alto e conversar. Entramos, ao que aí a moça nos indica que — embora a porta estivesse ainda convidativamente aberta — o restaurante já estava fechado. “Fala sérioooooo!”, eu faminto já tinha ligado o “que se dane” e — literalmente — caí de joelhos à porta do restaurante, com aquela cara de “não é possível, PQP”. A asiática esbugalhou os olhos e mudou de ideia, nos convidando a entrar. (Quem não chora não mama.)
A refeição foi ótima. A fome era tanta que comemos como se não houvesse amanhã. Mas havia: nós nos preparávamos para, no dia seguinte, começar a assistir finalmente ao Naadam, o festival olímpico anual dos mongóis, o maior evento nacional e cultural do país. Eu ainda veria muito mais coisas nesta minha estadia.


Rapaz, que horror!… coitados de voces!… famintos, sem encontrar lugar para trocar dinheiro, altas horas da noite,restaurantes/bibocas hahah fechando… arrremaria. Essa vida de aventuras tem seus limites, Ainda bem que tem fair play. e de uma ou outra forma as dificuldades são contornadas e as situações são controladas. Parabéns pelo jogo de cintura.
Esta situação de periferia comum em países com problemas de desenvolvimento deficiente é algo terrível e constrangedor e pelo visto presente tanto na Ásia como na America Latina e provavelmente na África. É muito triste constatar a desigualdade, a pobreza e o abandono das pessoas e das regiões, O Brasil aqui tem muito disso. Lamentável perceber a proporção dessa realidade..