Era uma manhã dessas de sol quando todos nos reunimos no albergue. Éramos eu, minha amiga canadense com quem viajava, três franceses que espontaneamente juntaram-se ao nosso tour (o que reduziu o preço), um rapaz mongol que nos serviria de guia, e um senhor mongol que seria o nosso motorista.
Arrumar um tour pela Mongólia não é difícil, mas é preciso ser criterioso. Há muitas ofertas, muitas delas exageradamente caras, outras baratas mas furadas, e por aí vai. Ao final destes relatos na Mongólia, eu vou compartir com vocês as dicas disso.
Os arranjos que fiz foi com Jagaa, alguém que — por e-mail — eu por semanas fiquei sem saber se era homem ou mulher. Era homem, um mongol bem-arrumado e simpático de seus 40 anos, com aquele aspecto de homem de negócios, mas sem perder o humor. “Esse guia que vai com vocês é bom. Não é o melhor, não, mas é bom“, disse-nos ele. Os mongóis têm uma franqueza simples pouco vista entre os asiáticos.
O nosso guia era Barsbold, que atendia pelo apelido de “Barça”, um rapaz de 19 anos com cabeça de 19 anos. Não foi mau, embora às vezes a pouca experiência aparecesse; mas isso pouco importou, pois o seu papel principal foi mesmo ser intérprete do motorista, um senhor de 61 anos e que sabia das coisas (exceto inglês).
“Baina“, apresentou-se ele pra mim risonho, interrompendo o carregar das bagagens na mala do carro quando me viu, com uma daquelas caras de sorriso bem-disposto, apontando pro peito enquanto dizia o próprio nome. Apertamos as mãos. Ele usava uma boininha azul-escuro de operário, e Barça (jovem, alto feito uma vara) preferia o chapéu de turista inglês no safari africano, daqueles com a correia por debaixo do queixo.
A manhã estava ainda fresca, mas o sol prometia.
O nosso périplo de 9 dias sairia aqui da capital Ulaanbaatar e nos levaria pelas muitas estepes e formações rochosas da Mongólia, antes de alcançarmos o Deserto de Gobi no sul do país, para dali retornarmos às paisagens verdes da Mongólia Central onde fica Karakorum, a capital dos conquistadores mongóis da Idade Média. Eu divido esse relato em partes, pois senão ficaria muito longo.
Ah! Como pude esquecer! Outro personagem curioso desta nossa expedição era o veículo: uma cinzenta kombi soviética com ar de anos 70 (se não 50) e indestrutível. Só assim para enfrentar o interior da Mongólia, onde praticamente não há estradas. (Frequentemente passamos por carros mais modernos quebrados no caminho, com os passageiros a esperar por não sei o que, incapazes de fazer qualquer conserto.)

O primeiro ponto foi a parada, ainda na manhã do primeiro dia, para comprar papel higiênico (mal posso esperar para lhes falar dos “banheiros”…), merendas, e outros suprimentos.
Apesar do ermo que é o interior da Mongólia, nós encontraríamos frequentemente essas vendinhas de povoado, onde era possível comprar salgadinhos e refrigerante quente. (Quase não há eletricidade, exceto aquela provida por painéis solares, normalmente limitada a algumas horas do dia. Não refrigera nada.) No supermercado, contudo, nós veríamos coisas que “só na Mongólia”.

Os primeiros quilômetros ao sul de Ulaanbaatar são na estrada, mas daí a algumas horas você diz adeus ao asfalto, para só o rever dali a mais de uma semana.
Comidas, água… tudo levávamos o suficiente conosco. Também tínhamos tendas, mas na prática todas as noites seriam em gers, as típicas tendas redondas dos mongóis. Embora eles próprios frequentemente durmam no atapetado chão, os gers para turistas sempre têm camas dentro. Na real, o dormir foi bem mais confortável do que eu imaginava.



Eu preciso confessar que, naquela altura, me bateu uma breve sensação de “programa de índio”. Eu me via ali naquele “nada”, vazio exceto pelas lagartixas que corriam rápidas naquele chão pedregoso, e debaixo do calor a comer uma gororoba quente (sopa) que Barça preparava à sombra da kombi — não havia outra.
Os mongóis notoriamente não usam tempero, apenas sal, e eu acho que em toda a minha experiência nunca havia comido coisas tão sem sabor.
Mas essa sensação aos poucos iria mudar, conforme o passeio começava a ficar interessante.



Logo após o almoço nós paramos numas formações rochosas conhecidas como Baga Gazriin Chuluu. Significa “lugar das pequenas pedras” em mongol, mas as pedras só são pequenas se as considerarmos diante da imensidão das estepes.







Não estávamos longe de onde passaríamos a primeira noite.
Se você acha que os mongóis nômades estão desacostumados aos turistas, enganou-se. Há múltiplos pequenos acampamentos onde famílias põem gers extras exatamente para receber grupos de turistas que chegam com as agências. Você nem dorme nem come junto com as famílias. Elas, na verdade, muito pouco interagirão com você, de habituadas que estão a ver turistas chegarem e saírem todos os dias. Todo o trato é feito com guia e o motorista. A família indica qual será o ger do grupo, onde fica o “banheiro”, e pronto.
(Nós depois visitaríamos espontaneamente algumas famílias nômades que não trabalham com turismo, e aí a sensação é deveras diferente.)






Nós neste segundo dia veríamos mais vales e mais estepes, conforme nos aproximávamos do pedregoso Deserto de Gobi.
Para alegria geral, precisamos abastecer o veículo, o que significou parar numa loja de conveniências de posto de gasolina e nos abastecermos de merendas. (Sim, volta e meia você se depara com uns “oásis” de infraestrutura aqui.)



Revigorados (graças à alcachofra), seguimos viagem por entre as manadas de animais neste início de Deserto de Gobi até chegarmos à Estupa Branca, nome que os mongóis dão a outras impressionantes formações rochosas daqui (Tsagaan suvraga em mongol, white stupa em inglês. Estupas, pra quem não sabe, são aquelas construções cônicas típicas dos templos budistas.).
No meio do caminho havia ovelhas, cabras, e também camelos. Os camelos aqui da Ásia Central são os únicos do mundo com duas corcundas em vez de uma. São os chamados camelos bactrianos, chamados assim pelos antigos gregos, que conheciam a Ásia Central pelo nome de Bactria. No inverno eles ficam peludos para se protegerem do frio rigoroso de Gobi, e na primavera perdem o pêlo.




Vocês podem perceber que eu já estou bronzeadérrimo, e alguns podem estar a se perguntar que ideia de jerico foi essa de vestir preto debaixo desse sol. Bem, eu lhes digo que fui pragmático: não passamos tanto tempo assim debaixo do sol, e eu sabia que passaria dias sem tomar banho. A camisa preta é aquela que poderia sujar sem ficar comprometidamente encardida. (Eu depois trocaria por uma camisa clara, e esta eu estou até hoje tentando fazer voltar ao que era.)





Nós à noite encontraríamos mais um grupo de camelos, desta vez pertencentes às famílias do acampamento onde ficamos. E o terceiro dia seria talvez o mais curto de todos, pois chegamos ao acampamento já ao almoço e dali ficamos à tarde para descansar. À tardinha, após o pior do calor e antes do pôr do sol, visitamos o Vale dos Abutres (Yolyn Am em mongol, às vezes chamado também de Yol valley), entre as Montanhas Gurvan Saikhan, cá no sul da Mongólia.
Eu deixo vocês, por ora, com as fotos desses encontros. A tour continua, pois daqui seguiríamos ao Deserto de Gobi propriamente dito.









Continua em O Deserto De Gobi, As Khongor Sand Dunes E Os Flamming Cliffs: Tour Pela Mongólia, Dias 4 E 5
Ola amigo …no momento estou aqui na mngolia, mas já saindo. Pretendo voltar no ano que vem e alugar uma dessas kobis soviéticas e rodar bem mais. Pode me dar algumas dicas de como o alugar…média de valores…quantos km por litro. Ficarei muuuitô satisfeito. Grande abraço.
Oi Renato! Que bacana que você está na Mongólia. Espero que tenha gostado da visita. Aquelas kombis soviéticas são memoráveis, hein? Houve um par de pessoas no meu tour que também ficaram com vontade de conseguir uma (e de até voltar dirigindo pra casa).
Mas vou ser honesto contigo em dizer que não vi nenhum turista alugá-las assim. Até mesmo porque quase ninguém se atreve a sair dirigindo (sem motorista mongol) pelo interior da Mongólia. Acho que ninguém vai pará-lo se você o fizer, claro, mas não sei se aquelas kombis soviéticas estão disponíveis nas locadoras. Todos os turistas que vi em passeios particulares tinham carros mais modernos (e vi vários atolados ou quebrados no caminho, apesar disso. Um dos grandes lances dessas kombis soviéticas é que, segundo me disseram, são fáceis de consertar caso haja algum problema no meio do caminho). Mas vou ficar devendo a você esses detalhes técnicos da performance das kombis — acho que aí só mesmo alguém que esteja acostumado a dirigi-las. Se você as encontrar em alguma locadora na Mongólia, certamente só lá (ou na Rússia) vão saber te dizer.
Abraço forte!
Uaaaaauu que natureza esplendorosa, Que ”deserto” verde lindo essa regiao de estepe. Que belas planícies, que pôr de sol maravilhoso, parecendo o que temos aqui no NE do Brasil. Estupendas paisagens!… que belas pedras.
Amei a natureza e os animais, Lindinhos os camelos as cabras e as ovelhas. Fofas. Linda a região.
Corajoso, o senhor, meu amigo viajante. Que dificuldades !… alem do sol que se nos afigura inclemente. O aspecto fisico ja demonstra as dificuldades. hahah. Percalços de viajante.
Que horror a tal bebida de alcachofra, com sabor de geleia de mocotó com limao arrgg que horror. haha, So com 1 dia de sede mesmo hahah. Pelo visto a dormida foi bem.
Destaque para a natureza maravilhosa com suas belissimas manifestações. linda planicie. Imensa. Pôr de sol fascinante. Belissima, l inda regiao. De uma grandiosidade surpreendente.
Imaginemos essa regiao no inverno !..uaaauu
Linda postagem Congratulations.